“Não se afoga o que é mais profundo
E há tanta vida no fundo do mar
Por muito grande que seja o mundo
Ninguém ocupa o teu lugar.”
“Imagina”
Após o muito aclamado disco “Filipe Sambado e os Acompanhantes de Luxo”, “Revezo” é a nova etapa na carreira de um dos mais interessantes músicos portugueses da actualidade. A sua música ousa unir o folclore ao rock de um modo original, pouco habitual e com grande qualidade. Falámos com Filipe Sambado sobre este disco e a sua arte, bem como de tantas outras coisas, como o campo e a cidade, a música de intervenção e as suas causas de hoje ou a internacionalização da música portuguesa.
O teu novo disco tem o nome “Revezo”, podes dizer-nos o porquê deste nome?
Pelo seu significado e pela forma como soa. Acho que é uma palavra mesmo bonita, está muito equilibrada entre consoantes e vogais e termina muito elegantemente com um “z” que fica muito suave. É uma palavra que eu acho bonita enquanto palavra e tem um significado que vai ao encontro daquilo que é a transversalidade do disco no seu todo.
Qual é o significado, para quem não saiba?
O revezo é uma prática agrícola que consiste em ir fazendo uma rotação no terreno, em que nós temos uma parte do pasto a crescer e outra parte está a ser pasto do gado e depois, quando o pasto já está crescido, troca-se o gado para ali e a parte que foi consumida pelo gado passa a crescer. Essa ideia de rotação, de ter coisas em descanso, de não podermos usufruir de tudo ao mesmo tempo, de as coisas terem o seu espaço, fez-me muito sentido enquanto imagem com uma ideia meio utópica de casa e família com o trabalho, todo esse aspecto da rotação.
Como é que descreverias este disco?
Como é que eu descrevo… Este disco foi um período de metas e descobri que a meta mais importante que existia para mim era a necessidade que tinha de respirar e assimilar as coisas que ia adquirindo. A ideia pendular de trabalho e casa, foi uma coisa que foi surgindo de uma forma relativamente sistemática nas letras do disco. Fui-me apercebendo disso à medida que as canções iam aparecendo, ia havendo sempre um lugar que eu podia definir como casa. Não estando a falar directamente nisso, mas havia sempre um sítio qualquer, uma luz ao fundo do túnel, qualquer coisa assim, que me criava sempre a imagem de casa e de família como solução. Percebi, também, que essa ideia de família é maior do que a família nuclear, às vezes pode ter a ver só com familiaridade do espaço: o voltar do trabalho e chegar à zona do sítio onde moras, a um sítio que gostas, o permitires-te ir beber um café descansado, sozinho ou acompanhado. É esse tipo de familiaridade que senti ao longo do disco, à excepção, se calhar, de um ou dois temas, porque são músicas feitas numa fase em que o disco já estava a ser entregue, a “Mais uma” e depois a “Gerbera”, que foi uma música feita de encomenda para o festival e acabou por ser introduzida. Em termos de temática, o disco acaba por ser muito sobre uma redescoberta de pacificação, do excesso de efervescência que eu estava a viver antes, da tentativa de aproveitamento de todos os tempinhos.
Este disco parece um contraponto entre campo e cidade. Eu acho que não existe limite de campo e cidade, na verdade, mas partindo do princípio que ele existe, este será um disco menos urbano em relação ao anterior? Sinto que há um toque urbano, mas há muito mais o buscar das raízes, das sonoridades tradicionais portuguesas.
No fundo o que estás a dizer quase que me leva a entender que Lisboa é mais internacional que o resto do país no sentido em que, se eu for para o campo estou mais em contacto com a tradição e com esse lado mais folclórico e em Lisboa não tanto. O que eu sinto, acima de tudo, é que o disco, sendo um disco de Lisboa, porque foi feito cá e foi totalmente processado aqui, não tem de todo esta velocidade, isso não tem, porque estou sempre a tentar narrar o oposto disso, estou sempre a tentar narrar a tentativa de não ficar agrilhoado, de não me sentir agrilhoado a essa velocidade, de sentir o contrário.
Puxar para um tempo mais lento.
Mais lento, sim, e eu sinto que ele tem um lado mais próximo ao campo, a fugir do centro, eu sinto isso no disco, porque esse apaziguamento está mais ligado à descentralização.
E a outro tempo?
Exactamente. Mas, na verdade, o exercício é tentar perceber de que forma é que em casa se consegue encontrar esse sítio idílico também.
No fundo, criares o teu campo dentro da cidade.
