Há uma pressão estranha no ar. Não é difícil senti-la. Como quem não quer a coisa, sentimos o calor húmido colar-se à nossa pele. O ar começa a ficar rarefeito. Olhamos para cima e dissipamos quaisquer dúvidas: aquelas nuvens não são normais. Escuras, carregadas, estas mais não são que o prenúncio daquilo que se avizinha. Vamos ser brindados com um dos fenómenos naturais mais fascinantes e, em simultâneo, arrepiantes de que há registo. Há então que encontrar um abrigo com um bom campo de visão. Afinal de contas, não é todos os dias que podemos assistir a uma trovoada tropical.
Um bungalow em plena praia no meio das Ilhas Togean em Sulawesi parece ser o local indicado para o efeito. Certificamo-nos que nada está ligado às tomadas e que as luzes estão apagadas, mas na verdade não era sequer necessário. Aqui a eletricidade só funciona durante um curto período de tempo e há muito que este já lá vai. Como passa da meia-noite já toda a gente se retirou das zonas comuns. Assim, somos só nós e a nossa frágil casa de madeira. Aninhamo-nos confortáveis na cama resignados, especados, a fitar pacientemente a janela e aguardando que chegue o grande momento.
É aqui que se inicia o verdadeiro bailado da tormenta. Cada um de nós, qual especialista em tempestades tropicais, inicia o ballet tentando adivinhar o sítio em que cairá o primeiro relâmpago. Os olhos movem-se rapidamente, de um lado para o outro, em busca de um qualquer sinal premonitório. O que procuramos? Antecipar-nos e saber o local onde toda a dança começará.
De repente, sem qualquer aviso prévio e ao arrepio das mais elementares regras de boas maneiras, eis que surge um clarão no lado oposto àquele em que nos focávamos. Um relâmpago que, não tendo durado mais que um segundo, iluminou toda a praia durante uma eternidade em tons elétricos que misturam branco, azul e amarelo. A sensação de fascínio que nos invade perante tamanha demonstração de força da mãe natureza é invariavelmente interrompida por uma inquietante questão. Será que foi perto? Será que foi longe? O código de conduta de uma tempestade de relâmpagos dita que entre o momento em que surge o relâmpago e aquele em que se ouve o trovão, ninguém pode emitir qualquer som. Mesmo a respiração acelerada daqueles que temem todo o fenómeno não será tolerada. Quem quer estar por perto tem que seguir as regras. Ninguém se mexe por um milímetro que seja, todos se concentram no início do anúncio da distância a que se encontra a tempestade.
Até que, por fim, somos brindados com a entrada em cena da orquestra natural. Primeiro devagar, depois em força e de forma ininterrupta, ei-lo, ao impetuoso som da tempestade. Um som que tem o dom de amedrontar os mais temerários e que, em simultâneo, pode fascinar aqueles por alguns considerados menos valentes. Como se isso valesse de alguma coisa, perante tamanho poder. Um som que, pelo mero decurso do tempo que demorou a fazer-se sentir, parece atribuir a todo e cada um de nós uma licenciatura em tempestades, legitimando todos aqueles que nada do tema entendem a dizer, com inabalável convicção, ‘este foi perto’, ou então ‘nada há que temer, a tempestade ainda vai muito longe’.
Desta forma se repetirão os passos harmoniosos do bailado que é a tempestade tropical que nos circunda. Ao aparecimento da luz forte seguir-se-á o surgimento do som que sempre a acompanha. Vezes sem conta tentaremos pressentir se a tempestade se aproxima ou afasta de nós. Até que, sem que novamente nos apercebemos disso mesmo, a pressão do ar se liberta da tensão que durante todo o espetáculo a dominou. Entramos no último ato, eis que chega o início do fim. Pela certa seguir-se-á uma chuva intensa que, durante a manhã que teima em não chegar, dará lugar ao sol quente do mês de maio. A praia, outrora pintada na noite escura e agitada por tons vibrantes que lhe são poucos habituais, voltará ao normal. A palete de cores será novamente dominada pelo amarelo da areia, pelo azul do mar e pelo verde das palmeiras que ameaçam por ele adentro entrar.
Para trás fica a estranha sensação de nos ter sido proporcionada uma oferta inigualável. Num lugar especial, capaz de fazer esquecer a melhor sala de espetáculos mundial, assistimos, livre de quaisquer custos, à mais recente produção natural. Na primeira fila, vibramos ao som do bailado da tempestade tropical.
Por João Barros