Jacques Rozier

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Jacques Rozier é um dos grandes autores do cinema contemporâneo, mas também um dos mais secretos. Em cerca de três dezenas de filmes de curta e longa-metragem, filmou um punhado de longas-metragens de acção fulcrais numa obra que marca a História do cinema a partir de finais dos anos cinquenta (Rentrée des classes, 1955, e Blue jeans, 1958, de que o então jovem crítico Jean-Luc Godard foi um dos acérrimos defensores), mas cuja raridade intrínseca permanece paradoxalmente rara. Reconhecida pela sua importância, esplendorosamente afrimada em Adieu
Phlippine
(1962), que se tornou um dos títulos icónicos da Nouvelle Vague e certamente o mais divulgado dos seus filmes, é ainda uma obra desconhecida. É também uma obra mais prolífera e variada do que a ideia feita que circunscreve o cineasta francês às suas longas-metragens, como a importante retrospectiva organizada em 2001 no Centro Pompidou tornou claro, fazendo prova da sua amplitude.

A aventura das suas produções e trajectórias complicadas de difusão contribuíram para a intermitência da visibilidade da obra de
Jacques Rozier. Em Portugal, nenhum dos seus filmes estreou, e mesmo em França nem todos chegaram à distribuição, casos de
Les naufragés de l’île de la tortue (1976) e Fif martingale (2001). Entre Adieu Phlippine e a segunda longa-metragem de fcção, Du
côté d’orouët
(1969) passam seis anos; entre este e Les naufragés, sete; Maine océan é de 1985, acentuando-se o intervalo de tempo
no salto de doze anos que decorre até
Fif martingale, depois do qual Rozier filmou trabalhos que permanecem inéditos, de que é
exemplo
L’opéra du roi. Estas datas estão, no entanto, longe de circunscrever a obra, aberta à pluralidade das suas inspirações e
à diversidade dos seus registos cinematográficos.

A energia e singularidade criativas de Jacques Rozier produziram uma série de outros títulos ao longo de todo este período, assinalando-se, entre os trabalhos realizados para televisão ou no contexto de emissões históricas da televisão francesa, Jean Vigo
(1964, filme da série “
Cinéastes de Notre Temps” de Janine Bazin e André S. Labarthe) ou Jeanne Moreau (1972, da série Vive
le Cinéma
, da mesma dupla); dois números de 1965 da emissão Ni Figue ni Raisin em que se aproxima da “comédia musical”, com
Anna Karina (no 5) ou Dalida (no 8);
Lettre de la sierra Morena (1983, inicialmente concebido para a série Cinéma Cinémas– Lettres de Cinéastes) ou Comment devenir cinéaste sans se prendre la tête (1995, resultante de uma encomenda da Arte), em que, avesso à biografa, Rozier responde às avessas, e pela acção, à proposta de uma incursão biográfica pela sua formação cinematográfca no
IDHEC, onde estudou nos anos quarenta.

Obstinadamente livre, Jacques Rozier é um realizador de filmes de matriz livre que respiram a liberdade do seu entendimento do
cinema, umbilicalmente ligado à mise-en-scène e a um andamento musical, feito de um apurado sentido da combinação de imagens
e sons, diálogos, canções, actores, personagens, paisagens, os exteriores, o estúdio, a ligeireza e a gravidade narrativa, uma lógica de duração intrínseca aos planos e sequências. Exprimindo-os, o movimento das personagens segue recorrentemente em direcção a situações e lugares que, em férias ou em viagem, as retiram do quotidiano sem que a brutalidade da realidade se eclipse no
horizonte, como, no caso de
Adieu Philippine (rodado no Verão de 1960), a guerra da Argélia. A evasão e as digressões narrativas
são inauguradas no percurso do pequeno protagonista de Rentrée des classes. A presença do mar e da água atravessa boa parte dos seus filmes, por outro lado atentos aos bastidores dos holofotes (veja-se o díptico Paparazzi / Le parti des choses: Bardot / GODARD, de 1963, filmado durante a rodagem de Le mépris de Godard), mas também dos palcos (como em Fif Martingale). Cineasta visceralmente independente, Jacques Rozier
faz da inteligência, da sensibilidade, do sentido de humor, a matéria que os seus filmes trabalham com rigor e fulgurância.

À data de hoje, a situação patrimonial da obra de Jacques Rozier, cuja preservação e restauro está em curso, não permite apresentar a totalidade dos filmes programados nas condições de excelência que todos eles merecem e respeitando os seus formatos originais. A retrospectiva que corresponde, no entanto, ao desejo veemente de dar visibilidade aqui e agora a esta obra a vários títulos extraordinária. Jacques Rozier virá a Lisboa em datas a anunciar. A retrospectiva conta com a apresentação de um importante
lote de filmes inéditos em Portugal e de raras exibições públicas absolutas.

Por:CINEMATECA PORTUGUESA

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