Sim, essa ideia da esplanada, de poder estar descansado, beber o cafezinho.
A ideia de bairro que se vai perdendo em Lisboa cada vez mais, mas se vai mantendo em alguns cantinhos.
É totalmente isso, é totalmente isso. Estou completamente de acordo, acho que é muito por aí.
Até porque, a sonoridade é quase um rural-urbano ou urbano-rural, é uma fusão muito interessante de estilos porque consegues ir buscar muita coisa de folclore – ou até detalhes na parte estética, como no videoclip da “Jóia da Rotina”, que tem uma mistura de folclore com uma coisa completamente moderna – e é essa mistura que não é muitas vezes conseguida cá em Portugal. Quer dizer, tens o Variações que fez um bocadinho isso, mas não é muito fácil, até porque o folclore é muitas vezes desprezado pela urbanidade.
Tenho estado a falar sobre este assunto, porque também tem sido um assunto bastante recorrente nas entrevistas, naturalmente porque é um dos aspectos mais marcantes do disco, por isso é natural que se tenha vindo a falar muito. Já tenho visto muita gente a fazer muito bem este trabalho, como o caso do B Fachada, mas sinto que houve um período em que se tenta cortar com isso, em que se renega um bocado toda a ligação com a música que se fez nesse tempo, até porque o período de resistência, de certa forma, acabou e a canção de protesto ganha uma dimensão diferente, os próprios cantores de canção de protesto passam a fazer também eles canções um bocado diferentes, mantendo a sua estética, passam a fazê-lo de outra forma e depois acaba por surgir todo aquele movimento do punk e do rock, nos anos 80, que tem uma necessidade muito grande…
…de ser internacional…
…sim, e de acabar com aquilo. Nós vivemos isto e continuamos a viver, esta proximidade com o anglo-saxónico que continua a ser uma coisa muito vincada. Naturalmente, cada vez que um artista português, um músico, tenta fazer um disco mais ligado com o seu espaço geográfico, tentando percorrer um lado mais tradicional, fica automaticamente conotado com os últimos que o fizeram, daí teres falado no Variações, que foi dos poucos daquela altura que o fez, se calhar, além da Sétima Legião.
Os Heróis do Mar.
Sim, mas de outra forma.
Os Madredeus, que não é pop, mas uma versão mais especifica e própria deles.
Exacto, mas eu senti esta necessidade a partir de dada altura, quando já estava a querer assumir a minha pesquisa, aquela pesquisa que fazia, de certa forma, por gosto, de ir percorrendo com cuidado a obra do Zeca. Isso já era uma coisa que fazia com naturalidade e depois comecei a sentir, quando comecei a fazer a parte da produção do disco, não tanto nas canções, comecei a perceber que eu próprio estava a pender para aí e comecei a afunilar as minhas escutas, aquilo que ouvia, e comecei a dizer: “Então, se estamos a fazer um disco assim, vamos ter o cuidado, durante este tempo, de ouvir esta música com mais cuidado”. E foi, sem dúvida, o “Por este rio acima”, do Fausto, e a obra do Zeca, de uma forma mais geral, o Zé Mário, pontualmente, é um artista de quem eu ouço mais canções, se bem que ele não tem uma discografia tão ampla, o GAC também, algumas coisas do Adriano, mas eu acho que acima de tudo é o Zeca e o “Por este rio acima”.
Falas de música de intervenção e é curioso que eu acho que a tua música é muito música de intervenção do século XXI, quer o álbum anterior, quer este. Não é simplesmente um álbum de letras bonitas, acho que tens uma mensagem que está lá e que no outro estava, talvez, de forma mais forte ainda do que neste, mas que nos dois, estás a fazer música de intervenção à tua maneira, com as causas que são de agora e não obviamente as do Zeca nem as do Fausto, felizmente.
Sim, ainda bem.
Ainda bem para nós todos que não são as mesmas, mas continua a haver motivos para que façamos intervenção. O teu último álbum era muito forte nisso e não sei se te sentes um músico de “intervenção”, não pondo isto num armário, numa gaveta fechada, mas além de músico, também um músico de intervenção.
Eu aceito de bom grado uma série de catalogações, porque da mesma forma que, muitas vezes, possam ser exageradas ou pouco pertinentes, acho que desde que não sejam ofensivas vou aceitando e como muitas destas catalogações se aproximam a ideias de luta, de protesto, lá está, normalmente sinto-me confortável com isso, seja uma catalogação mais queer, seja com a própria formalidade do protesto. No fundo sou antirracista e elevo a bandeira queer, mesmo não sendo homossexual, não preciso de o ser, são coisas em que acredito e faço questão de vincar como importantes, porque são selos da liberdade, são coisas muito importantes, portanto quando me aproximam desse tipo de sugestões formais, aceito-as de bom grado porque não há como não.
