Juntar 50 estudantes universitários, o Primeiro Vice-Presidente da Comissão Europeia, cinco membros do Governo, entre eles dois ministros, vários eurodeputados, o Chefe da Casa Civil da Presidência da República e jornalistas dos mais relevantes meios de comunicação nacionais na mui leal e nobre Vila de Marvão, terra raiana, encrostada nas serranias de S. Mamede, das mais afectadas pela adesão do nosso país à Comunidade, para, durante três intensos dias, discutir a Europa é, no mínimo, uma ideia original. Mas foi exactamente isso que a Representação Permanente da Comissão Europeia em Portugal, chefiada por Sofia Colares Alves, decidiu fazer, após o sucesso da primeira edição do Summer Cemp, realizado em 2017, em Monsanto.
Durante três dias, um canto recôndito do interior do Alentejo, habitualmente ocupado exclusivamente por velhos alentejanos, mãos grossas, pele tisnada, cabeça erguida, com a suave altivez que só o orgulho numa vida honrada de trabalho consegue dar, encheu-se de gente e inundou de vida uma das regiões mais esvaziadas do país. A Europa invadiu Marvão e apoderou-se das ruas, das praças, dos jardins e, até, do alto da torre de menagem, de onde, dizia Saramago, “o viajante murmura respeitosamente: Que grande é o mundo.”, para se discutir a si própria, sem formalismos, sem preconceitos, sem papas na língua. E a verdade é que resultou. E resultou, muito pelo empenho e dedicação de Raquel Patrício Gomes e da jovem equipa de comunicação da Representação Premanente da Comissão Europeia em Portugal, que conseguiram transformar o Summer Cemp numa experiência única de interacção entre todos os intervenientes.
A Bica conversou com Raquel Patrício Gomes, em Bruxelas, no dia em que, acompanhada por alguns dos participantes no Summer Cemp 2018, foi apresentar à DG de Comunicação o projecto, que será replicado em outros países europeus, nomeadamente, na Polónia.
Como surgiu a ideia de organizar o Summer Cemp?
O Summer Cemp nasceu de uma conversa à volta da mesa, entre a nossa equipa de comunicação da Representação Permanente da Comunidade Europeia, em que nos desafiámos a encontrar soluções que nos aproximassem dos estudantes, sobretudo, daqueles que consideramos serem os multiplicadores da Europa em Portugal, que são os estudantes de Jornalismo e de Ciências Políticas. Tendo a percepção de que os estudantes de jornalismo não estão inteiramente ao corrente daquilo que a Comissão Europeia faz todos os dias e não sendo possível percorrer as escolas de jornalismo do país, achámos que era engraçado trazê-los até nós. Definida a ideia, pensamos num novo formato de debate e discussão, que nos afastasse do tradicional encontro em Lisboa e nos permitisse uma maior proximidade e interacção e surgiu a ideia de levar estes jovens a discutir a Europa no interior de Portugal.
Explica-nos o motivo por essa opção pelo interior do país?
A opção pelo interior partiu da necessidade que sentimos de estarmos onde normalmente estamos menos e de encontrar cenários inspiradores que nos permitissem formatos um bocadinho alternativos, como falar da Europa no Miradouro do Castelo de Marvão. Por outro lado, muitos desses jovens não passam pelo interior, não conhecem o interior e embora alguns sejam do interior, não conhecem todos os interiores, portanto, para nós fazia sentido incentivar uma interacção dos participantes com as comunidades locais. Assim, no primeiro ano, fomos para Monsanto e no segundo para Marvão.
Numa época em que a informação nunca esteve tão acessível a todos, porque é que sentiram a necessidade dessa aproximação aos estudantes? A que é que se deve esse desinteresse dos jovens em relação à União Europeia?
Esse desinteresse não é só característico da comunicação sobre a União Europeia, tem a ver com as instituições na generalidade. Os cidadãos tendem a estar cada vez mais afastados da vida política dos seus países, portanto, não diria que é um exclusivo da União Europeia, mas no caso específico da UE, cumpre-nos a nós, diminuir esse desinteresse. O Primeiro Vice-Presidente, Francis Timmermans, quando esteve connosco em Marvão, contou uma história muito engraçada e reveladora: a mãe dele, holandesa, emigrou para Paris e, a certa altura, irritou-se com um grupo de miúdos franceses e mandou-lhes um raspanete, naturalmente, em holandês. Os meninos franceses não perceberam o raspanete e continuaram a fazer exactamente a mesma coisa e a senhora achando que não tinha sido compreendida decidiu gritar, ou melhor, dar um raspanete mais sonoro. Claro que os meninos franceses continuaram sem perceber o raspanete por muito alto que a senhora gritasse, por isso, produzir mais informação e gritar mais alto não implica, necessariamente, mais informação aos cidadãos. Achamos importante que a forma como comunicamos seja diferente para que as pessoas se sintam ouvidas, se sintam próximas. Para isso é fundamental que tenham a percepção do trabalho que fazemos, que conheçam as nossas caras e a Sofia Colares Alves que é a nossa representante da Comissão Europeia em Portugal faz muito esse trabalho de dar a cara, de se aproximar.
O que mais te surpreendeu nestas duas edições de Summer Cemp?
