BEM-VINDAS INCERTEZAS…

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O tempo de distanciamento social obrigatório nos favoreceu preciosas reflexões.

E nos parece oportuno que, assim, procedamos, com leveza tão urgente que alivie a alma.

As angústias e ansiedades por respostas, mais do que imediatas, nos têm atingido de tal forma que foi preciso deter-nos em pensamentos mais profundos do que meramente fazemos.

Para alguns, foi muito difícil ficar “só consigo mesmo”. Para outros, contudo, o regresso àquilo que costumávamos chamar de normalidade mais parece uma distopia.

Afinal, de que normalidade estamos a falar, não é mesmo?

Será que queremos um futuro tal qual era nosso presente, meses atrás?

Parece, também, que paira pelo ar uma atitude recorrente de elaborar sobre e tratar o futuro como um estoque de tempo à espera.

Agindo assim, sugere que boa parte da humanidade queira o futuro como um caminho idealizado, pronto, esgotado de si, dado e concreto, que está à espreita de nós e daquilo que realizarmos, hoje. Será?

Muita gente bem esclarecida ainda quer o futuro como um brinquedo Lego, acreditando ser possível planejar tudo que há, esquecendo-se da linda e louca revelia da vida e de sua força que nos avassala, literalmente.

E a vida, como tem-se percebido, não faz muito esforço para provar-nos a cada segundo que, dela, entendemos muito pouco.

Por outro lado, é possível que boa parte da história que compartilhamos esteja sendo escrita sob o viés do consumo, digo, do consumo de nós mesmos, do que fazemos e do tempo.

E ao consumir, consumamos, damos por completa a tarefa e seguimos por onde a avidez indicar. Sendo assim, parecemos viver na busca de dar por concluídas teses, poesias, canções e fases da vida…

Confesso que passei a preferir ter perspectivas a ter conclusões. Lembro bem, antes da Pandemia, que dizíamos não ter tempo para nada nem ninguém, fartos de tanta coisa a inundar a cabeça. Declarávamos ansiosos por estar em casa.

Veio à Pandemia, ela ainda se encontra por aí, e seguimos dizendo não ter tempo, engalfinhados que estamos com as procrastinações e insucessos, além de ocupar-nos previamente do devir. Que mania humana é esta de querer antecipar as coisas, não é mesmo?

Bastaria, quem sabe, exercitar o existir e aprender a viver o hoje enquanto ele se revela surpreendentemente imprevisível, com toda a boniteza e magia de uma solitária bolha de sabão.

 

Penso, humildemente, que enquanto nos lemos, este tempo, mais que tudo, se permite como um convite ao questionamento e à companhia da dúvida. Explico-me.

O que resume, dentro do possível, nossa experiência de conhecer é o ato, comum e inexorável, de questionar. A certeza, por sua vez, parece uma ilusão, porquanto é efêmera. Seria cauteloso e providencial ter medo da certeza, não da dúvida. Vivemos na companhia da pergunta, não na solidão da resposta.

Outra observação com a qual este tempo especialmente corrobora é a de que não existe um mundo senão aquele que construímos com os demais. Emergem disso as diferenças e as contemplações do acontecer do outro, diante de uma rede intrincada de interconexões que se confundem e transitam uma pela outra, possivelmente, uma através da outra.

Assim são a cultura, a língua e a arte, para exemplificar. E o que são elas sem o outro?

De que futuro falamos senão de um tempo que ainda não existe, banhado em hipóteses, esperanças e ilusões, mas que poderá ser tão mais belo e melhor, mediante o rosto diverso que o hoje nos revele?

Parece que este fenômeno global, mais que os anteriores, fez-nos aceitar que não temos todas as respostas e que a pedra jogada no lago, realmente, afeta muito mais do que apenas o lugar onde cai. A pandemia incluiu a incerteza na agenda do dia, como algo que teremos que encarar com boa vontade, bom senso e, porque não dizer, com alegria.

Qual o problema de responder a todas as perguntas com outras perguntas? Somente as pessoas realmente humildes não precisam de certezas axiomáticas.

Poderemos hesitar em decidir pelo caminho ‘a’ ou ‘b’ em algum momento da trajetória, porém, não hesitaremos em questionar-nos, em colocar-nos à prova da dúvida, em verificar a capacidade de acreditar no improvável.

Os caminhos que iremos trilhar, possivelmente nos levem a encontrar, nos lugares mais impensáveis, as melhores pessoas. E é de melhores pessoas que o mundo está à espera e a necessitar.

Sozinhos não construímos mundo algum, nem no hoje nem no que há de vir. E virá.

 

Por Therbio Felipe

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