O movimento queer na música portuguesa é ainda algo incipiente. No Brasil, por exemplo, esse movimento é fortíssimo, é um dos grandes movimentos de música popular brasileira, desde Linn da Quebrada a Johnny Hooker. Cá não é tão forte, ou seja, para já não há um movimento organizado que se identifique como tal.
Cá temos a Mina, que tem feito coisas muito interessantes e organiza umas festas queer que são super orgânicas. Dentro da música mais punk tens o Vaiapraia, que narra todas as suas experiências como se fossem um diário, desde as suas idas à sauna até os seus cruisings no parque de estacionamento do Técnico, é uma pessoa que está completamente aberta na descrição de toda a sua vida emocional e sexual e, ele sim, é um herói do movimento. A Aurora que se tem mostrado, também, como uma artista transexual super forte, a própria Odete, também uma artista transexual. Está a haver um movimento queer super interessante, com a voz deles, que é muito mais importante nesse sentido, pois são estas pessoas que devem falar, de facto, sobre os seus problemas. Eu, na minha perspectiva, aquilo que posso fazer é alertar para as coisas que condeno e o que condeno é, acima de tudo, a intolerância.
Se queres que te diga, até acho que a tua perspectiva é mais forte, precisamente por não seres gay, ou seja, acho que ainda soa mais forte vindo de uma pessoa que se assume como queer, não sendo gay. Tem um peso ainda maior, até por dissociar um bocadinho essa coisa de queer ser necessariamente gay.
Acho que são dois posicionamentos. Porque queer não é gay, é só livre.
Mas muitas vezes é o rótulo que se põe.
Sim, sim. Porque acima de tudo tem a ver com assumir estas lutas de forma interseccional. Isto é tudo junto, tal como em Inglaterra eram as lutas homossexuais e as greves mineiras. Uma coisa que é importantíssimo percebermos é que todos juntos somos muito mais fortes nesse sentido, e o que eu quero dizer é que estas pessoas estão a ocupar o seu lugar de fala e isso é muito importante. O que pretendo é ter um trabalho consciente e saber apontar o dedo sem ser panfletário, sem parecer que só estou a gritar palavras de ordem e a ser um bocado populista, este é que é o lado que eu acho importante. O que decidi fazer neste disco, e que me apercebi que foi acontecendo, é que, de certa forma, vou fazendo críticas, críticas ao capital, mas assumo sempre a posição de quem está privilegiado a dizer isto, que é para não parecer que estou a ser queixinhas, e por isso é que este disco às vezes pode soar menos…
Mais suave se calhar…
Sim, mais suave.
Mais subtil na forma como fazes a crítica.
Acho mais intricado. Acho que no outro disco tenho músicas, por exemplo, a “Indumentária” ou a “Deixem lá”, em que as palavras são muito fáceis, são muito directas, não há muito espaço. “Indumentária” é das músicas, provavelmente de todas que escrevi, em que eu estou menos preocupado com a poesia e só estou preocupado em que seja preto no branco, completamente duro e directo. Também me interessa, muitas vezes, tentar chegar lá de outra forma. Sinto que este disco é muito mais consciente do que o outro, que era mais urgente, mais fervoroso. As escolhas na forma como abordo o que vou dizer acho que têm esse cuidado mais consciente.
O próprio som do outro é mais urgente do que este, muito mais forte musicalmente, este é mais subtil, se calhar mais complexo, mas mais subtil.
Sim, por isso é que também houve essa opção neste disco.
A parte instrumental é mais elaborada.
Sim, e com mais madeira. Isso é uma coisa que acaba por ter a ver com o que há bocado estávamos a falar, da ligação ao campo, o disco tem uma sonoridade de madeira, com a ausência de elementos de ferro, em que quase não há instrumentos metálicos, não há pratos, é quase tudo ou castanholas ou tambores, é tudo à base da madeira e a flauta assume um papel muito preponderante. O que eu decidi fazer com este disco foi elevar a função da voz, daí também a opção estética de limpá-lo muito mais do que os anteriores.
A voz está mais presente, “impõe-se” mais aos instrumentos.
