PARA ALÉM DA FOTOGRAFIA – DIA 3 (Puerto Cisnes, Carretera Austral, Chile)

276 views

Por detrás desta fotografia está uma cabaña. Mas afinal de contas o que é uma cabaña, perguntar-se-á quem nunca atravessou a Carretera Austral e estranha o til em cima da letra n, à castelhana?

Esta fotografia foi tirada desde a entrada de uma cabaña perto do cais, em Puerto Cisnes. A cabaña em questão, à imagem de todas as outras que se encontram ao longo da Carretera Austral, mais não é que uma das acolhedoras (umas mais que outras, confesse-se) casas de madeira em que se pode pernoitar quando se percorre esta icónica estrada. Os hotéis são poucos, caros e estão recorrentemente lotados, pelo que restam as cabañas para pernoitar.

E o que proporcionam estas cabañas? Conforto, na medida do possível em face das agrestes condições climatéricas que se fazem sentir todo o ano no centro e sul do Chile, preços acessíveis para viajantes low cost que usaram todas as suas poupanças simplesmente para chegar até aqui, não restando muito para elevadas doses de luxo que, de qualquer das formas, por cá não abunda. Proporcionam cães na porta da entrada, que apenas procuram um carinho sempre que alguém entra ou sai porta fora. E a cereja no topo do bolo, proporcionam um sítio para cozinhar, algo que em virtude dos preços praticados nos restaurantes locais, excessivos para carteiras em que a plata escasseia, é uma muito bem recebida notícia.

Mas acima de tudo, aquilo que marca toda e qualquer cabaña que se possa encontrar ao longo da Carretera Austral são lareiras. Em todas estas casas de madeira perdidas no fim do mundo há uma lareira quente pronta a aquecer os pés e o espírito ao fim de um dia perdido por aí, a lutar contra o vento, a chuva e o que mais as condições climatéricas nos queiram fazer sentir ao longo das horas em que nos aventuramos fora do conforto do lar. Quem não sonha com uma lareira acesa e com a moleza que o fogo nos faz sentir depois de um dia em que o frio e o desconforto são as únicas constantes?

Mas não só ao nível do aquecimento do corpo as cabañas e as suas lareiras desempenham um papel preponderante para os mais incautos viajantes. Também as roupas encharcadas depois de caminhadas em plena natureza à chuva encontram junto ao fogo uma forma de terem uma nova vida de forma a poderem cumprir com a missão em que foram encabeçadas: proporcionar calor e conforto a quem as enverga diariamente. A tarefa nem sempre é fácil, mas onde há vontade, há sempre uma solução.

Os varões que outrora serviram o propósito de suportar cortinas junto à janela da cabaña são retirados do seu recanto para serem cuidadosamente colocados em frente à lareira, presos de um lado em garrafões de água e de outro de chaleiras, os quais servirão de suporte a um estendal improvisado, instável, mas que a final cumprirá o propósito para o qual foi criado. Nas horas que se seguirão sob si penderão não cortinas, mas antes meias, boxers, cuecas, leggings, calças, camisolas e casacos, luvas e golas, gorros e palmilhas, que, no dia seguinte, proporcionarão o calor que nos permitirá continuar viagem. As botas, essas, ficam pousadas no chão, onde aproveitarão o calor irradiado da parte de baixo da lareira.

O estendal está montado, a massa feita à pressa repousa na panela sob a mesa de madeira e a garrafa de Malbec local está pronta a ser servida. Depois disso, os pesados cobertores que repousam sob a cama contribuirão, juntamente com o calor disperso pelas várias divisões, para nova noite bem dormida.

Assim se passa um final de dia numa cabaña, e melhor seria complicado desejar.

 

 

Por João Barros

Este site utiliza cookies para permitir uma melhor experiência por parte do utilizador. Ao navegar no site estará a consentir a sua utilização. Mais informação

Se não pretender usar cookies, por favor altere as definições do seu browser.

Fechar