A manhã foi passada a fazer snorkeling. Entre destroços afundados de navios japoneses e jardins de corais onde tartarugas, raias, peixes e chocos convivem de forma despreocupada e pouco acelerada, não há muito mais que fazer em Amed. A sensação de ardor nas costas recorda-nos que o sol já vai na sua posição mais vertical. Resta-nos sair da água e procurar um sítio para almoçar. A essa hora, ainda que no meio de tamanha euforia marítima não tenhamos dado por ela, a fome já é muita. Uma fome típica de quem passou uma manhã na praia ou de quem acabou de sair de uma aula de natação de três horas. Todos conhecemos a fome de que estou a falar. Com o cabelo cheio de sal apertamos a camisa de manga curta, sentamo-nos na scooter com os calções ainda molhados e lançamo-nos em direção a um restaurante. Não importa qual. Depois de uma manhã como a que acabamos de ter e com a fome a apertar, qualquer coisa serve.
Prestes a chegar ao destino, e sem que nada o fizesse prever, por uma nesga entre a vegetação à nossa direita avistamos uma praia. Uma daquelas onde a areia lisa encontra sossegadamente o mar. Nesse momento percebemos que não estamos prontos para abandonar a manhã de sol que, afinal, demasiado cedo pensamos que havia chegado ao fim. Está a faltar algo. Eis que percebemos o quê: está a faltar um último mergulho.
Há vários tipos de ‘último mergulho’. O último mergulho da manhã ou o último mergulho do dia. O último mergulho do ano ou, mais melancólico ainda, o último das férias. Não interessa o que cada um deles representa isoladamente, não é disso que se trata. O que interessa, isso sim, é que todos eles, sem exceção, são a expressão máxima de algo. Algo que, ainda que não saibamos bem caracterizar, sabemos que não queremos que acabe. Qualquer que seja a sua modalidade, o último mergulho é sempre sinónimo da liberdade de fazermos o que queremos, da rebeldia de nos arriscarmos a um pouco mais quando aquilo com que nos havíamos despedido era já suficiente.
O último mergulho representa a conclusão sem a qual um parágrafo ficaria eternamente incompleto. Trata-se do ponto final de que necessitamos antes de virar a página e fechar um capítulo. Não um capítulo qualquer, claro está, mas um daqueles de que não nos queremos despedir, de que temos dificuldade em abrir mão. Como o capítulo final daquele livro que começamos a ler na praia e que evitamos devorar de forma demasiado apressada de forma a prolongar o prazer que dele se retira. Mas que, ainda assim, teimamos insistentemente em acabar. Um paradoxo difícil de explicar, mas cujo sentimento é transversal ao mais comum dos leitores de praia. Com o último mergulho pretendemos agarrar firmemente a lembrança de momentos que não queremos que nos escorreguem por entre as mãos, mas que a água fria do oceano e a inevitabilidade do tempo teimam em deixar fugir.
O último mergulho é como uma manifestação do síndrome de Peter Pan de que padece aquele que não quer crescer, que tem dificuldades em ultrapassar. Aquele que, apostando todas as fichas na celebração do que acaba de viver, quer prolongar indefinidamente uma tarde passada na praia a construir castelos na areia, a jogar às raquetes, a ser arrastado pelas ondas até ao areal. Uma tarde passada ao som de sorrisos, de conversas animadas e até do aviso da bola, com creme ou sem creme, que a cada dez minutos se repete num carrossel interminável. Todos nós já fomos o Peter Pan, quer o aceitemos ou não. Um último mergulho é a saudade daquilo que ainda não terminou e que no nosso subconsciente julgamos já ter dado por encerrado.
É essa a sua magia, que leva sempre a que haja tempo para um último mergulho.
Por João Barros