O primo e o outro José
A paixão de José Oliveira pela sétima arte começou ainda na sua infância com “o primo viciado em filmes”. O videoclube do seu parente foi a fonte do seu primeiro contacto com o cinema. Viam obras de todo o género, ainda em formato VHS. Mas José não esconde “a preferência pelos filmes de acção”, sobretudo quando os protagonistas eram “Chuck Norris, Sylvester Stallone e Jean-Claude Van Damme”. Depressa estas películas passaram pelo seu videogravador e o futuro cineasta começava a construir “a sua própria cinemateca”, como lhe chama entre risos. A paixão pelo cinema americano mantem-se até hoje. José descreve-o como “o cinema que quase o educou, que fez dele uma pessoa melhor”. As histórias de redenção passadas nos Estados Unidos, “um país nascido da violência” mostraram-lhe o humanismo que mais tarde iria incorporar nos seus filmes.
Apaixonado pelo audiovisual, José enveredou pelo curso profissional de técnico de multimédia na Escola Profissional de Braga (EPB), em 2004. O destino obrigou-o a mudar de planos quando José Alberto Pinto surgiu como professor da cadeira de Audiovisual. O pouco conhecido realizador do filme “Osmose” viu a motivação deste seu aluno e resolveu levá-lo a visitar outro local onde dava aulas, a Escola Superior Artística do Porto, onde José viu os instrumentos de produção cinematográfica pela primeira vez. Ainda “sem saber o que havia de fazer” depois da EPB, José decidiu seguir o concelho do seu amigo e antigo docente e ingressou em Cinema e Vídeo na Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo (ESMAE), no Porto, onde os dois se reencontraram.
Do Pai Natal até Longe
Com os ensinamentos de professores como José Alberto Pinto ou o falecido crítico de cinema Carlos Melo Ferreira, José passou de espectador a criador de cinema. Ainda no ESMAE, foram surgindo as suas “primeiras curtas-metragens, de maneira independente”.
“Pai Natal” foi o nome da sua primeira película, filmada em 2010, quando concluiu a licenciatura. José descreve-o como “uma espécie de crónica”, na qual era realizador e actor principal. O cineasta bracarense interpretava um jovem que “vinha para Lisboa sem dinheiro, trabalhar como Pai Natal, em regime de trabalho temporário, precário”. Em resumo, “conhecia umas raparigas, bebia uns copos, fazia uns amigos e voltava para Braga”, num oposto àquilo que o seu criador faz agora.
Este Santa Claus passou em vários festivais de cinema e abriu a porta para mais duas curtas em forma de documentário: “Sem Abrigo”, sobre um sem abrigo, e “Times Are Changing, not me”, sobre o realizador Manuel Mozos. Mas José acabaria por voltar à ficção em 2016, quando resolveu realizar “Longe”. Protagonizado por José Lopes, um dinossauro do teatro que acabaria por acompanhar o bracarense noutro projecto, esta curta conta a história de “um pai vindo a Lisboa na procura da sua filha, 20 anos depois”. Num espelhar da sua própria vida, Lopes “passa por os lugares do seu passado”, numa sucessão de reencontros.
O realizador assume “o início pouco sério deste projecto”, mas a verdade é que a dedicação acabou por vir, não fosse a ajuda na produção da produtora Optec Filmes e de Marta Ramos, a sua namorada de 10 anos. “Longe” acabaria por ser seleccionado para o festival de cinema de Locarno, na Suíça, que serviria de rampa para outros festivais em Espanha e no Brasil.
José Lopes, o mártir
Parar é morrer e nenhum realizador mantém a sua carreira apenas com curtas-metragens. 46 anos depois, os fantasmas da Guerra Colonial ainda assolam as gerações mais velhas. José e Marta viram nesse trauma o pano de fundo perfeito para a sua primeira longa-metragem, “Guerra”, e o mesmo Lopes do teatro que protagonizara “Longe” surgiu novamente como protagonista.
40 anos depois do final da guerra, os fantasmas do conflito “ainda atormentam o protagonista”. A sua família não consegue fazê-lo esquecer os seus traumas e “ele decide pôr um ponto final”. “E mais não digo, senão não vale a pena ir ver o filme” acrescenta José Oliveira
Porém, nas palavras de um dos seus professores no ESMAE, “ou há tempo ou há dinheiro”. A falta de prazos devia-se à falta de dinheiro e Guerra só estaria pronto em Fevereiro de 2020, três anos depois de a sua realização se iniciar. A morte do seu protagonista, José Lopes, obrigou as filmagens a parar e “a adaptar o guião do filme”. Nas sentidas palavras do cineasta, “quando se filma com actores mais velhos ao longo de três anos, corremos risco”. José Oliveira ainda não sabe quando “Guerra” será lançado. Apenas sabe que, infelizmente, José Lopes não assistirá à estreia do seu último filme.
Quantidade em vez de qualidade?
Estamos em 2020 e José tem outro filme preparado além de “Guerra”: “Os Conselhos da Noite”. Quando Daniel Pereira, da produtora The Stone and The Plot, entregou o orçamento ao Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), estes aceitaram financiar os “Conselhos” à primeira. José ficou surpreendido, por ser um realizador “pouco currículo e sem cunhas”.
O cineasta supõe que “talvez eles tenham gostado do argumento”. Esse deveria o critério de atribuição de fundos, mas não é. José relembra o financiamento atribuído a “filmes com argumentos de merda, mas realizados por gajos com currículos vastos”. O contrário raramente acontece.
Os maiores prejudicados são os cineastas no início da sua carreira. José aponta para o seu amigo Paulo Faria, impossibilitado de realizar o seu documentário porque “o ICA nunca financia as primeiras obras”, como se fosse anormal “alguém não ter currículo no começo de carreira”.
Talvez o maior elogio deva ir para os “cineastas de guerrilha”, como José lhes chama. São realizadores que chegam ao ponto de “hipotecar as suas casas para fazer um filme”. São os “teimosos”, que se lançam com poucos recursos, como José fez no passado.
Esperemos que não tenha de o fazer no futuro.
Por Pedro Maia Martins
Foto José Oliveira