União Europeia De uma inspiração nasceu, de inspiração precisa

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Tal como uma cortina, muitos dirão que as sombras se abateram  sobre a Europa. A cada eleição, soam os alarmes, com medo do que possa estar para vir. Os extremismos e nacionalismos pairam em vários países, ameaçando o sistema de valores no qual assenta o edifício europeu. Ainda há uns tempos, a crise das dívidas soberanas praticamente condenava a União Europeia aos escombros e, mais recentemente, um novo abalo se fez sentir com o Brexit. Pelo meio, constatou-se a falência de Bruxelas em lidar com a crise dos refugiados e os problemas de integração das comunidades islâmica nalgumas metrópoles europeias.

De facto, vendo as coisas desta maneira, dir-se-ia que o futuro da União Europeia, enquanto projecto político único na história dos Estados, é sombrio. Até porque, os cidadãos e dirigentes europeus tendem a focar-se nos problemas inerentes à construção do edifício comunitário, no que está mal, descurando, muitas das vezes, as virtudes que diariamente se reflectem na melhoria de vida dos povos e que resultam desta magnífica invenção política e humana do pós-II GM.

Este desfasamento entre a percepção negativa que às vezes as pessoas têm da burocracia de Bruxelas e o retorno efectivo que a União Europeia tem dado aos países (com erros é certo, mas onde o balanço é claramente positivo), é explicado, em parte, pelo ainda desconhecimento profundo daquilo que o projecto europeu tem dado aos seus Estados-membros. Na verdade, nos últimos tempos, tem sido evidente a intensificação do discurso demagógico e populista contra a União Europeia, tendo já consequências
fracturantes com a saída do Reino Unido a breve prazo.

Num primeiro momento, de maior histerismo talvez, começou a falar-se no início do fim da União e na possível saída de mais países, como se a organização de que actualmente fazem parte fosse a fonte de todos os seus problemas e não lhes tivesse proporcionado prosperidade e desenvolvimento. Para já, o ímpeto secessionista de um ou outro Estado membro parece ter acalmado, talvez por se começar a perceber que a “aventura” do Reino Unido, afinal, pode vir a ter consequências muito gravosas para o país.

Normalmente, como noutras situações da vida, só se dá valor às coisas quando ficamos sem elas ou quando não as temos e as queremos ter. Muitos parecem esquecer ou desconhecer que o espaço geográfico da União Europeia é um dos mais desenvolvidos e pacíficos do mundo, onde, apesar de todas as imperfeições, impera a democracia e a justiça social. E se entre os (ainda) 28 haja quem olhe para a União Europeia como um projecto iníquo e perverso, outros países, que estão do lado de fora, vêem na Europa um farol de esperança e progresso. E, por isso, numa altura em que alguns falam em sair, há outros que aprofundam a sua aproximação à UE, na esperança de um dia virem a ser membros de pleno direito.
De certa maneira, é compreensível algum descontentamento ou cepticismo face à União Europeia, já que um dos passatempos preferidos dos actuais governantes do Velho Continente é criticar o projecto europeu e reduzi-lo a um monte de burocracia, que está em decadência e que pouco ou nada faz pelos seus povos. Com mais ou menos intensidade, esta é a tónica dominante da retórica de muitos líderes e políticos dos Vinte e Oito.

Seja por convicção, seja para agradar ao seu eleitorado interno, seja até por razões válidas (porque há muitos erros que devem ser corrigidos), são recorrentes as críticas e os ataques feitos ao projecto de construção europeia. No meio de tudo o que se vai ouvindo, é contínuo o lamento sobre a falta de liderança política na Europa. Ao nível dos Estados-membros, não existem figuras carismáticas que possam assumir esse desígnio comum e inspirador de levar isto por diante e, no âmbito das instituições comunitárias, percebe-se que as figuras que têm sido escolhidas para assumir tais cargos nos últimos anos não têm gerado o efeito de mobilização e de alavancagem que se precisava. De certa maneira, hoje em dia, fica-se com a sensação de que a construção do edifício europeu entrou em piloto automático a partir do início dos anos 90, acrescentando-se andares sobre andares, em cima de “pilares” frágeis, mas sem qualquer farol que apontasse um porto seguro.

Não se estranha, por isso, que uma certa ideia romântica de Europa unida e solidária se tenha perdido lá atrás, com a saída de cena de homens como Delors, Kohl, Mitterrand, Soares ou González, apenas para dar alguns exemplos. No entanto, se é verdade que Jacques Delors é e será sempre uma figura de referência na construção europeia, tal evidência não deve distorcer a análise comparativa entre os seus dois mandatos na Comissão e os que se lhes seguiram. Porque, de certa maneira, no final dos anos 80 e no início dos anos 90 viveu-se uma euforia europeia, com alguns dos principais líderes europeus da altura, com destaque para Helmut Kohl e Francois Miterrand, a “acelerarem” o projecto europeu para um nível de integração absolutamente inédito. Maastricht é precisamente o resultado, mas também o símbolo, dessa vontade política. Na prática, e até pela realidade ainda bem presente dos traumas de uma Europa dividida, todos eles estavam a lutar pelo mesmo. E isto veio facilitar (e de que maneira) o trabalho de quem estava nas instâncias comunitárias e, ao mesmo tempo, criar uma onda de entusiasmo junto dos cidadãos europeus.

Hoje, a euforia deu lugar a algum descontentamento no seio dos Estados-membro. Os europeus não parecem ver na Europa um projecto aliciante, mas sim uma entidade burocrática, dominada por tecnocratas que se limita a emitir directivas. A juntar-se a esta ideia, muitos dos intervenientes políticos nos vários países tecem duras críticas e enveredam por discussões bizantinas sobre questões que, com alguma arte política e inspiração, podiam ser ultrapassadas, tendo sempre presente que este mesmo projecto europeu já passou por períodos bem mais complicados da sua história. A diferença é que nessas alturas lá estavam os líderes carismáticos, a meterem de lado as suas diferenças e egoísmos e a pensarem no bem comum, e, desta forma, a inspirarem os seus povos.

Por: Alexandre Guerra
Foto: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

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