D O C U I D A R
Cuidar é consolar. É olhar do avesso, partir do outro. E ver a cor do sangue a formar-se e, com espanto e alegria, perceber que sendo igual é diferente. Cuidar é um verbo antigo e lindo que significa nada menos que amar. A propósito do amor e da amizade escreveu D. Francisco de Portugal, no século XVII, estas palavras tão belas como necessárias: «O amigo pretende para o que sempre ama e o amante para o que pode deixar de amar. Um cuida de si, o outro descuida-se de si». Cuidar é descuidarmo-nos de nós, entregarmo-nos a quem amamos sem querer troca ou agradecimento. É o máximo exercício de liberdade afectivo porque não quer reciprocidade – como o amor dos pais aos filhos ou dos filhos aos pais. Cuidar é fazer do amor uma flor comum e rara ao mesmo tempo.
Cuidar é ter tempo. Mais: é usar o tempo, entidade inventada por nós, em favor do outro. Arrumar as imperfeições da vida, alisar as arestas dos dias. Muitas vezes cuidar ajuda a redimirmo-nos de nós próprios.
Cuidar é tudo isto e o tanto que nos oferece a caligrafia pictórica de Patrícia de Herédia, uma letra pintada que diz muito e diferente a cada um. É uma mensagem bem-vinda num mundo que parece viver para as barricadas e menos para os abrigos.
No cuidar encontramos santuário. Cuidem-se, cuidemo-nos.
Nuno Miguel Guedes, Dezembro de 2019
Patrícia Herédia nasceu em Lisboa, em 1973. Frequentou diversos cursos de pintura, estudou História de Arte e Desenho na Escola de Arte ArCo em Lisboa. Na Flórida formou-se em arte. Realiza exposições individuais e participa em coletivas, estando a sua obra representada em coleções públicas e privadas em Portugal e em países como França, Inglaterra, Austrália, EUA e Polónia. Em Cascais apresenta um conjunto de obras de técnica mista sobre tela e papel.
Até 29 Março 2020
Centro Cultural de Cascais (piso 2)
Fonte: Fundação D. Luís