Abre uma das exposições do ano: PINTURA DEMOCRÁTICA

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Pintura Democrática

Coleção Luísa e Manuel Pedroso de Lima

 

Pintura Democrática é uma das mais representativas exposições de pintura portuguesa do século XX patentes em 2020, no Centro Cultural de Cascais e a nível nacional.

Trata-se da coleção de pintura de Luísa e Manuel Pedroso de Lima, que reúne obras de Almada Negreiros, Ângelo de Sousa, António Palolo, Cruzeiro Seixas, Graça Morais, João Hogan, Jorge Martins, Júlio Resende, Júlio Pomar, Lourdes Castro, Luís Dourdhil, Malangatana, Mário Botas, Menez, Nikias Skapinakis, Paula Rego, René Bertholo e Vieira da Silva, entre muitos outros artistas visionários que marcaram a expressão plástica em Portugal, no século XX.

Com curadoria de Joaquim Sapinho e José Manuel dos Santos, a mostra Pintura Democráticareflete a produção de arte contemporânea portuguesa no período que medeia o fim do Estado Novo e o início da década de 1990. A organização é da Câmara Municipal de Cascais e da Fundação D. Luís I, no âmbito da programação do 5º aniversário do Bairro dos Museus.

 

Esta exposição mostra obras de uma coleção que têm a ligá-las a vontade do coleciconador e a vida a que a sua vontade foi dando forma e figura. Essa vontade e essa vida foram-se fazendo de escolhas, atitudes, desejos e gostos. E ainda de inquietações, obsessões, avaliações, investimentos.

Esta é também a colecção de um tempo, embora as suas obras continuem a ser do nosso tempo — e dos tempos que ao nosso se sucederão. Foi nas décadas de 70 e 80 do século passado que a colecção se formou, mas a maioria dos artistas nela representados são de um tempo mais largo, que começou muito antes, e  nas suas vidas-obras houve um sismógrafo que nos conta os abalos e as mudanças políticas e culturais de uma época e de um lugar que surpreendeu o mundo com uma revolução democrática, depois de ter vivido longamente sob uma ditadura.

Muitos destes artistas participaram activamente nas mudanças. Alguns foram mesmo delas precursores, arautos e militantes de utopias que se tornaram distopias: do comunismo à desilusão dele, da paixão revolucionária à racionalidade reformista, da democracia à normalidade dela.

Viajamos nesta exposição e os olhos são a bússola que nos dá a medida certa da nossa pergunta à resposta de cada obra. Estes pintores e estas pinturas levam-nos ao encontro do que fomos e do que somos na afirmação ou na negação que disso fazemos.

 

Passam, nestas obras, a verdade do corpo que pinta, a audácia do gesto que rompe, a certeza da mão que avança, como no amor e no ódio. Na poética desta exposição, há as alucinações de uma época que inventou o que foi preciso para se inventar a si-mesma como outra.

Muitos destes artistas andaram de cá dentro para lá fora e de lá fora para cá dentro, moveram montanhas e empurraram mares. Com frequência, eles recusavam-se a dizer o que disse Fernando Pessoa/Álvaro de Campos: “Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta/ E cantou a cantiga do infinito numa capoeira/ E ouviu a voz de Deus num poço tapado.”

Cada obra destas é um “Cântico do país emerso” (Natália Correia), uma vitória e uma vingança contra o “País que tu chamaste e não responde” (Sophia de Mello Breyner Andresen), uma voz que exclama “Nem pátria minha, porque eu não mereço/ A pouca sorte de ter nascido nela”.
Cada obra é uma procura de oxigénio. E é também um túnel de passagem de uma vida a outra vida, de um mundo a outro mundo. Nestas formas e nestas cores firmaram-se vontades de pedra.

 

Nesta exposição, as obras foram postas umas com as outras, num dispositivo poético.

Dispositivo, porque, como mostrou Giorgio Agamben, ele forma um conjunto heterogéneo de discursos (verbais e não verbais), leis, lógicas, lugares, com uma função estratégica e em resultado de relações de saber atravessadas por relações de poder (o dos curadores, por exemplo).
Poético, porque as suas proximidades e distâncias foram obtidas por cálculos formais e simbólicos. Porque os seus lugares no espaço que as situa foram encontrados por cabala visual, assim os surrealistas falavam da cabala fonética. O acto livre que aqui as dispõe corresponde ao acto livre com que foram criadas e colecionadas.

 

No tempo desta colecção, coleccionar pintura era coleccionar a liberdade. Porque, então, a política, a cultura, a literatura e a arte seguravam o fio da democracia no labirinto do mundo. Comprava-se um quadro e esse quadro trazia com ele o testemunho da “liberdade livre” de que falava Rimbaud.

O coleccionador desta colecção tem um nome: Manuel Pedroso de Lima. É advogado e lutou contra a ditadura. O seu pensamento político-cultural descende do humanismo iluminista, segundo o qual o homem é tanto mais livre quanto mais esclarecido e mais culto for. E ser culto significa fazer do culto da arte uma proximidade, um conhecimento e um quotidiano, tendo-a em casa.

 

O nome de Manuel Pedroso de Lima não pode ser dito sem que se diga também o nome de sua mulher: Luísa. Esta colecção foi feita com a vontade cúmplice dos dois e esta exposição é um tributo dele a ela.

Os autores das obras que aqui se mostram são artistas tão diferentes como elas. Mas têm em comum uma vontade de afirmação da liberdade: primeiro, num país sem ela; depois, num país que a encontrou para continuar a procurá-la. A liberdade de cada um destes artistas era a liberdade com que cada um deles inventava a liberdade – a sua e a de todos. E as vozes verbais dos escritores que a estas vozes visuais se juntam, nesta exposição, dão a esse diálogo, feito de acordes e desacordos, o som de um tempo tão sonoro.

As obras que aqui se apresentam foram quase todas compradas na Galeria 111, de Manuel de Brito e Arlete Silva, situada no Campo Grande, perto da casa de Mário Soares (e aqui o caso não é um acaso). Ao olharmos a colecção de Manuel Pedroso Lima, vemos o trabalho de uma galeria. E vemos como estes artistas e as suas obras fundam o cânone de um tempo e de uma ideia do mundo. A esse cânone podemos chamar «pintura democrática» — e a palavra «democrática» permite mesmo que a consideremos a mais…

– Joaquim Sapinho e José Manuel dos Santos, curadores

 

 

Inauguração 21.04 | 18h30

21 Fevereiro  A 12 Abril 2020

Centro Cultural de Cascais (piso 1)

 

Fonte: Fundação D. Luís

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