A Alquimia nos primórdios do conhecimento científico

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Na história do conhecimento que conduziu à mineralogia, no sentido de uma verdadeira ciência, há que dar o devido destaque à alquimia, trazida pelos árabes, seus cultores, sob a designação de “al kimia”. Surgida no extremo Oriente e chegada à Grécia através do Egipto, a alquimia teve, em Roma, a protecção de Calígula (12-41 dC), tendo-se espalhado, depois, pela Europa, incluindo, naturalmente, a Península Ibérica”.

Importada muito provavelmente da China, com base em lendas que falam sobre o seu uso há cerca de 6500 anos antes, a alquimia, igualmente conhecida entre indianos, babilónios e egípcios, foi uma importante corrente de pensamento e uma prática na Antiguidade helénica e romana. Sobreviveu graças às traduções levadas a efeito por eruditos árabes e judeus, o que permitiu a sua reaparição na Europa medieval.

Deixando a outros, com mais competência no conhecimento da História das civilizações orientais, a discussão sobre a origem da palavra “alquimia”, centremo-nos nos saberes nela praticados e desenvolvidos. Filosofia, astrologia, misticismo, religião e magia coabitaram com domínios do conhecimento que, não obstante muitos desvios fantasiosos, evoluíram para disciplinas científicas. No que se refere, por exemplo, aos primórdios da química e da metalurgia, os alquimistas tiveram de manipular e conhecer diversos minerais e, assim, também lhes devemos o pioneirismo na mineralogia.

Foi um tempo em que não se fazia distinção entre pedras e minerais (situação que, aliás, se manteve até ao século XVIII) e em que se começou a questionar os conhecimentos vindos do Liceu de Atenas. O “Livro das Pedras”, de Aristóteles (384-322 a. C.) ensinava que as pedras (leia–se os minerais) nasciam por influência de certas “exalações” e por efeito de “virtudes petrificantes” (leia-se mineralizadoras) originárias do céu e dos diversos corpos celestes, entre os quais, o Sol tinha papel de destaque.

Ficou na história o interesse dos alquimistas pela “pedra filosofal” (“lapis philosophorum”), tida por necessária à produção de ouro a partir de outros metais, como o cobre, o chumbo, o estanho, o ferro e outros, considerados inferiores. Outro histórico tema de interesse de muitos alquimistas foi a procura do “elixir da longa vida”, tido por uma panaceia universal que curaria todas as enfermidades e daria vida longa àqueles que o ingerissem. Há autores que defendem ter esta fantasiosa poção nascido quando Alexandre, o Grande, da Macedónia invadiu a Índia no ano 325 a. C. Segundo eles, este conquistador teria aí procurado a “fonte da juventude” e que essa ideia tenha migrado daí para a China. Segundo eles, terá sido aqui que se desenvolveu uma alquimia que se pensa estar ligada ao Budismo e que teria por principal objectivo descobrir o dito elixir, o mesmo que, ao que se julga, estaria relacionado com a fabricação do ouro.

Muito tempo antes, na Índia, uma corrente de pensamento próxima do hinduísmo, conhecida por filosofia védica, explanada em textos religiosos em sanscrito (conhecidos por Vedas, datados de 1500 a.C.), estabelecia o mesmo paralelo entre a imortalidade e a obtenção do ouro.

A um tempo no domínio das ideias e no da experimentação, a alquimia desenvolveu-se, depois, ao longo de séculos, na Mesopotâmia, no Egipto (com destaque para a cidade de Alexandria), no mundo islâmico, na Grécia, em Roma e, finalmente, no resto da Europa, especificamente, na Península Ibérica, através dos árabes, após a queda do Império Romano do Ocidente.

Muito se tem escrito sobre domínios da alquimia ligados à religião, ao misticismo e à magia, três aspectos associados à ideia de uma “Idade das Trevas”, expressão esta muitas vezes confundida com “Idade Média”. Trata-se de uma associação injusta que a História desmente, pois basta lembrar, entre muitos outros grandes mestres deste período, Avicena, Marbodus, Averrois, Tomás de Aquino, Alberto Magno, Roger Bacon, Buridan, Paracelso e as importantes obras que nos legaram.

Deixando de parte as actividades místicas, ocultas e fantasiosas dos alquimistas, é indesmentível o carácter precursor da alquimia na ciência experimental, nomeadamente, na mineralogia, mas também na química e na metalurgia, três domínios dos saberes científico e tecnológico que evoluíram interligados, manipulando diversas espécies minerais, no propósito de obter novas substâncias. Entre os procedimentos nascidos e desenvolvidos na prática alquímica e ainda em uso nos laboratórios do presente, contam-se o aquecimento à chama e em banho-maria, a destilação, a combustão e a evaporação.

Outras contribuições, não menos importantes destes estudiosos, incidiram nos campos da astronomia, da botânica e da medicina. Uns mais, outros menos, os alquimistas tiveram papel importante na construção do vasto e complexo edifício do conhecimento científico que temos ao nosso dispor. A obra que nos deixaram é, assim, algo que lhes devemos e muito.

Os alquimistas aceitavam que a matéria era composta pelos chamados quatro elementos ditos de Aristóteles (a água, o fogo, a terra e o ar), passíveis de serem afectados por outros tantos atributos (o húmido, o seco, o frio e o quente). Aceitavam que combinações destes elementos e destes atributos, nas mais diversas proporções, determinavam a natureza dos objectos e, por isso, acreditavam na transmutação.

O enxofre e o mercúrio, combinados no mineral cinábrio (sulfureto de mercúrio, de fórmula HgS) foram substâncias frequentes e importantes na manipulação alquímica. O enxofre era tido como o princípio masculino, fixo, activo, responsável pelas propriedades de combustão e corrosão dos metais. O mercúrio representava o princípio feminino, volátil, passivo.

Como foi norma na Idade Média, muitos alquimistas, mercê das investigações a que se dedicavam, correriam o risco de serem acusados de heresia e, como tal, serem perseguidos pelo Tribunal de Santo Ofício. Alguns deles foram julgados e condenados à fogueira por alegado pacto com Satanás. Por isso, durante muito tempo, o enxofre, elemento químico muito usado pelos alquimistas, foi associado ao Diabo e ao Inferno. Foi um tempo em que a Igreja de Roma dominava o pensamento nas universidades europeias. Foi o tempo da Escolástica (do grego scolastikós, que quer dizer instruído), entendida como uma via de harmonização da razão com a fé, conduzindo a filosofia grega no interesse da teologia ou, por outras palavras, conciliando o pensamento de Aristóteles com a doutrina da Igreja, ou, ainda, harmonizando de forma sistémica a razão e a verdade da Fé.

É, pois, razoável admitir que os alquimistas tenham tido necessidade de ocultar todo e qualquer comprometimento espiritual no seu trabalho. Há quem defenda que a tão divulgada procura de transformação de metais inferiores em ouro teria sido, para muitos alquimistas, uma metáfora da purificação espiritual em que a ignorância dava lugar à sabedoria. Simbolizando a transformação da sua própria espiritualidade de um estado inferior para um superior, a divulgação dessa parte do seu trabalho teria visando desviar as atenções do poder religioso relativamente ao trabalho espiritual que prosseguiam.

Na sociedade do presente, rendida ao poder do dinheiro, “mais marcada pelo ter do que pelo ser”, as vozes dos alquimistas ecoam como um chamamento para o reencontro com o lado não material da vida. Para além do muito que se tem dito e escrito, a alquimia deixou-nos uma poderosa mensagem de busca pela perfeição.

 

Por Galopim de Carvalho

 

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