“Certain women” é o título de um filme de Kelly Reichardt de 2016. Baseado em short stories de Maile Meloy, conta pequenos episódios da vida de três mulheres que ocupam o ecrã de Reichardt através da excelente representação de Laura Dern, Kirsten Stewart e Michelle Williams, no cenário do agreste e gélido Estado de Montana. Muito tem sido escrito sobre este filme: que é sobre frustrações e falhas de comunicação ou oportunidades perdidas de relacionamento; que é sobre pequenas e breves demonstrações de empatia e, sobretudo, que é sobre um feminismo tranquilo por explorar histórias de mulheres angustiadas (ainda que não assumidamente) mas corajosas, cujas presenças físicas são frágeis e contingentes, com frequência negligenciadas até no panorama do cinema indie.
Estes aspetos, a desarmonia familiar (sobretudo na vida da personagem de Williams), a persistência, o esforço permanente em agarrar e (re)construir estruturas sólidas de caráter e de identidade como uma espécie de salvação, são traços de personagens de dois livros que li nos últimos tempos: Elena Greco e Lila Cerullo, de Elena Ferrante, ou até da Lucy, de Philip Roth em “Quando ela era boa”. Nestes dois casos, as personagens femininas são jovens e fortes, mas desprovidas de qualquer garotice e, por isso, sempre dispostas a arregaçar as mãos para o trabalho duro que lhes permite alcançar um pata- mar de dignidade e integridade superior. Ao mesmo tempo, experimentam uma dor quase insuportável, sabendo como ninguém o que significa o sacrifício e a luta do dia-a-dia. A intenção de Ferrante e Roth será a de passar uma ideia de mulheres imunes a sentimentos como a tristeza ou a melancolia, fraquezas demasiado mundanas e mesquinhas. São mulheres de princípios e sólidas convicções que procuram praticar todos os dias, à medida que enfrentam as adversidades da vida.
Pensando bem, o ponto em comum entre Reichardt, Ferrante e Roth é esse exercício de dar voz a partes interiores destas mulheres (e de tantas outras que se revêm em Elena ou em Lucy) que são abafadas pelas próprias e oprimidas por terceiros, mas que deviam ser conhecidas por todos nós. Uma espécie de feminismo tranquilo.
Por Graça Canto Moniz