Ministério da Cultura vai candidatar gravações de Amália Rodrigues ao programa da UNESCO “Memória do Mundo”

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Candidatura dos registos da fadista é promovida através do Arquivo Nacional do Som, em colaboração com a Valentim de Carvalho.

No ano em que se celebra o centenário do nascimento de Amália Rodrigues, o Ministério da Cultura vai candidatar as gravações da cantora ao programa da Unesco “Memória do Mundo”.

A candidatura que hoje se anuncia será promovida pelo Ministério da Cultura, através da equipa do Arquivo Nacional do Som em colaboração com a empresa Edições Valentim de Carvalho, proprietários da coleção de fitas-magnéticas gravadas pela intérprete entre 1951 e 1990 e de outras gravações, algumas que nunca foram publicadas (ensaios, diferentes takes, experiências de gravação, gravações informais, entre outras).

Esta candidatura vem na sequência do trabalho há muito desenvolvido pela empresa Edições Valentim de Carvalho na preservação e divulgação de tão importante fundo documental e do início de um trabalho conjunto com a equipa do Arquivo Nacional do Som. Com esta candidatura não só estamos a afirmar a importância deste fundo documental como, na prática, a reforçar a visibilidade destes documentos.

Amália Rodrigues, intérprete associada a um repertório português como é o Fado, foi responsável pelo conhecimento e projecção deste género além-fronteiras, sem ter deixado de se preocupar com a sua renovação.

Amália Rodrigues ultrapassou todas as fronteiras:
• as fronteiras territoriais (apresentou-se “ao vivo” e teve os seus discos publicados praticamente em todo o mundo, da Austrália ao Azerbeijão; actuou tanto em palcos em pequenas aldeias de Itália como no Lincoln Center de Nova Iorque),
• as fronteiras linguísticas (interpretando repertório em diversas línguas como o Português, Castelhano, Italiano, Francês, ou Inglês) e, sobretudo,
• as fronteiras de género musical, afirmando-se como intérprete do fado mas também das rancheras mexicanas, do flamenco ou da canção italiana, entre outros repertórios, inspirando autores como Aznavour ou Vinicius de Moraes que para ela compuseram.

Graças a uma capacidade musical “fora de série”, revolucionou o género nas suas múltiplas dimensões (musical, poética, estilo interpretativo).

Nesta candidatura articulam-se quatro vertentes:
• Do ponto de vista patrimonial, o reconhecimento da importância universal destes documentos e a sua preservação e divulgação
• Reafirmar inequivocamente o compromisso nacional de desenhar, implementar e fortalecer uma política consolidada para o património sonoro. Estamos a trabalhar para instalar as infraestruturas tecnológicas do Arquivo Nacional de Som, encerrando definitivamente uma história já com 85 anos. E estamos a fazê-lo e vamos sempre fazêlo com com todos os agentes detentores de património sonoro.

O programa “Memória do Mundo” é uma iniciativa da UNESCO que visa realçar e preservar documentos ou conjuntos de documentos com especial significado e valor para a humanidade, documentos (também fonográficos) com “importância mundial e valor universal excepcional”.

As primeiras inscrições tiveram lugar em 1997, e até hoje já foram inscritos como “Memória do Mundo” mais de 400 documentos ou conjuntos de documentos, da Magna Carta, à Bíblia de Gutenberg.

Portugal inscreveu até hoje 10 documentos entre os quais podemos referir o Tratado de Tordesillas, o Diário da primeira viagem de Vasco da Gama à Índia, a Carta de Pêro Vaz de Caminha, ou o registo de vistos atribuídos pelo cônsul português Aristides Sousa Mendes.

No domínio do património documental sonoro, são vários os documentos inscritos: o disco com a gravação do apelo à resistência francesa na II Guerra Mundial pelo General de Gaulle; as colecções históricas dos arquivos de som de Viena, de Berlin e de São Petersburgo; as 103 fitas-magnéticas com a gravação do julgamento de Frankfurt – Auschwitz; ou uma colecção de discos comerciais de Carlos Gardel. A presente candidatura será a primeira candidatura portuguesa de um documento audiovisual.

 

Em boa hora o Ministério da Cultura, através do Arquivo Nacional do Som, decidiu candidatar a voz de Amália a “Memória do Mundo”.

Amália foi uma das grandes vozes do século XX. Contam-se pelos dedos quem se lhe pode comparar. Amália, ao contrário dos seus pares, como o Sinatra, a Callas ou Gardel, foi a única que partiu de um género musical e brilhou em todos os outros que experimentou.

Nascendo no Fado, virou-o do avesso e redefiniu as suas fronteiras, partiu para outras aventuras, foi aplaudida como uma grande cantora de Flamenco, no México consideram-na como uma das maiores interpretes de Rancheras, embora ao de leve apropriou-se do Songbook americano, arrastou multidões em França e Itália com um reportório Pop cantando em línguas que não eram a sua.

Amália é um caso único entre os grandes, por muito importantes e geniais que sejam as obras de Agustina, de Vieira da Silva, de Manoel de Oliveira, ninguém chegou tão longe como a voz de Amália.

A decisão de propor a voz de Amália como “Memória do Mundo” é muito avisada. É certo que Eusébio e Cristiano Ronaldo estão apenas afastados por 3 gerações e que as estatísticas existem para serem contrariadas mas, num mundo de 7 biliões, não é natural que surja, entre nós, uma voz como a de Amália nos próximos 1000 anos.

Francisco Vasconcelos

 

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