De que vale uma teoria da felicidade? - Porto

De que vale uma teoria da felicidade? – Porto

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A primeira vez que dei por mim a pensar no que seria a felicidade tinha quinze anos. Durante a minha estadia em São Tomé, mais precisamente no Ilhéu das Rolas, percebi que era possível ser-se feliz de formas diferentes. Ali estava eu, feliz, rodeado da minha família, da natureza e de uma cultura até então desconhecida, a viver uma experiência que me marcou até aos dias de hoje. Mas a verdade é que não estava sozinho, já que nessa curta estadia tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas que ali habitavam. E que felizes elas eram. Como poderiam não o ser? O Ilhéu das Rolas é um paraíso a céu aberto. As praias desertas nas quais a estreita faixa de areia branca separa a densa vegetação da rebentação das ondas é o plano de fundo perfeito para uma vida sã e de sorriso plasmado no rosto de todos os que ali vivem. Não há falta de nada naquele sítio. A temperatura é amena todo o ano, a água do oceano é quente, há água potável para todos e nunca falta comida na mesa de ninguém. Aliás, o oceano patrocina os almoços e jantares de toda a comunidade que o que pesca durante o dia come na própria hora. Há música em todo o lado, ninguém discute, a boa disposição impera em cada canto da ilha e a água de coco é livre para todos os que se atrevam a trepar às palmeiras para se servirem. Com um cenário destes, como pode alguém não ser feliz? No Ilhéu das Rolas é-se feliz só porque sim.

O ato de levar a cabo uma introspeção acerca do que significa a felicidade não significa que não sejamos felizes. Na altura era-o e hoje ainda sou mais. Até então sentia a felicidade, vivia-a intensamente e tentava ser um foco de irradiação para todos aqueles que se cruzassem comigo. A diferença é que não havia tido ainda a oportunidade de me debruçar sobre o que significaria ser feliz. O que me faz feliz a mim também faz os outros? Podem as outras pessoas ser felizes de uma maneira diferente à minha? Será que a felicidade corresponde a um conceito universal, imutável e que se aplica a todos de forma harmoniosa? Ou antes corresponde a um conceito subjetivo, abstrato, indeterminado, casuístico e que depende das condições que envolvem todo e cada um de nós?

Ao longo deste último ano dei por mim a revisitar várias vezes este mesmo assunto, por vezes no meu interior, por outras para desabafar e debater com aqueles que tivessem paciência para me ouvir e aturar os meus devaneios.

Quem é que será mais feliz? Aquele que tudo pode ver, que viaja pelo mundo, que tem acesso a tudo? Ou aquele que, sem acesso a luxos desnecessários, leva a cabo uma vida e existência simples, na ignorância do desconhecido que, vai-se a ver, é uma bênção ao invés de uma cruz que tem de ser carregada durante a nossa jornada? É mais feliz aquele que tem à sua disposição concertos, exposições, cinemas e os produtos de que não necessita mas sente que tem de comprar? Ou aquele a quem nada lhe falta para viver e se sente realizado, que despreocupadamente pesca o peixe que come na hora, que numa comunhão plena com a natureza mergulha no oceano quando bem lhe apetece e pode fazer a sesta todos os dias à sombra de qualquer árvore perdida por aí?

Será que a felicidade pressupõe um total conhecimento acerca das coisas que nos poderiam ou não fazer sentir felizes, de tal modo que apenas sabendo da sua existência se pode verdadeiramente escolher o que precisamos para se ser feliz? Será que uma qualquer teoria da felicidade pura, completa e integral – o que quer que isso queira dizer – pressupõe não só saber o que temos ao nosso alcance, mas também aquilo que existe longe da vista, longe do coração, e que nos pode ser completamente inacessível? Será que só pode ser feliz alguém que conheça e saiba que existe algo para além daquilo que para nós é o próprio conceito de felicidade?

Quem será mais feliz? O que é necessário para se ser feliz? Estas foram algumas das perguntas que coloquei a mim próprio várias vezes durante o último ano. A verdade é que ainda não tenho uma resposta a estas questões. São questões difíceis e que requerem demasiado foco e concentração. Em todo o caso, assimilei o seguinte: a felicidade não se mede e consequentemente é um conceito incomparável. O que faz feliz uma pessoa não tem obrigatoriamente de fazer outra e o que torna infeliz alguém não significa infelicidade para todo o mundo.

Nos sítios do continente asiático pelos quais tive a oportunidade de passar ao longo do ano de 2023 percebi que o sorriso de orelha a orelha na cara das pessoas não é o mesmo que os sorrisos que vejo quando estou em casa, em Portugal. Aquele é um sorriso que não revela a infelicidade ou a angústia que é chegar-se atrasado a algum lado, ou estar preso a um trabalho de que não se gosta, de não se ter a oportunidade de ir ao restaurante mais caro ao sábado à noite, de não ser possível comprar o último modelo da marca de automóveis mais reputada ou o maior número de peças de roupa da famosa marca que não interessa a ninguém. Ali, por aquele lado do mundo, para alguém ser feliz não precisa de nada disto. Precisa de menos, muito menos. E ainda que isso possa querer dizer muitas coisas, creio que pode significar que é possível ser-se feliz com muito menos do que aquilo a que estamos habituados.

Os sorrisos que ao longo deste ano presenciei, que vi com os meus próprios olhos, ouvi com os meus próprios ouvidos e que senti no meu mais profundo recanto, dizem-me que é possível ser-se feliz de muitas maneiras. Que é possível ser-se feliz com muito, mas também com pouco, com chuva ou com sol, na montanha ou na praia, com ou sem internet, a trabalhar atrás de uma secretária ou no meio da natureza. A felicidade varia de pessoa para pessoa, mas também depende daquilo que cada um de nós precisa a cada momento. Aquilo que fazia alguém feliz há uns anos atrás não tem de equivaler ao que o faz feliz hoje. Durante a vida crescemos, evoluímos, magoamo-nos, amamos e transformamo-nos. E se assim é, como não somos a mesma pessoa durante toda a nossa existência, não somos sempre felizes da mesma forma.

No final da minha viagem, em jeito de retrospetiva, percebi que também eu não escapo a esta ambiguidade relacionada com o conceito de felicidade. Para mim, há sensivelmente um ano atrás a felicidade equivalia a estar prestes a partir para esta aventura e embarcar nesta viagem. Hoje tudo é diferente. Neste momento, felicidade é estar de volta a casa, repleto de memórias de um ano sem igual, é poder abraçar todos aqueles de quem tive mais saudades ao longo dos últimos meses. O que me fazia feliz há um ano não corresponde ao que me faz feliz hoje, e sinto-me bem assim.

É por estas e por outras que a única conclusão a que cheguei este ano acerca deste tema é a seguinte: será que existe uma teoria da felicidade? A resposta é não, não existe. E mesmo que existisse, a verdade é que não valeria de nada, absolutamente nada.

Por João Barros

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