Chegamos àquela altura do ano. A altura em que, quando olhamos para o telemóvel em busca de notícias de casa, as redes sociais nos fazem crer que apenas há duas coisas que existem no mundo: casamentos e festivais de verão. Falemos dos segundos.
Chegou a altura dos festivais de verão. A altura do ano em que música ao vivo serve de banda sonora ao pôr-do-sol alaranjado que chega agora todos os dias um pouco mais tarde. Em que cervejas frescas servidas em copos de plástico são o pequeno-almoço tardio dos preguiçosos sem qualquer tipo de preconceito ou mesmo de julgamento alheio. Por estes dias somos dominados pelo saudosismo de ter de escolher entre assistir a uma banda ou a outra, que tocam em simultâneo em dois dos múltiplos palcos instalados a centenas de metros de distância entre si. De ziguezaguear apressadamente entre os palcos apelidados em honra dos seus patrocinadores, porque não quisemos perder o fim do concerto de Khruangbin, ainda que não ver a abertura de Dinosaur Jr. estivesse fora de questão. Tudo isto para ter de voltar ao ponto de partida, caso contrário não assistiríamos ao espetáculo montado pela Little Simz. Problemas que caracterizam os possuidores de um gosto musical eclético, diria eu. Chegou a altura do ano em que o tema de conversa com os amigos passa sempre por ‘este ano vais a Paredes de Coura?’, ‘já viste bem o cartaz do Primavera?’, ou ‘estás a pensar acampar em Vilar de Mouros?’. Não há volta a dar. Tenhamos quinze ou trinta e três anos, não interessa. Os festivais vão sempre mexer connosco, serão sempre algo a ter em conta na planificação de quaisquer férias de verão.
Em Bukit Lawang não há festivais de verão. Ainda não chegou cá a moda e ninguém fala sobre isso. Mesmo que se falasse, a verdade é que o cachê das bandas ocidentais sempre seria demasiado elevado para o custo de vida local. Quem quiser ouvir música tem boa solução: pega numa guitarra e cantarola à sua vontade. Quem por cá anda tem de se aguentar à bronca de não passar três ou quatro dias a ouvir música ao vivo, como se o dia seguinte ao do último concerto marcasse o início de uma surdez que durará até ao ano que vem. Aqui não há festivais de verão, é certo, mas não é por isso que os verões têm menos significado em Bukit Lawang.
Aqui, nesta pequena aldeia, antes de nos aventurarmos na selva dormimos em bungalows em vez de tendas. Não, não se acorda com gritos longínquos vindos do outro extremo do acampamento a que alguém na tenda ao lado da nossa responde com igual entusiasmo. Em Bukit Lawang acorda-se ao som de macacos aos saltos desenfreados em cima do telhado de chapa, recordando-nos que cedo é que começa o dia. Por cá, a música proveniente das enormes colunas montadas ao lado do palco principal é substituída pelos sons da selva. Sons de pássaros, de macacos e do vento que abana a copa das incontáveis árvores que aqui se encontram e que apenas são interrompidos pelo assobio do guia local em busca de uma clareira para descansar. Por estes lados, os tons esverdeados do Parque da Cidade do Porto são substituídos pelo verde da floresta tropical que, por esta ocasião, serve de recinto do festival natural a que escolhemos deliberadamente assistir. Este ano não montaremos a tenda junto ao rio em Paredes de Coura, é verdade. Mas a sensação de paz transmitida pelo acampamento instalado em plena selva transporta-nos vinte anos para o passado, junto a esse mesmo rio, quando havia espaço para estender uma toalha e recuperar descansadamente dos excessos das noites anteriores. Não será uma pizza ou um hambúrguer, comprados na zona da alimentação instalada junto à entrada do recinto que nos vão matar a fome por estes dias. Mas a fruta fresca e colorida com que nos deliciamos é certamente um substituto à altura.
Este ano não haverá desfiles de camisolas de centenas de bandas famosas. Não assistiremos a um mar de cabeças a abanar, na primeira fila, ao som de Pet Shop Boys, concordando incessantemente com aquilo que o duo tem para oferecer. Não veremos pulseiras de tecido encher os braços daqueles que, orgulhosamente, mostram ao mundo o número de festivais a que foram nos últimos anos. Este ano não veremos nada disso, nem adormeceremos ao som longínquo do set do Nuno Lopes que fecha a última noite do festival.
Ainda assim, este ano, em Bukit Lawang, o verão trouxe-nos outras coisas. Coisas diferentes. Trouxe-nos orangotangos e as suas crias, no seu habitat natural, a observarem-nos a menos de dois metros de distância. Sim, assim tão perto, quase sentimos a sua respiração. Trouxe-nos bilhetes na primeira fila para uma batalha travada entre gibbons e thomas monkeys selvagens. Trouxe-nos jogos de cartas à luz das velas, sentados no chão, no meio de uma escuridão capaz de amedrontar a versão mais corajosa do Harrison Ford no papel de Indiana Jones. Este ano, o verão proporcionou-nos banhos no rio ao lado do acampamento ao fim da tarde, e trouxe consigo noites ao relento, expostos ao frio e perigos da selva. Este ano tivemos tudo isto e mais, muito mais.
Não, este ano não houve festivais de verão, é verdade. Mas a saudade da música ao vivo e do ambiente de festa descontraído ficou mitigada pelo espetáculo natural a que tivemos a sorte de por este lado do mundo assistir.
Por João Barros