Chapéus há muitos – Hoi An

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Como dizia já o Vasco Santana na primeira metade do século passado, ‘chapéus há muitos, seu palerma’! E não é que há mesmo? Há chapéus para todos os gostos, de todas as formas e feitios. Há chapéus de todas as cores, cada um com a sua função concreta ou sem ela, com várias origens e de diferentes nacionalidades. Sim, os chapéus são como nós, cada um tem as suas próprias características, cada um veio ao mundo com uma missão em particular – isto para quem acredite nessas coisas.

Temos os famosos bearskin da guarda britânica inglesa, que reza a lenda mais não passam de uma técnica de vestuário para fazer parecer mais alto quem os usa e, consequentemente, mais intimidante. Há ainda a acolhedora ushanka russa que não anda cá com rodeios e serve para proteger o seu portador da neve e do frio. Há quem entenda não ser possível estar numa estância balnear sem um clássico panamá, que para alguns combina maravilhosamente com os três botões de cima da camisa de linho totalmente desabotoados. Tudo isto sem esquecer o redondo sombrero mexicano, que mais do que uma função protetora em relação ao sol, já sabemos, existe sim para ser colocado em cima da cara durante a tão desejada hora da siesta.

Chapéus há muitos, muitos e nos quatro campos do mundo. E cada um serve a sua própria função. Há chapéus que servem para proteger do sol e do calor, outros que protegem da chuva. Uns combatem o frio cortante e só parecem servir para isso mesmo, enquanto outros não passam de meros adornos sem qualquer utilidade senão a de funcionar como tentativa de embelezamento do cocuruto de cabeça alheia, num perfeito encaixe semiesférico sem qualquer razão de ser – caso contrário, por que é que alguém usaria uma cartola?

Os chapéus são muitos, são variados e multifacetados. E se os começássemos a enumerar nunca mais saíamos daqui.

Mas eu quero é debruçar-me sobre um chapéu em particular, aquele que, pode-se dizer, é o meu chapéu favorito. Este não é um chapéu qualquer e não se confunde com outros. Não. Este é um chapéu feito de bambu, diretamente da natureza para o topo da cabeça, que é expressão máxima de uma cultura e de um povo. Vive no Sudeste Asiático, na península da Indochina, e dá pelo nome, entre o meio dos chapéus – sem grande rigor científico, vá -, de Non La. Estou a falar do tradicional chapéu vietnamita.

O Non La, que tomo a liberdade de tratar pelo primeiro nome tal como faço com todos aqueles que me são queridos, é um chapéu especial. É um chapéu que não olha a classes, não olha a quem o usa. Não, o Non La parece poder ser utilizado da mesma forma, e com igual sentido de orgulho, por todos aqueles que se queiram aventurar ao longo do comprido e estreito Vietname. Homens e mulheres – mais mulheres -, nobres e camponeses – mais camponeses -, no interior ou na costa – mais no interior -, toda a gente pode usar, e usa, o Non La.

O Non La protege do sol excessivo todos aqueles que, nos arrozais de perder de vista, sofreram no passado mas olham com um sorriso para o futuro. Em simultâneo funciona como símbolo cultural orgulhosamente usado à sombra no meio da cidade. O Non La protege vilas inteiras, sob uma só cabeça, das monções que todos os anos visitam cada região do país, e ao mesmo tempo serve de cabaz para transportar os legumes e as frutas que serão alimento de uma família durante os dias que se seguem.

Todos o podem usar e por isso todos o usam. Em todo o caso, há algo que devamos saber antes de usar o Non La. Na verdade, parece haver um denominador comum a todos aqueles que o usam. Há como que um requisito que tem necessariamente de ser sempre cumprido para poder colocar o Non La sobre a nossa cabeça. Esse requisito é o sorriso. Quem usa o Non La tem de estar a sorrir. Não sempre, já que tal não seria exequível, mas pelo menos depois de os seus olhos se cruzarem com os de qualquer outra pessoa. É a única exigência associada ao uso do Non La. Se queres usar o Non La, tens de sorrir. Um sorriso que tanto pode ser discreto, maroto, só detetável no canto da boca, como pode ser de orelha a orelha, rasgando toda uma cara que repousa à sombra do bambu. Um sorriso por vezes desdentado situado a sul de uma cordilheira de rugas que mais não são que a memória dos quentes verões já passados. O tipo de sorriso não interessa. Tem é de se sorrir.

Se pudesse escolher um qualquer chapéu para ter e tivesse de ser só um, escolhia o Non La. Será que o utilizaria com o mesmo sentido de compromisso com que é utilizado por todos os vietnamitas? Não, certamente que não. Mas isso não quer dizer que o Non La fique esvaziado de funções, nem nada que se pareça.

Se tivesse um Non La, quando não o utilizasse na cabeça guardá-lo-ia pendurado numa parede de minha casa contra um fundo branco. E aí o Non La teria uma renovada função, a acrescentar a todas as demais. Em tal caso, o Non La funcionaria como meio de transporte. Cada vez que olhasse para ele, de forma instantânea, daria por mim a viajar para um sítio diferente. De cada vez que o olhasse sentir-me-ia outra vez no meio de um arrozal em pleno Vietname. A roupa estaria colada ao meu corpo pela humidade que se faria sentir em todo o lado e ao longe ouviria sorrisos que, a cada segundo, parecem estar mais perto. Sim, seria desta forma que eu usaria o Non La.

Quem diria que os chapéus poderiam ter também uma função assim?

 

Texto e Fotografia de João Barros

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