Esta receita é trazida para aqui, mais como documento de interesse cultural do que como confecção a aconselhar, tendo em conta as actuais recomendações no que respeita a higiene alimentar.
Comida de pobre, algo próximo da “sargalheta”, mas sem o aroma do pingo da linguiça, as sopas de toucinho que comi no Inverno, em casa da minha avó Isabel, hoje desconhecidas e praticamente sem adeptos, graças ao que se julga saber sobre os efeitos perniciosos para a a saúde, associados a esta gordura animal, eram, no meu tempo de criança, uma das muitas maneiras correntes e saborosas de dar pingo e aconchego ao pão nosso de todos os dias, quando com oito dias, ou mais, de feito, começava a ficar duro.
Digo “que se julga saber” porque a ciência não para e, da mesma maneira que um produto de bom passou a mau, outros, como a gordura da sardinha, de maus passaram a bons. Depois de anos de algum afastamento promovido por campanhas poderosas e adversas, visando outras gorduras e outros lucros, o azeite, de mau, passou a bom e está, de volta, triunfante.
Nesse tempo (anos 30 e 40 do século XX), dar pingo era dar “sustância era dar alimento, qualidade que era julgada dar-se acrescentando gordura. Contra a falta de gordura escreveu Falcato Alves (1994), “são as açordas peladas … não fazem mal nem bem, é só pão e água… caem nas calças e não põem nódoas”. Sopas sem “olha” (gordura) que se visse não tinham a bênção de quem as comia. Outra demonstração desta crença em que cresceu a minha geração está no provérbio popular, entretanto caído no esquecimento “Sem toucinho na panela, que fique o diabo com ela”.
“Gordura é formosura” afirmava a minha mãe quando nos punha um pedaço de toucinho branco no prato do cozido, dizendo «isso tudo é para comer», uma frase, que se ouvia com frequência.
Idêntica procura de soluções que transformassem o mesmo pão de sempre em algo mais apetitoso e variado conduziram à nossa açorda e à “refogada” de que ainda hoje se fala nos Açores.
No pingo de toucinho branco tirado da salgadeira, cortado às fatias, faça um refogado bem apurado de cebola e alhos picados e de louro, juntando-lhe, quase no fim, uma muito pequena quantidade de massa de pimentão.
Acresce-lhe a água a ferver e, com este caldo, regue as fatias de pão, já dispostas na terrina.
Acompanha com o toucinho frito e ovos escalfados.