O que é, afinal, o conforto? – Kampot

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Será que o conceito de conforto pode variar de acordo com as conceções da sociedade ao abrigo do qual é analisado? Ou conforto é conforto e não se fala mais disso? O que é confortável em Portugal equivale àquilo que é confortável no Camboja? Não sei bem. A única coisa que sei é o que é o conforto para mim. E, no meu caso, para já isso chega.

Para mim conforto é chegar a casa no fim do dia e tirar os sapatos. Se estiver frio lá fora, conforto é tomar um banho de água quente, vestir o pijama e sentar-me no sofá com a lareira acesa. Não num sítio qualquer do sofá, nem pensar. Naquele sítio que já tem a minha marca, que o meu corpo já conhece de cor e que se adapta na perfeição aos contornos da minha figura vista desde qualquer ângulo. Isso é que é conforto. Conforto é dormir em lençóis de flanela quando ouvimos a chuva cair incessantemente lá fora, sabendo que no dia seguinte não vamos ter de acordar cedo para ir trabalhar. Conforto é estar descalço e sentir uma carpete daquelas felpudas por baixo dos nossos pés. Para mim, isso é que é conforto.

Mas o conforto não está só relacionado com o frio, nada que se pareça. Conforto também é estar à sombra, num dia de verão, à beira mar, e sentir que trocámos o fato de banho molhado por um seco antes de ir almoçar. Aqui também podemos falar de conforto. E também o podemos fazer quando em plena sesta depois de almoço, no verão, num quarto com a janela aberta, uma leve brisa entra por ela dentro e faz ondular os lençóis de linho lavados sob os quais o corpo inerte repousa. Isso sim também é conforto. Ou quando nos deitamos na relva, ao final da tarde, em cima de uma toalha enquanto no gira discos distante toca um clássico qualquer cantado pelo Rui Veloso.

Para mim, conforto é tudo isto e mais, muito mais. Na verdade, poderia continuar a escrever sobre aquela que é a minha noção de conforto durante muitas páginas. Mas não, não o vou fazer. Prefiro antes escrever sobre aquilo que me tenho vindo a aperceber ser uma parte importante do conforto no Camboja. Um caso muito específico de conforto, mas não uma novidade, que ainda assim me fez pensar sobre o assunto. Aqui vai: no Camboja é possível afirmar que a noção de conforto está não raras vezes relacionada com a roupa que as pessoas usam. Nada de novo, estamos de acordo, mas a verdade é que nunca vi alguém que confira mais atenção ao conforto na forma como se veste como o fazem as pessoas por aqui.

Como é que se vestem, então, no dia-a-dia, as pessoas no Camboja? Da forma mais confortável possível, já que muitas delas passam o dia inteiro de pijama. Sim, leram bem, de pijama. Há lá algo mais confortável que isso? Estejam simplesmente a caminhar pela rua ou a meio dos seus afazeres diários, a andar de mota de um lado para o outro ou no seu trabalho, estejam a cozinhar no passeio ou simplesmente sentadas em pequenas cadeiras a conversar entre si à volta de um churrasco acabado de fazer, as pessoas no Camboja estão muitas vezes – quase sempre, vá – de pijama. A acompanhar o pijama, bem lá no fundo, estão também recorrentemente calçadas umas pantufas e, em alguns casos, uns daqueles chinelos cuja marca não promoverei, mas cujo nome começa com a letra “c” e a terminação rima com rock(s). Sim, há muitas pessoas no Camboja que combinam o pijama a todo o momento com pantufas ou com crocs.

Quando percebi que esta era uma realidade a inveja não tardou a apoderar-se de mim. Pensando bem, quando quero passar um dia inteiro de pijama e pantufas, das duas uma: ou tenho de estar doente e assim há uma desculpa para o fazer, ou o calendário tem de apontar para um dos dias do fim-de-semana – só um, não podem ser os dois – mais chuvoso de que haverá memória no ano inteiro. Apenas nesses casos posso passar um dia inteiro de pijama e de pantufas sem que a sociedade me julgue de forma avassaladora pelas escolhas de vida que fiz. Mais ainda, se usar pijama ou pantufas o dia inteiro tenho necessariamente de me limitar às quatro paredes de casa, não há cá saídas à rua. Quanto muito uma ida à porta para receber a comida que preguiçosamente encomendei para que me fosse entregue mesmo ali.

Afinal de contas, quem sabe o que é conforto afinal? Eu? Ou as pessoas que vivem no Camboja, que passam o dia inteiro de pijama e pantufas ou crocs? A verdade é que agora já nem sei.

O que sei é que em matéria de vestuário e calçado eu não fazia ideia do que era conforto. As pessoas por cá é que o sabem, não há margem para discussão. Ainda que tal não queira dizer que quem vive no Camboja saiba melhor que eu o que é conforto no geral, nem tão pouco que dá mais valor ao conforto que eu. Aliás, conhecendo-me como conheço duvido seriamente disso.

Basta pensar na estranha posição em que aqui as pessoas parecem gostar de descansar. Aquela posição em que não se está sentado nem deitado, nem sequer encostado a uma esquina a ver a vida passar de forma vagarosa e serena. Não, se aqui queres descansar a posição habitual é de cócoras, com o coxis quase a tocar o chão. Uma posição para quem cá vive inata, é certo, mas que obrigaria um atleta olímpico europeu de ginástica artística a incontáveis anos de treino. Ora, para mim isto não é conforto, nem aqui nem em lado nenhum.

Como também não é conforto comer, descansar, ver televisão e dormir tudo no chão de azulejo, ainda que na divisão em questão haja sempre sofás, cadeiras e camas encostados a um canto. Porquê escolher fazer tudo no chão? Isto também não me parece conforto e as minhas costas certamente estão comigo nesta posição. Como também não me parece conforto fazerem-se viagens de oito horas num lugar improvisado de uma carrinha sobrelotada do século passado, na qual uma caixa de cerveja virada do avesso, sem suporte para as costas, serve de assento não para uma mas para duas pessoas, enquanto o lugar da frente ao lado do condutor jaz vazio aguardando uma nalga que nele assente. Claramente isto também não é conforto, nem aqui nem em qualquer parte do mundo.

Será que o facto de usar pijama todo o dia e de ter os pés sempre acomodados por umas confortáveis pantufas ou crocs compensa tudo isto? Não sei. Em todo o caso, acho que mais cedo ou mais tarde chegará a altura em que o poderei descobrir por mim próprio.

Por João Barros

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