PARA ALÉM DA FOTOGRAFIA – DIA 23 Buenos Aires (San Telmo), Argentina

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Por detrás desta fotografia está um prazer. Um prazer que não é só meu, é certo, mas que o sinto enquanto tal o suficiente para sobre ele escrever. O prazer a que me refiro é o de fazer uma viagem como a que agora está prestes a terminar com uma máquina analógica.

O facto de gostar de usar uma máquina analógica não invalida que não goste de viajar com uma máquina digital, porque também gosto. Em todo o caso, usar uma máquina analógica tem, para mim, um encanto especial.

Quando preparei a viagem ao Chile e à Argentina ponderei seriamente que máquina iria utilizar. O espaço na mochila não era muito, por isso haveria que tomar uma decisão: fotografava com a máquina digital que me acompanhou noutras viagens? Ou, pelo contrário, arriscava e fazia-me acompanhar apenas e tão só da máquina analógica e um número limitado de rolos? A decisão acabou por recair sobre esta segunda opção.

Parti para o Chile e a Argentina com a minha Fujica STX-1 e com uma objetiva Fujinon de 55mm montada na sua frente. Um rolo de trinta e seis disparos na máquina, cinco exatamente iguais num bolso protegido da mochila. Numa viagem em que nos iríamos cruzar com paisagens de cortar a respiração, bem como passar uns dias numa cidade agitada e em ebulição que chama fotógrafos de todo o mundo aos seus passeios, a decisão poderia ter sido outra, mas a verdade é que não o foi.

Para fotógrafos entusiastas e amadores que, como eu, sentem uma necessidade inexplicável de tentar captar tudo o que um determinado local tem para oferecer, usar uma máquina analógica pode ser extremamente desafiante. Em vez de disparos ilimitados, nesta viagem apenas e tão só teria direito a duzentas e dezasseis fotografias para levar comigo para casa. E isto no melhor cenário, claro está, em que tudo corre bem e nem a máquina, nem um dos malditos rolos, decide pregar-nos uma partida.

O facto de ter um número limitado de disparos obrigou-me, ao longo da viagem, a ser mais calmo e ponderado. A escolher o momento exato, a pensá-lo, a aguardar para ver qual o melhor contexto a dar a cada fotografia. O mudar o rolo e protegê-lo, ter a certeza que está seguro para não o perder, o não saber se uma fotografia ficou bem ou mal, tremida ou nítida, com sobre ou subexposição, o simples facto de ter de aguardar pela revelação final para perceber se todas as recordações da viagem sequer existem, ou não… há um sem número de variáveis que devem ser tidas em conta para o fotógrafo amador que usa uma máquina analógica.

Será que quero gastar uma fotografia aqui? Ali à frente ficará melhor? Sempre posso voltar atrás… sim, viajar com alguém que goste de fotografar pode ser uma faca de dois gumes: as memórias ficarão registadas para mais tarde recordar, sim, mas requerem-se doses elevadas de paciência até que a fotografia ideal seja captada. As minhas desculpas, desde já, aos meus companheiros de viagem. Quando se usa uma máquina analógica, esta e outras preocupações agigantam-se, já que não é possível testar de forma ilimitada aquilo que gostaríamos de poder fazer.

Durante esta viagem fui mais comedido, não me limitei a fotografar só por fotografar. Escolhi os momentos, aguardei serenamente, pensei nas fotografias que pretendia tirar, daquilo que gostaria de mais tarde recordar. Fui paciente, seletivo e não me limitei a pura e simplesmente carregar no botão. Antes de cada fotografia verifiquei atentamente a velocidade e a abertura, para ter a certeza do que estava a fazer.

É certo que foram vários os momentos de incerteza, incluindo durante o longo período de tempo – que me pareceu muito mais longo do que aquilo que verdadeiramente foi – entre entregar os rolos para revelar e receber a versão final. Umas fotografias ficaram bem, outras não. Algumas retratam exatamente o que pretendia, outras estão completamente comprometidas e equivalem a disparos aparentemente desperdiçados. Mas a verdade é que, ao fim e ao cabo, desperdiçados nunca serão.

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