Também por perceber que há certas letras do disco que precisam desse espaço. Sinto que no geral a maior parte das pessoas, porque eu também o faço, ouvem uma música e só passado não sei quantas audições é que começam a ligar à letra. Primeiro há o contágio musical e a seguir vão à letra. Assim, quis dar espaço à voz, e neste disco assumo que a voz é o condutor melódico, maior do que os próprios instrumentos. No outro disco, “Deixem lá” começa com uma linha de guitarra e de teclado que é tão cantarolável quanto a voz a seguir, portanto é um elemento que compete. Aqui, é raro dar esse espaço aos outros instrumentos, a voz é que comanda a melodia. E deu-me muito prazer fazer isso.
Como é que vai ser este disco em palco, comparando com o disco anterior que era mais rock. Vais ter a mesma banda?
O que eu vou apresentar vai ser com a flauta, que é a Violeta que vai tocar, vou ter a Primeira Dama nas teclas e nas vozes, o João Pratas nos backing tracks para apoiar os beats e o Chinaskee a acrescentar mais percussões. Isto é a formação mais pequena. Também hei-de dar vários concertos a solo e vários concertos só com a flauta, mas a formação de banda vai ser esta. Se a coisa correr bem a nível de cachets, vou voltar a reintegrar os outros dois elementos.
Os Acompanhantes de Luxo?
Os outros dois elementos dos Acompanhantes de Luxo que estão em falta nesta formação – porque mantém-se a Primeira Dama e o Chinaskee – o baixista (C de Croché) e o guitarrista (Alexandre Rendeiro).
Vai ser um espectáculo muito cénico? Tu em palco és muito cénico e tens uma força especial. Tens muito cuidado com isso?
Tenho sempre esse desejo e, basicamente, ele não acontece assim tantas vezes porque os formatos que nós temos vendido normalmente não permitem. A verdade é que continuo a ter cachets relativamente baixos, especialmente quando faço uma formação em banda. Não consigo pensar num cenário ou momentos de espectáculo para acontecerem coisas. Aquilo que quero agora fazer, com o crescer dos concertos, que me permitirá também libertar da função da guitarra, é exactamente criar isso. Se esta situação de cachets melhorar, que eu acho que vai nesse sentido, tenho mesmo intenção de tentar fazer do concerto cada vez mais um espectáculo. É uma preocupação minha e já fiz isso, muito pontualmente.
Fizeste no Elétrico (concerto Antena3), onde tiveste a Aurora.
Sim, a Aurora. E fiz um concerto que gostei muito de fazer, na ZDB, antes de “Os Acompanhantes de Luxo” sair, e apresentei o disco todo à guitarra e voz, todo nu, no canto da sala, toquei o concerto integralmente só com músicas novas de costas para o público e todo nu, junto à janela do aquário. Ah! E com um manequim que tinha as minhas roupas vestidas. Este tipo de premissa interessa-me imenso explorar. Mas tem mesmo que ser uma coisa que dê para fazer, porque nós como banda normalmente chegamos aos sítios, tipo festivais, e a coisa está toda a correr, marcada, delineada por momentos de trocas.
Não tens espaço sequer para fazer nada, tens amplificadores da banda que saiu e da que vem a seguir.
Exacto. Se vamos fazer um concerto num espaço mais pequeno, se calhar não há tanto dinheiro para levar um técnico de luz, para ter um cuidado mais particular, montar um pormenor de cenário. Só conseguindo crescer um bocado para formatos maiores e concertos de auditório é que será possível começar a recriar uma ideia cénica mais evoluída. Se bem que continuo a ter o gosto de me vestir de uma forma que eleve também o espectáculo.
Como é que passas da Maternidade, uma das editoras alternativas de Lisboa, para o Festival da Canção? Uma coisa que há cinco anos era impensável, alguém da Maternidade, ou de qualquer outra editora alternativa, ir ao festival.
Hesitei. Hesitei muito. O Galopim tem feito uma escolha bastante ecléctica, não só no lado mais alternativo, mas também no lado pop ou mais consagrado. Ele tem tentado fazer convites interessantes. Eu acabei por ser um dos escolhidos. Acho que, de certa forma, pelo percurso que tem acontecido, ia acabar por ser inevitável. Mas faz-me muita confusão este tipo de conceito de concurso. O próprio fenómeno criado à volta e a forma como as pessoas se comportam, assusta-me bastante. Tive de medir os prós e contras e uma das razões que me fez querer ir, foi ter decidido que indo poderia dizer alguma coisa sobre o festival também. Então, tentei escrever uma canção que fosse ao encontro desse comportamento social, que no festival da canção funciona quase como um caso de estudo, em que as pessoas começam num turbilhão de validação das suas opiniões, do valor que têm de si próprias, e passam o tempo todo a querer validar aquilo que acham de cada artista, tal como fazem sobre qualquer temática. A letra acaba por ser sobre isso, a necessidade que as pessoas têm de dar a sua opinião e de, muitas vezes, secarem tudo aquilo que têm à sua volta. É um bocado sobre isso.
