O binómio da fotografia – Yogyakarta

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Máquina encostada à cara. Braços fletidos, encostados ao peito, um ligeiramente acima do outro. Esta é a imagem de marca do fotógrafo. Um olho fechado de forma forçada enquanto o outro procura a melhor composição para o momento. Não um momento qualquer. Aquele que levou a que a máquina passasse do ombro para aquele que é o seu habitat natural. Enquanto a mão esquerda serve apenas o digno propósito de segurar o instrumento mais precioso da vida do artista, a direita lança-se ao trabalho. O polegar procura o equilíbrio perfeito entre abertura do diafragma e velocidade do obturador. O indicador procura o ponto de focagem ideal para a cena que se pretende imortalizar. Quando tudo está alinhavado com a mestria que a ocasião impõe, chega o momento do tudo ou nada. Aquele a que nem a digitalização da indústria fotográfica conseguiu retirar o tom dramático: o congelar de uma realidade para toda a eternidade.

Pouco interessa se a fotografia capturada é digna dos arquivos da Magnum ou se vai acabar na parede da casa de algum dos familiares mais próximos. Não é isso que move a alma do fotógrafo, logo também não o caracteriza. Assim que o botão é premido, o autor da obra que então se cria é tão artista quanto os pioneiros Vivian Maier ou Henri Cartier-Bresson. As fotografias podem causar maior ou menor impacto em quem as vê, quanto a isso não há discussão. Mas não é a intensidade do impacto criado que define o artista enquanto tal. E esta também é uma verdade universal.

No espírito de visão bipartida que caracteriza a forma como tendo a ver a generalidade dos temas que acabam vertidos em texto, creio que é possível dividir em dois os tipos de fotografias que existem.

As primeiras. Aquelas capazes de colocar um lugar banal na capa da National Geographic. Falamos de um tipo de imagem digno de campanhas de marketing de excelência inigualável. Daquelas que, à primeira vista, criam inexplicavelmente em nós a necessidade de conhecer, de visitar, de comprar, de experimentar. Não sabemos porquê, é mais forte que nós mas nunca vimos nada assim. Tem de ser nosso. No entanto, quando finalmente conhecemos, quando lá chegamos, ao abrir o pacote ou ao sentir o sabor, invade-nos uma camada de desilusão. Uma manta de desapontamento incapaz de nos aquecer na noite fria que se instala quando percebemos que fomos defraudados por uma imagem. Todos conhecemos estas fotografias, todos já fomos falcatruados assim. Todos já fomos vítimas delas, das fotografias que colocam o prefixo extra naquilo que mais ordinário existe, mas no papel. Só mesmo no papel.

Mas há ainda as segundas. Aquelas que, pura e simplesmente, são incapazes. Incapazes de quê? De captar a palete de cores tal como se dispõe por camadas quando o arco-íris surge para unir duas montanhas entre si. Incapazes de reproduzir o movimento e o frenesim do mercado local durante a madrugada de sábado, quando centenas de pequenas transações são concluídas mesmo diante do nosso nariz. Incapazes de transmitir o sentimento de paz que invade aquele que, de boca aberta, se depara com uma paisagem que apenas julgava existir no mundo perdido da Ghibli. Incapazes de fazer justiça ao que o local, o momento, o modelo ou a situação reclamam aquando de cada clique final. O pesadelo do fotógrafo. Todos conhecemos também este tipo de fotografias, todos já ouvimos o só mesmo estando lá.

Parafraseando David Attenborough, estas duas espécies de fotografia, que apenas existem enquanto tal na minha cabeça, raramente são encontradas num mesmo sítio coexistindo naturalmente entre si. É difícil. Um sítio não pode ter o melhor – ou o pior? – de dois mundos. Não funciona assim e facilmente se percebe porquê. Estamos perante dois verdadeiros opostos. Espécies que não contactam entre si. Dia e noite, sol e lua, doce e salgado, quente e frio. É este o campo em que nos movimentamos.

Como saber com que tipo de fotografia nos deparamos quando, antes de adormecer, o Instagram nos presenteia com uma imagem que, de forma involuntária mas algoritmicamente desejada, nos apanha desprevenidos em pleno feed? A verdade é que não há uma resposta definitiva a tal questão. Apenas a experiência o dirá. Até lá, resta-nos aceitar a existência de ambas as espécies. Arriscar, visitar, ver e conhecer, mas por nós próprios. Que outra hipótese temos? Afinal de contas, ambos os tipos de fotografia existem e estão cá para ficar. É este o paradoxo do binómio da fotografia.

 

Por João Barros

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