SOU DO TEMPO … Em que vinho era sinónimo de Dão.

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Por essa altura ainda o Dão vivia da glória de outros tempos. Dos míticos vinhos de 64 e 70 da Federação dos Vinicultores, dos tintos de 80 e 85 da UDACA e das geniais obras de arte vínica cuidadosamente preparadas pelo laborioso trabalho e saber do saudoso Engenheiro Vilhena no Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão. Nesses tempos, falar-se de vinho, era falar-se do Dão – a mais antiga região demarcada de vinhos de mesa do país.
A fama levara-o às quatro partidas do mundo e, quer pela exigência da quantidade requerida por compradores, quer pelo envelhecimento dos mestres que os elaboravam, quer ainda pela ganância económica de alguns, habitualmente asso- ciada aos casos de sucesso, a verdade é que na última década do século passado, salvo honrosas excepções, os vinhos do Dão passaram a ser uma sombra de si mesmos.
Ultrapassada em quantidade e, sobretudo, em qualidade por Douro e Alentejo, a região viu-se confrontada com a necessidade de se renovar. Felizmente, foi isso que fez. O amor às encostas solarengas do Vale da Estrela de muitos dos seus filhos apaixonados pela arte vínica, jovens enólogos entretanto regressados às origens, permitiu o ressurgimento dos clássicos vinhos do Dão. As vinhas velhas, na sua grande maioria poupadas à praga da filoxera, embutidas em pequenos talhões da encosta do rio que deu nome à região demarcada, símbolos do arreigado sentido de propriedade das gentes da Beira, foram sendo substituídas por vinhas novas, elegantes, meticulosamente orientadas à exposição solar e exclusivamente compostas pelas castas características da região, como que anunciando publicamente o surgimento de um tempo novo. Com vinhas novas, novo vinho apareceu. Um pouco por toda a parte surgiram novos rótulos dum vinho com tradições seculares. O vinho das tradicionais quintas da Beira Alta, cientificamente elaborado, sem perder a alma que sempre o caracterizou, economicamente viável e aberto ao mercado, igualmente novo, do enoturismo. A esse caminho trilhado por particulares, somou-se um gigantesco trabalho de profissionalização das adegas cooperativas que perceberam a urgência do saneamento financeiro, a necessidade da produção de vinhos de qualidade e o papel fundamental do marketing para o seu sucesso comercial.
Hoje, o Dão recupera paulatinamente o seu lugar de região única no panorama dos vinhos de mesa em Portugal. Sem pressas, como que acompanhando o tempo que as vinhas novas levaram a crescer e a dar fruto. Como na safra agrícola, a região esperou o resultado da enxertia, do desenvolvimento da videira, dos primeiros cachos e finalmente da transformação da uva em mosto, para voltar a afirmar-se a nível nacional e internacional. Deu tempo ao tempo, como convém nestas coisas da lavoura. Hoje colhe os frutos.
Com vinhos de qualidade ímpar afirmando-se sem complexos no exigente e restrito clube da viticultura mundial, o Dão respira novos ventos de esperança. A percepção de que o mercado vinícola extravasa significativamente a simples compra e venda de vinhos, permite um novo olhar sobre a trave mestra da agricultura regional. A incorporação das riquezas turísticas, históricas e etnográficas locais no produto vinho do Dão, é hoje uma realidade, abrindo caminho ao turismo da tradição e da genuinidade. Os “terroirs” da Beira Alta, envoltos em séculos de história e duma beleza natural incomparável, podem e devem ser os motores dum novo turismo que vai conquistando cada vez mais espaço a nível europeu e mundial. O vinho enquanto experiência única de percepção e partilha da realidade local é factor essencial de revitalização do turismo regional, num momento em que, cada vez mais, os visitantes do nosso país procuram experiências alternativas aos circuitos tradicionalmente oferecidos pelas agências de viagens. Em cidades como Viseu, percebe-se esta mudança de paradigma, ao falarmos com os turistas que, cada vez em maior número, procuram o interior do país como destino das suas férias. Mas, é sobretudo conversando com os proprietários das novas vinhas, com os directores das Adegas Cooperativas, os novos enólogos e os responsáveis pelo turismo regional, que percebemos a dimensão desta transformação e desta nova forma de entender o Dão, enquanto região única para a afirmação do enoturismo nacional.
Que assim seja.

Por João Moreira

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