A 5 de abril de 2013, o Atelier-Museu Júlio Pomar abriu as suas portas pela primeira vez, com uma exposição intitulada «Em Torno do Acervo». Tratava-se, na altura, de dar a conhecer ao público a missão do AMJP, as suas linhas de
trabalho, os seus principais núcleos de obras e de descobrir as relações possíveis de estabelecer com outras entidades artísticas. Era ainda o tempo de conhecer o acervo e o próprio espaço, as suas hipóteses, potencialidades e constrangimentos.
Em 2020, durante a pandemia, e refletindo sobre o trabalho até então realizado, foi inaugurada a exposição «Em torno do Acervo II». Celebrando agora o seu 10.o aniversário, o Atelier-Museu Júlio Pomar volta a partilhar com o público os núcleos fundamentais do seu acervo, entretanto enriquecidos com outras obras e novos conhecimentos.
Em 2023, o Atelier-Museu Júlio Pomar celebra 10 anos de abertura e de atividade no tecido cultural português. Criando condições de estudo e mantendo a obra de Júlio Pomar (Lisboa, 1926 – 2018) numa constante proximidade com o
público, através de um variado programa de exposições – individuais ou coletivas, com artistas contemporâneos de diferentes gerações –, o AMJP promove e possibilita a descoberta, a redescoberta, a validação e a reinterpretação do trabalho de um artista que marcou a História da Arte portuguesa.
Ao longo desta década, o AMJP fez também investimentos vários, nomeadamente em relação ao seu acervo, adquirindo novas obras e recebendo, em doação, por parte da Fundação Júlio Pomar e dos herdeiros do artista, um número
significativo de peças que enriqueceram as possibilidades de trabalho e de autonomia.
A exposição Júlio Pomar. 10 anos de Museu permite conhecer ou revisitar algumas das obras e séries de trabalhos de Pomar que fazem parte da coleção do AMJP. Há ainda peças que são aqui expostas pela primeira vez. Pertencentes ao depósito da Fundação Júlio Pomar no AMJP, estas curiosidades incluem um pouco expectável Portemanteau, obra de 2004 que o público poderá descobrir e mesmo utilizar.
Em Júlio Pomar. 10 anos de Museu destaca-se, pela sua atualidade, o conjunto de estudos e documentos alusivos às pinturas murais que Júlio Pomar fez no Cinema Batalha, no Porto. Iniciadas em 1946, quando Pomar tinha apenas 20 anos, só ficaram terminadas no final de 1947, pois o artista foi, entretanto, detido pela PIDE. Julgadas perdidas para sempre, acabaram por ser descobertas e recuperadas em 2022, depois de eliminadas as sete camadas de tinta que as cobriam, entre elas a da censura que, em 1948, havia decidido ocultá-las para sempre.
Surpreendente pelo seu caracter disruptor e plástico, outro dos núcleos expostos inclui retratos e autorretratos, um género que o artista nunca deixou de praticar pelo desafio que o rosto e a devolução do olhar continuamente envolvem.
Complementando este núcleo, surge um inédito conjunto de retratos do próprio Pomar, feitos por amigos como Menez, Luísa Correia Pereira, Eduardo Luís ou Álvaro Siza Vieira. De salientar, ainda, um bestiário, de animais mais e menos estranhos, que transporta em si o caracter irónico e desafiador das convenções, característico do trabalho de Pomar.
Nesta nova abordagem em torno da coleção, não ficaram de fora peças diversas que se relacionam ou partem de obras literárias, que sempre constituíram uma fonte de inquietação e exploração para Pomar. Neste grupo, encontram-se duas das maiores e mais significativas telas do acervo do AMJP – Cartilha do Marialva e Navio Negreiro – que espelham temas caros a Pomar, mas, sobretudo, materializam os processos do trabalho e das metodologias que o artista desenvolvia frente às telas, num corpo a corpo de idas e voltas, recuos e avanços, camadas e sobreposições de tintas, planos e instrumentos diversos, originando ecrãs de cores e formas. A reiterar esta dimensão de processo e transformação, a Fundação Júlio Pomar refere que, por debaixo destas duas pinturas, sob as primeiras camadas de tinta, existiram temas de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, obra amplamente explorada por Júlio Pomar.
Extensas e diversas, mas principalmente prolíficas, foram também as suas abordagens ao erotismo. Nas obras agora expostas, percebe-se como Pomar funde corpos e objetos estranhos, numa experiência absolutamente inovadora no seu percurso, que deixa de lado géneros, posições de força ou a natureza das relações: feminino e masculino, presa ou predador, corpo humano e fera, em uníssono, lançados numa mesma dança e num só tempo.
A produção de conteúdos – a partir do estudo das obras e do espólio documental do artista depositado no AMJP, da contextualização e da sistematização da coleção – foi, desde sempre, uma vertente fundamental do AMJP. Também por isso, os documentos não podiam faltar nesta exposição. Em duas vitrines, são mostradas algumas fotografias de Pomar em momentos importantes da sua carreira e outros testemunhos, entre eles documentos relativos à censura exercida sobre os artistas e, particularmente, sobre Pomar, durante o seu período neorrealista Preservar, conservar e trabalhar o legado artístico e intelectual de Júlio Pomar e rever, através dele, narrativas eventualmente mais cristalizadas faz parte, desde sempre, da missão do AMJP. Manter próxima dos públicos a obra do artista, cuja vida durou quase um século, é uma forma de lhes permitir, também, aprender com ele sobre arte, sociedade, política, história, resistência, luta, amor, entre outros domínios da vida. Em momentos de abalo das certezas, é importante e pode ser reconfortante ouvir histórias e saberes a partir de outras perspetivas.
A inauguração de Júlio Pomar. 10 anos de Museu contará com um momento de fados, por Aldina Duarte, numa coprodução com o Museu do Fado.
Júlio Pomar. 10 anos de Museu terá um programa complementar que inclui o lançamento de livros, debates, performances e um programa de visitas orientadas, a anunciar em breve. Inserido na programação adicional de Júlio Pomar. 10 anos de Museu, decorre a 15 de julho, pelas 17h00, o lançamento de «Júlio Pomar. Depois do Novo Realismo», de Alexandre Pomar, editado pela Guerra e Paz com o apoio do Atelier-Museu Júlio Pomar e da EGEAC. O livro reúne os estudos que o filho do pintor tem vindo a escrever sobre o pai e o seu tempo e as suas propostas confrontam – quase sempre – as versões académicas tradicionais. Raquel Henriques da Silva e Diogo Ramada Curto estarão ao lado do autor num debate sobre a obra.
Fonte: egeac.pt