Achas que a internacionalização da música portuguesa é possível? E a questão da língua, sendo que até agora, quase todos os músicos que o conseguiram o fizeram a cantar em português.
Se nós continuarmos a tentar levar música que é de outro país que não o nosso para fora, acho que normalmente os países vão tender a preferir o cantado em Inglês ou cantado na sua língua, porque também se faz lá. Se os Tame Impala portugueses forem tocar à Grécia, a Grécia vai preferir os Tame Impala gregos e os originais australianos, não é?
Agora, como é que nós internacionalizamos a nossa música? Não há um movimento nem um interesse muito grande em fazer uma internacionalização. Para já, porque sai um bocado caro, tem que ser um investimento grande. O próprio país tem que o fazer, tem que ser uma coisa com apoio governamental, mais do que aquilo que está a ser feito pelo João Gil, que passou a ter a cargo a exportação da nossa música, mas literalmente não faz nada.
Pois, por acaso nem sabia sequer que havia esse cargo.
Exacto, não se faz literalmente nada com aquilo. Também não sei quanto dinheiro é que ele receberá para fazer aquilo, não é? Porque um trabalho de exportação de uma cultura não é pôr um músico a tocar lá fora, nem dois, nem três, é, de facto, criar uma rede de contactos que permita chegar a uma série de sítios, e tem de haver um investimento para depois haver um retorno de alguma forma.
Lembro-me do Brasil, porque apesar das diferenças no português é um mercado gigante e chega cá com uma facilidade imensa, desde o mais mainstream ao mais alternativo, de Ivete Sangalo a Liniker.
Mas eles têm muita política de exportação.
E têm o seu público aqui, mas não tem havido um movimento contrário. Com honrosas excepções, o António Zambujo, a Carminho, talvez os Capitão Fausto.
Nós temos, agora, alguns festivais que estão a tentar fazer isso, como o MIMO e o MIL. No Brasil há, realmente, um investimento grande, lembro-me por exemplo dos Boogarins e de outras bandas que vieram cá e eram investimentos do Estado. Eles podem fazer, como faz, por exemplo, agora a GDA, que dá um apoio de tournée, mas é um apoio em que tu tens de ter a tournée toda marcada e totalmente adquirida.
O que é difícil?
Sim, e mesmo que nós consigamos um concerto, não conseguimos uma força de comunicação que seja significativa. Eu posso ir à Bélgica dar dois concertos, mas se ninguém na Bélgica souber que eu lá vou é um bocado indiferente.
Não adianta muito, quer dizer, deste os concertos, recebeste pelos concertos e pronto.
Sim, e isso não é uma internacionalização, é ir tocar lá fora.
As minhas perguntas devem-se a achar que o teu som é muito português, especialmente o deste álbum, que eu via com potencial de internacionalização.
Percebe-se que é de um sítio.
Percebe que é de um sítio diferente, “não é de Londres, não é do Rio de Janeiro”.
Exacto.
Pode haver essa curiosidade extra de perceber o que é que aquilo é.
E isso foi, de facto, uma preocupação muito grande que tive.
E acho que é muito o que os brasileiros conseguem em quase todos os estilos de música, que aquilo seja brasileiro, pelo swing com que cantam, seja até em rock.
Sim, o próprio Jazz tornou-se numa bossa…
e agora com o funk de favela…
E que conseguem influenciar depois toda a música actual do mundo inteiro, o funk brasileiro acaba por ser responsável pela própria renovação do reggaeton no resto do mundo. Em Espanha nota-se muito também essa influência do funk brasileiro.
Não deixa de ser curioso, o reggaeton e o funk a tomarem conta do mundo. Afinal, isto não tem necessariamente de ser anglo-saxónico.
Não, não tem.
É como veres uma Rosalía nos Grammys.
E não é nos Grammys latinos.
Exatamente, não é nos latinos.
Não é na candonga. (risos)
Não, é nos Grammys sérios ao lado de todas as estrelas pop. É impressionante e há uns anos não era possível.
Exactamente.
Esperemos que a música portuguesa um dia possa lá chegar.
Para terminar, deixa-me dizer-te que gostei muito do disco. Está muito bom, mesmo.
Obrigado.