Em primeiro lugar é preciso entender que optámos por um formato às cegas, nunca testado, de interioridade, com grande interacção com a comunidade local e colocando protagonistas da vida política em contacto directo com 50 jovens e não sabíamos bem como iria correr. Normalmente, estas pessoas cruzam-se pontualmente em conferências, na universidade, mas não estão habituadas a esta proximidade e a esta informalidade. Por isso, aquilo que na verdade me surpreendeu, para ser muito honesta, foi a relação em dois sentidos que se estabeleceu entre participantes, oradores e moderadores e a quantidade de ideias diferentes sobre a Europa que daí resultaram. O facto de estarmos todos a falar sobre a Europa de uma forma menos formal do que aquela a que as pessoas estão habituadas, não significa que não saibamos exatamente qual é a posição de cada um. O que quero dizer com isto, é que, ao levarmos a Marvão o Primeiro Vice-Presidente da Comissão Europeia, cinco membros do governo, eurodeputados de todos os quadrantes políticos, o Comissário Carlos Moedas, que desde a primeira hora está connosco, tínhamos a exacta noção do que cada um representa, o importante para nós era passar a mensagem de que, por trás daqueles cargos, por trás do senhor ministro, por trás do senhor comissário, por trás do senhor vice-presidente da Comissão Europeia está uma pessoa que tem ideias próprias e com quem eu posso falar e de quem me posso aproximar e com quem posso ter uma conversa durante um jantar, durante um almoço, sentado no muro do castelo ou enquanto vamos todos juntos para uma conferência que decorre no meio do jardim em bancos de madeira. Este era o nosso objectivo e, quando vimos o Ministro Pedro Brandão Rodrigues a conversar noite fora com os estudantes no bar do Castelo, ou quando percebemos a interacção do Primeiro Vice-Presidente da Comissão com os estudantes durante o jantar, ou quando assistimos à Marisa Matias a cantar com um grupo de jovens, só para dar alguns exemplos, ficamos com a sensação de ter atingido esse objectivo.
Explica-nos como é feita a selecção dos participantes e a preparação necessária para que o Summer Cemp resulte desta forma.
Os participantes candidatam-se e são seleccionados com base nas suas motivações, no seu currículo e na sua experiência, mas, sobretudo, com base naquilo que escreveram ou disseram sobre uma ideia para a Europa. Não queremos saber se essa ideia é espectacular, se é boa, se é cara, se é barata, queremos é que, de facto, demonstrem que têm uma ideia para a Europa. Depois, como temos a exacta noção de que não se conhecem entre eles, porque vêm de universidades diferentes de todo o país, criamos um grupo online, cerca 1 ou 2 meses antes do evento e, onde eles começam a interagir. E é muito curioso, porque, logo ali, gera-se uma certa empatia, com troca de informações, discussões sobre temas mais genéricos de dimensão política, sobre a carreira profissional e isso é muito importante, porque quando estes 50 jovens chegam a uma aldeia ou vila, neste caso Marvão, já estão familiarizados uns com os outros. Nesta edição, por exemplo, alguns deles criaram músicas em conjunto, encontraram-se antes do evento e quando chegaram já eram um grupo homogéneo. Isso facilita muito o nosso trabalho, porque a estes 50 participantes somam-se mais ou menos 50, 60 oradores e colaboradores (nós não fazemos muita distinção entre oradores e moderadores, porque são todos facilitadores de conversa) que temos de colocar a interagir com estes participantes. Muitos deles ficam a residir durante o Summer Cemp, o que também facilita essa interacção, porque permite momentos extraordinários de conversa, de enriquecimento para todos, em particular para os estudantes que não têm, normalmente, a possibilidade de interagir com um director de jornal, com um ministro, com um dirigente político desta forma. Poder conversar com eles, fazer um caminho com eles até algum lado, trocar impressões, saber como é que foi o ERASMUS do Ministro da Educação, saber quais são as preocupações sobre a Europa que o Primeiro Vice-Presidente tem e, depois, poder-lhe colocar questões directamente é algo único. Por outro lado, para os oradores e moderadores, este formato também acaba por ser interessante e não é só por causa do networking, mas porque estão cansados dos formatos muito tradicionais e acabam por se interessar em ouvir estes estudantes com quem não convivem habitualmente e que são jovens interessados por estes temas. Finalmente os jornalistas que podem ou não estar a escrever matérias sobre o evento, porque muitos deles estão com a função de moderação ou de oradores, também acabam por ter interesse em participar num evento com um formato tão informal. Portanto, temos um triângulo que funciona.
A verdade é que o modelo teve tanto sucesso que suscitou o interesse dos parceiros europeus.
É natural que o facto de termos conseguido reunir, num local inóspito e longe dos grandes centros, o Primeiro Vice-Presidente da Comissão, Ministros do actual Governo, líderes de opinião, comentadores dos principais canais televisivos, eurodeputados, desperte alguma curiosidade por parte dos nossos colegas europeus e que, por isso, tenham demonstrado interesse, não só na possibilidade de replicar o modelo em outros países da UE, mas na possibilidade de trazer participantes de outros Estados Membros e juntá-los aos nossos para fazer um Summer Cemp em Portugal mais alargado ou, eventualmente, pensar numa escala Europeia e replicar o modelo num local mais central geograficamente. Mas, o que é realmente importante, aquilo em que eu acredito, é que a Europa só se afirma verdadeiramente na vida das pessoas, através da partilha: dos ERASMUS, das trocas, desta facilidade de circular livremente e de fazer circular ideias, porque quando as ideias circulam, de facto, geram coisas extraordinárias. Nós ficamos muito contentes, obviamente, por uma ideia que nasceu em Portugal poder ser exportada ou adoptada por outros Estados Membros, mas o que realmente importa é a possibilidade de incentivarmos as pessoas a conversar livremente sobre os caminhos de futuro para uma Europa que se pretende cada vez mais forte e solidária.
Por: Bruno Esteves
Fotografia: Bruno Pires / Comissão Europeia