Por detrás desta fotografia está um misto de sentimentos. Um misto de sentimentos contraditórios entre si, mas que de alguma forma encontraram, ao longo dos dias anteriores, uma forma harmoniosa de conviver e coexistir entre si. Um misto de sentimentos que, neste último dia completo antes de regressar a Puerto Montt, vai desde a felicidade ao ligeiro desapontamento.
Comecemos pela felicidade. Como não ser feliz estando aqui? A ideia de atravessar o mundo para estar na Carretera Austral enche a alma de todos aqueles que sempre sonharam poder conhecê-la. Ter a possibilidade de estar por cá, fazer o que fizemos, ver e sentir o que vimos e sentimos, com a companhia mais indicada para o efeito, não existindo nenhum contratempo digno de registo, não podia resultar num outro sentimento. O cumprir um sonho de criança e ter diante de mim paisagens que jamais acharia possível um dia ver e apreciar presencialmente tem o condão de tornar tudo mais especial. Mas não só. O facto de ainda assim ser surpreendido, de presenciar coisas que não achei que fosse presenciar, também contribui para um tal desfecho. Desde praias de areia negra que se estendem até perder de vista, a golfinhos e leões marinhos a brincar aos pares em pleno oceano, pelicanos com voos rasantes que transportam sabe-se lá o quê no seu bico, e mais, muito mais. Bastava uma coisa boa ter acontecido ao longo deste início de viagem para que tudo valesse a pena, e coisas boas não faltaram. Ainda bem que assim o foi.
No entanto, não só de sentimentos positivos, de borboletas na barriga e estrelas nos olhos, se faz uma viagem. Por essas e por outras, um outro sentimento, de ligeiro desapontamento, também se apresentou ao serviço em especial no quinto dia de jornada. Acreditar que, assim tão rápido, já teriam terminado os nossos dias por cá, custa a assimilar. Tudo se passou demasiado rápido, esfumaçando-se num comprido segundo sem que disso se tivesse sequer dado conta. Mas não só.
Tanto quanto se saiba, a ninguém assiste o poder de controlar as condições meteorológicas num determinado momento e num certo lugar. Se tal fosse possível, e sem desprimor pela validade da premissa de que uma viagem se marca também por contratempos e pelas suas imperfeições, sinto que talvez tivesse querido ter uma palavra a dizer. Quero com isto referir que o clima nem sempre esteve do nosso lado. A chuva constante impediu algumas das caminhadas que pretendíamos fazer, de tão forte que caía em determinados momentos. O vento nem sempre permitiu paragens agradáveis de longos minutos para apreciar a paisagem que se estendia constantemente diante nós. Alguns parques nacionais encerrados para reabilitação nos dias em que com eles nos cruzamos, em virtude do mau tempo, frustraram os ocupantes do nosso carro. E o nevoeiro, o raio do nevoeiro, desempenhou um papel lamentavelmente preponderante ao cobrir algumas das paisagens mais bonitas e icónicas que desejávamos ter visto desafogadas, sem os picos das montanhas cobertos por uma camada cinzenta que apenas contribuiu para o fortalecimento da nossa imaginação. Uma pena, dir-se-á.
Em todo o caso, tudo visto e ponderado, dúvidas não restam, sequer, de que ter vindo aqui valeu a pena. Caso a apreciação final desta parte da viagem se medisse em pratos de uma balança, a verdade é que foram muito mais, e relevantes, as coisas boas que as menos boas, que nem más chegaram sequer a ser. E quando assim é, ainda que um misto de sentimentos se faça sentir, aquilo que nunca existirá é um pingo de arrependimento.
Por João Barros