Acerca de (não tão) vazios criativos – Chiang Mai

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Já vos aconteceu não vos ocorrer nada específico acerca do que dizer sobre um local de que gostaram particularmente? De estarem tão absorvidos e compenetrados no prazer do quotidiano que nem se recordam do que vos passou pela cabeça durante quatro ou cinco dias, quando tinham bem presente que gostariam de transmitir, fosse como fosse, algo acerca das emoções que um determinado sítio provocou? Foi precisamente isso que me aconteceu em Chiang Mai E não podia ter desejado mais nem melhor.

Chiang Mai é uma cidade que, dentro das suas muralhas, é adorável. Há um equilíbrio extremamente bem alcançado entre a agitação nos locais em que tem de existir agitação – mercados locais, zonas de restauração, estradas sobrelotadas e barulhentas -, e a serenidade dos locais em que se impõem doses acentuadas de acalmia e sossego – templos, ruas (nem sempre) pedonais, cafés no canto de uma esquina com vista privilegiada para a distante azáfama vivida pelos habitantes locais, entre outros.

Enquanto estive em Chiang Mai tive presente, como tenho sempre, que gostaria de escrever algo em concreto sobre aquela que foi a minha experiência no local. Poderia ser sobre os mil e um templos da cidade e a confusão que me faz ter de pagar para visitar locais de culto e sagrados, poderia ser sobre o sítio onde, em quatro dias, fui repetidamente tomar o pequeno-almoço e cafés de meio de tarde, poderia ser sobre os mercados de rua que se podem visitar e nos quais é possível deliciarmo-nos com comida local. Poderia escrever sobre o festival de flores que por aquela ocasião estava instalado no centro da cidade, sobre visitas a cascatas nas redondezas, passeios de mota pelo meio da natureza, por aí fora. Não faltavam histórias, nem sensações, que poderiam ser objeto de uma divagação por escrito.

Mas não. A verdade é que o meu processo criativo, que de criativo tem tão pouco, não me permite forçar nada sobre o que escrever. Quando assim é já não tenho vontade de o fazer. E portanto não faço.
Sim, eu escrevo por escrever. Escrevo sem propósito específico algum senão aquele que é a vontade que me assola de, por vezes, colocar palavras de forma ordenada numa folha de papel. Com que intuito? Não sei bem. O de um dia poder olhar para trás e recordar, nas minhas próprias palavras, as emoções vividas a respeito de locais, pessoas, sensações ou aventuras diferentes. O de poder partilhar com amigos e família as peripécias vividas quando, no caso de estar a escrever em viagem, estou num local diferente exposto a estímulos que me são pouco habituais. Às vezes escrevo apenas e tão só porque preciso de libertar espaço da minha cabeça, e caso não o faça ficarei sempre com aquele ratinho no fundo do cérebro a relembrar-me que ainda tenho ali alguma informação a que não dei uso.
Não sei bem, escrevo por muitas razões em geral e por nenhuma em particular. E quando não tenho vontade de escrever, não escrevo.

Em Chiang Mai foi precisamente isso que aconteceu. No mundo ideal gostaria de ter algo interessante sobre que escrever acerca de um qualquer assunto que me tenha despertado especial atenção naquela cidade. Estímulos diferentes para que isso acontecesse e se pudesse propiciar não faltaram. A sério que não, estímulos não faltaram.
Mas não. Pura e simplesmente aproveitei, de cabeça vazia e com a leveza de uma borboleta que só tem como preocupação procurar e encontrar o próximo local onde assentar, as boas experiências que a cidade tem para oferecer. Fi-lo sem que uma qualquer obrigação ou pressão que fizesse dos meus dias uma desmerecida penitência. E ainda bem que assim foi.

Não houve nenhum aspeto em particular que me tenha chamado a atenção. Não houve nenhuma emoção específica, nenhum sentimento que se tenha sobreposto a todos os demais. Não houve uma experiência que tenha presenciado que, de um modo mais ou menos intenso, me tenha marcado de forma significativa por comparação com todas as outras. Não houve sons que parecessem mais melodiosos que outros, nem cores que parecessem mais vivas, nem tão pouco sabores que me fizessem querer esquecer todos os outros que até ali havia experimentado. Nada disso.
Talvez por isso me tenham sabido tão bem aqueles dias em Chiang Mai. E talvez por isso me tenha sabido tão bem escrever estas breves linhas sobre isso mesmo.

Texto e fotografia por:  João Barros

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