Depois de um longo voo, chegámos a Nova Delhi ainda de madrugada. No aeroporto sente-se logo um cheiro diferente no ar; os rostos mudaram e as pessoas agora usam saris coloridos magníficos, turbantes exóticos e joalharia tilintante. O guia da Índia que trazemos na mochila aconselha o Main Bazar, junto à estação, como uma zona ideal para hotéis budget. E nada nos avisa da possível viagem mais complexa de táxi que já fiz.
Numa primeira impressão, a Índia não é para os mais fracos.
A vida nas ruas é bizarra. Vacas deitadas na faixa de rodagem, indianos a carregar carroças pesadas, as ruas pejadas de gente em todos os cantos, a vender fruta, a vender roupa, a orar, algumas pessoas ainda embrulhadas em cobertores a acordar para o dia, fazendo-nos pensar como será possível viver numa realidade tão extrema e tão diferente da nossa. São 6 da manhã e o táxi atravessa uma rua esburacada em direcção ao Main Bazar. Ininterruptamente, de um lado e do outro do passeio, adultos e crianças ainda dormem, cozinham o pequeno-almoço, tomam banho com um balde improvisado, ao lado de vacas e cães vadios. Pergunto a medo ao taxista se ali é o sitio e ele diz que sim e que tem que se ir embora. Abandonados na estação, tentamos, no meio de um grupo de homens que nos acossam para nos vender souvenirs, aconselhar hotéis, pensões e viagens de tuc-tuc, perceber para onde ir.
Mergulhamos em Nova Delhi e o movimento nas ruas é tremendo. Passamos a tarde em Chandni Chowk, um bairro na parte velha da cidade que é um bazar labiríntico de ruelas, recantos, lojas e barracas coloridas, onde é possível encontrar de tudo: roupa, artigos religiosos, comida, cabras, cestos de verga, perfumes e doces de leite. A realidade é dura, pestilenta e intensa; e a presença humana é esmagadora. No dia seguinte partimos até Agra. No caminho, encontramos mais vacas, tuc-tucs (pequenos táxis de 3 rodas, altamente económicos) e rickshaws coloridos em todo o lado. Pequenas motoretas também abundam, onde, num surpreendente acto de trapézio, famílias inteiras se ajustam para viajar; e os condutores empilham todos os bens e artigos imaginários. Todos os veículos apitam constantemente, atropelam-se numa correria anárquica. Agra é uma cidade marcada pela história de amor e tragédia do Imperador Sjah Jaha, que ao perder a sua mulher, prometeu construir o maior edifício em nome do amor. E que, segundo a lenda, Sjah Jaha, obstinado em criar um segundo Taj Mahal, em mármore negro, no outro lado do rio Yamuna, terá sido encarcerado até à morte, pelo seu próprio filho, numa cela cuja única vista era o Taj Mahal.
Na noite anterior à visita ao Taj, Calla (o nosso guia e driver), levou-nos a um restaurante de um amigo dele, “Muito boa comida indiana, a preços indianos”! Claro que não poderíamos dizer que não a um Tali delicioso, Chapatis feitas no fogão de lenha, Bahtura crocante e Lassis de fruta… E por isto, com muito custo, às 6 da manhã do dia seguinte descemos a longa avenida verdejante até ao palácio. Mas segundo Calla, a melhor visão do Taj Mahal é ao nascer do dia. Os vendedores de souvenirs multiplicam-se, charretes enfeitadas de chiffon, fotógrafos improvisados e até barbeiros móveis se encontram a caminho do Taj Mahal. Afinal qualquer oportunidade de negócio é válida num dos pontos mais turísticos do mundo!
Mas no fundo, ao entrar nos portões de pedra, o Taj Mahal, envolto no nascer da manhã, devolve todas as expectativas construídas de beleza e equilíbrio. Isolado na paisagem e pousado entre um bosque, o Taj é inteiramente construído em mármore branco, decorado com pedras preciosas e perfeitamente feminino, simétrico e alvo. Depois de atravessar parte da índia, e várias cidades hindus tradicionais, Mumbai é uma lufada de ar fresco. Respira-se cosmopolitismo e actividade. As pessoas já são muito mais urbanas e a presença constante de bares e mulheres indianas de mini-saia em todo o lado é um claro sinal de uma civilização mais moderna. Durante os dias em que estivemos em Mumbai, choveu copiosamente: um preço a pagar por ir para a Índia na época das monções. Mas como a viagem tinha sido tão barata, decidimos relaxar e explorar a cidade de um outro prisma.
Experimentámos a padaria alemã com tartes de maçã e café moído à mão; sumo de cana de açúcar nas barracas de rua; cafés com folhados indianos, picantes em todas as escalas imaginárias; e muitas das cervejarias “abertas a todas as castas” disponíveis, para apagar o calor tropical e o tédio da chuva. Sendo Mumbai a capital da indústria cinematográfica de Bollywood, voluntariamo-nos para uma sessão de cinema indiano, apesar da falta de legendas em inglês. Claro está que após vários reabastecimentos de pipocas, não conseguimos mesmo perceber o que o herói do filme “KAMINEY” realmente tinha feito de errado para ter sido preso pelo pai da namorada. E à noite, já de saída da cidade para a estação, um casal abordou-nos na rua curiosamente a saber se estávamos interessados em ser EXTRAS no novo filme indiano. Se só tivéssemos ficado mais um dia, talvez tivessem descoberto uma estrela… Chegámos a Goa no comboio nocturno de Mumbai. A manhã adivinhava mais chuva, mas a paisagem dava sinal de mudança. Campos até o olhar se perder de verde e uma humidade intensa, casas térreas caiadas e placas de sinalização chamadas “Miramar” e “Cabo da Rama”.
Sentimo-nos em casa. Em Panaji (capital do estado de GOA), ficámos em casa de uma família Silva, comemos torresmos e revisitámos todas as igrejas de uma cidade outrora tão portuguesa…
Descendo a costa tropical, resolvemos passar a última semana na praia de Palolem, conhecida pela linha paradisíaca de coqueiros. Mas desenganem-se, porque este é um paraíso à indiana, com casas pobres de pescadores e ruas de terra batida, mas feita de uma simplicidade acolhedora ímpar. Refugiámo-nos em Palolem Resort, um hotel simples junto ao mar e, que de resort tinha apenas o nome. Depois da primeira tarde de sol e calor húmido na enseada, o chuveiro não dava água quente. Quando fui reclamar à recepção, a menina informa-me que não havia água quente canalizada naquela zona e que poderíamos tomar banho de água quente, mas apenas amavelmente disponível ao balde. Os banhos de balde inigualáveis em muitas viagens!
A índia é sem dúvida um país cheio de contrastes, intensidades, altos e muitos baixos. As pessoas surpreendem pela sua humildade e as cidades pela sua autenticidade. A índia é um espelho de humanidade, simples, rico, mas tristemente pobre.
Por: José Farinha