GRANDE ENTREVISTA – DEOLINDA

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Um ano depois de lançarem um dos melhores álbuns de música portuguesa das últimas décadas, “Outras Histórias”, os Deolinda apresentam-se nos dois Coliseus, de Lisboa e Porto, para comemorar 10 anos (!) de carreira.

Quando esta reportagem sair à rua, já ela estará tomada pelas histórias destas duas noites de festa de arromba, embaladas por bailarico e funaná, por dança de roda e bombos estridentes, por uma novíssima bossa portuguesa ou por marchinhas de carnaval do recôncavo baiano. Sim, porque a música dos Deolinda é tudo isto e muito mais! E o muito mais, é o cuidado com que Pedro da Silva Martins usa a nossa língua, fazendo de cada canção uma elaborada história portuguesa contada a partir dos pequenos nadas do dia-a-dia. O resto é o contrabaixo de Zé Pedro Leitão imiscuindo-se nos devaneios musicais das duas guitarras dos irmãos Martins com a voz de Ana Bacalhau.

Tem sido assim desde o começo. Desde os tempos dos ensaios no restaurante de família na Damaia e das primeiras apresentações públicas em pequenos espaços de Lisboa: animadas conversas em família tendo por mote a música popular portuguesa que deram origem a “Canção ao Lado”, primeiro álbum do grupo que rapidamente atingiu o impressionante galardão de quadrupla platina e a quarta posição no World Music Charts Europe.

Dois anos depois “Um Contra o Outro”, single de apresentação do novo álbum “Dois Selos e Um Carimbo”, considerado pelo Sunday Times como um dos melhores discos de World Music de 2010, bate recordes nos tops e confirma a Deolinda como a mais original e consistente banda de música popular portuguesa do novo milénio.

No início de 2011 “Parva Que Sou!”, apresentada ao vivo no Coliseu de Lisboa, torna-se hino de uma geração estrangula- da pela falta de perspectivas. O Deutsche Welle chama-lhe “banda sonora da crise” e os Deolinda transformam-se, mesmo que inconscientemente, no rosto da contestação social. “Sou da geração sem remuneração” começava Ana Bacalhau, olhos cerrados, corpo resignado, avançando num crescendo que terminava com “sou da geração eu já não posso mais, que esta situação dura há tempo de mais e parva eu não sou”, num grito de revolta que abraçou o Coliseu e partiu para as ruas e para as redes sociais. Nunca se vira nada assim!!! A música voltara a intervir social e politicamente e a geração à rasca ganhava uma voz.

Em 2013 lançam “Mundo Pequenino”, depois de uma tournée pela Europa, que lhes valeu o epíteto de “uma das melhores bandas europeias” pelo britânico “The Times”. E em 2016 decidem juntar ao quarteto alguns músicos mui- to lá de casa e outros, menos useiros e vezeiros nestas coisas da música popular, para fazer “Outras Histórias”, o melhor álbum de música popular da última década. Dito assim até parece simples, e talvez seja pelo menos para eles que “brincam” com isto da música desde crianças.

Pelo meio, escreveram, compuseram, cantaram e tocaram um pouco por todo o lado. Ana Bacalhau reuniu em “15” as músicas que a marcaram desde a adolescência e encheu de encanto a Casa da Música e o São Luiz em seis es- pectáculos inolvidáveis. Cantou Amália, Piaf, Janis Joplin, Elis Regina, Pearl Jam e muitos outros, num exercício de irrepreensível versatilidade. Para o álbum “Cumplicidades” de António Chainho, gravou uma música com letra de sua autoria, “Certo Dia” e emocionou o exigente público do Festival Caixa Alfama, num espectáculo dedicado em exclusivo a fados tradicionais. Pedro da Silva Martins, além de compor todo o reportório de Deolinda, escreveu músicas para Mariza, António Zambujo, Cristina Branco, Marafona e muitos outros. Venceu o prémio de melhor canção do ano de 2012 atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores, pelo tema “Des- fado”, que deu título ao álbum de Ana Moura. Exímio contador de histórias, aventurou-se como dramaturgo com a peça infantil “Retrato Falado”, a convite de João Fazenda, com quem editaria, um ano mais tarde, o livro para crianças “Porque Chora o Rei?”, em parceria com Leonor Tenreiro.

Prolíferos, irrequietos, talentosos, genuínos, os Delinda conversaram com a BICA no foyer do Teatro da Trindade, momentos antes do último ensaio para o concerto solidário que realizaram em Lisboa com Fábia Rebordão no final do ano passado. Uma conversa sobre estes dez anos de intensa actividade, sobre a música popular portuguesa, sobre Lisboa, sobre o Fado e sobre um retrato do país que vão desenhando a partir dos pequenos nadas do dia-a-dia. “Acho que há muita dignidade quando se consegue falar de coisas simples de uma forma artística”. Pedro da Silva Martins dixit.

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