Hora da sesta - Kuta (Lombok)

Hora da sesta – Kuta (Lombok)

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Um prazer que parece estar ao alcance de todos mas que tem mais que se lhe diga que apenas e tão só fechar os olhos. A que horas e onde o fazemos, a estação do ano, a envolvência que no momento nos rodeia, tudo faz parte de um processo que deve ser respeitado e observado para que se possa afirmar, com segurança e certeza, que é hora da sesta. Basta perguntar a nuestros hermanos, que todo e cada um deles tratará de nos iniciar numa tal prática secular. É certo que alguns parecem nascer com um dom inexplicável que lhes permite fazer a sesta em qualquer circunstância. Aliás, enquanto escrevo estas linhas olho para o lado e a minha companheira de viagem demonstra ser uma virtuosa dominadora de tal habilidade. Mas não é tão fácil assim.

Num primeiro momento impõe-se que algures exista uma barriga cheia depois da hora de almoço. Em qualquer outra altura do dia, chamem-lhe descansar, passar pelas brasas, ‘tirar vinte minutos’, ‘desligar’, o que entenderem, mas a verdade é que não estamos perante uma real siesta. E mesmo assim isso só não basta. Num dia de primavera ou verão, em que o calor é uma certeza, doses moderadas de preguiça devem conviver com um natural à vontade para abraçar a sublime arte da procrastinação. Perante um tal cenário, como quem não quer a coisa, os olhos certamente começarão a pesar, recordando-nos que há demasiado tempo estamos acordados. Consciencializamo-nos de que não há por que lutar contra tal sentimento. Afinal de contas somos seres humanos, como todos os outros. Temos os nossos limites, há que abraçar a nossa própria humanidade. O normal é que uma tal vontade vá ganhando força dentro de nós. Nessa medida, não deve ser contrariada.

Pouco interessa o lugar em que estejamos. Na areia, depois de uma manhã passada na praia, a rebentação das ondas a funcionar como banda sonora de fundo. Na montanha ou no campo, à sombra de uma árvore, com o canto dos pássaros a servir de som hipnótico que nos sussurra ao ouvido, de forma suave, que está na hora de descansar. Como se uma saudosa contagem de carneiros antes de dormir se tratasse, caiamos livres de culpas no sono. Numa rede presa por cordas entre duas árvores, as palmas das mãos voltadas para cima a funcionar como almofada atrás da cabeça, cotovelos ao alto, chapéu a cobrir a cara mais não funcionando como que uma persiana que, sabemos, não podemos fechar na sua totalidade – uma verdadeira sesta não o pode ser no escuro absoluto. No sofá de casa, cobertos por uma manta aparentemente desnecessária mas em todo o caso imprescindível, numa cadeira de escritório com os pés cruzados ao alto em cima da secretária, mãos entrelaçadas descansadamente repousadas em cima de uma barriga enfartada. Não interessa o lugar. Basta ser criativo e em momento algum picuinhas. Não são camas, almofadas ou cobertores que farão qualquer diferença.

Por fim, com os olhos fechados, deixamo-nos ir. Permitimo-nos uma pausa a meio de um dia agitado, convencendo-nos a nós e a todos os que nos rodeiam que o que parecia urgente e inadiável afinal não o é. Ausentamo-nos da realidade e mergulhamos de cabeça, com os olhos fechados, nos nossos sonhos mais próximos. Aqueles sonhos que não precisam de horas a fio de sono profundo para serem conquistados. De forma deliberada dizemos que não à vida apressada que a sociedade e os outros – quem quer que sejam – nos parecem querer impor. Não, nem tudo é assim tão importante e premente. A urgência do dia-a-dia mais não espelha que uma vontade artificial das pessoas quererem ser mais que aquilo que na verdade são. Seres humanos, de carne e osso, que não se devem negar a si próprios o nobre prazer de desfrutar de descanso merecido – ou não merecido, não interessa – a meio do seu dia.

Claro está que a verdadeira sesta não pode tomar uma tarde inteira. Os resultados poderiam, em tal caso, ser catastróficos. Um resto de dia dominado pela moleza do corpo e da mente, acompanhada por uma fincada vontade de nada fazer ou alcançar, podem transformar o precioso tempo que nos é dado num vazio indesejável. Um desperdício de tempo, chamemos-lhe assim. Mas a verdadeira sesta também não pode durar menos que o tempo necessário para produzir os seus efeitos. Caso contrário perder-se-á aquilo a que se chama o seu efeito útil, a razão pela qual embarcamos numa tal apática e relaxada aventura. Em todo o caso, enquanto escrevo estas linhas não deixo de pensar que fazer a sesta vale sempre a pena, nunca será uma atividade esvaziada de sentido.

Pensando bem, o que escrevi no início deste texto não passa de uma barbaridade. Afinal fazer a sesta é fácil. Basta querer. Deixar crescer em cada um de nós uma vontade inabalável de nos desligarmos e afastarmos das preocupações que o dia tem para nos oferecer.

Os dedos começam a arrastar-se pelo teclado do computador. Os olhos estão cada vez mais pesados. Está na altura de arrumar tudo, deixar de combater a gravidade, permitir que as pálpebras se fechem e voltem ao seu estado natural. Chegou o momento de, pura e simplesmente, me deixar ir. Está na hora da sesta.

Por João Barros

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