Sístole

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Sístole, exposição do fotógrafo Renato Cruz Santos e do artista sonoro Duarte Ferreira, é apresentada até 30 de Abril, no Arquipélago – Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande, Ilha de São Miguel, Açores. Uma proposta que cruza a instalação sonora e a fotografia para agarrar o pulsar do território açoriano.

Inaugurada a 30 de Março, no âmbito do festival Tremor, Sístole apresenta uma série de fotografias e de sons que resultam de um trabalho de pesquisa e de recolha visual e sonora, por parte dos dois artistas, nos três grupos de ilhas que constituem o arquipélago dos Açores e que nos mostra imagens e sons menos habituais, explorando aquilo que está para além do que é visível e audível.

Uma viagem a um lado menos conhecido e menos óbvio de ilhas como Santa Maria, São Miguel, Terceira, Pico ou Faial, onde podemos observar imagens de superfícies rochosas, de espécies não endémicas, imagens de ambiências sci-fi, plantas que se assemelham a seres alienígenas, ambientes de florestas encantadas, ambientes celestiais e estelares, em sintonia com sons que convocam uma paisagem que se faz representar por elementos sonoros recolhidos que exploram lugares menos acessíveis ao ouvido nu do ser humano.

Nas caves do Arquipélago, a exposição está dividida em três zonas, onde o som e a luz de cada zona contagiam a próxima, “como se tratasse de uma chamada para um próximo caminho, um apelo à curiosidade. Isso acontece logo à entrada das caves onde numa sala escura e entre arcadas ‘ancestrais’ apenas se vêem rasgos de luz”, refere Renato Cruz Santos.

Numa das zonas, existe a predominância da cor vermelha onde, para além de diversas fotografias iluminadas, existe uma escultura – uma pedra pomes iluminada – sob a toada de Pressão/Pressure. Numa outra zona, há a necessidade de aproximação e exploração além do visível – existem zonas negras e desalumiadas, becos ou supostas passagens a explorar e que exigem a curiosidade de quem visita estas caves. Aqui, há um aglomerado de pedras vulcânicas que vale a pena ver muito de perto: o que à primeira vista pode ser percepcionado como um simples aglomerado de pedras, transforma-se em algo mais precioso, com o auxílio de uma lupa, revelando diversas cores iridescentes imperceptíveis a olho nu.


© Renato Cruz Santos

A exposição inclui também uma fotografia de basalto consumida por fluxos lentos de água que se tornaram calcários, tal como a paisagem catacumbica que a rodeia. Por se tratar de uma imagem de papel super fino e sensível, “há também o objectivo de que, no decorrer da exposição – um mês – a densa humidade de 100%, que foi o gatekeeper da produção da exposição, consuma de fungos o papel duplicando o seu significado”, sublinha Renato Cruz Santos.

A recolha das três faixas sonoras que fazem parte da exposição – Pressão/PressureCriatura/Creature e Sístole|Diástole/Systole|Diastole – da autoria de Duarte Ferreira, foi baseada, segundo o próprio, “em field recordings utilizando diversos tipos de microfones, onde se incluem os hidrofones e os de contacto, na tentativa de explorar lugares menos acessíveis ao ouvido nu do ser humano. Em todas as gravações foi utilizada a técnica de captação estéreo, tirando partido dos atributos que esta técnica potencia nos termos de espacialização sonora”.

Como refere a sinopse de Sístole, “nestas reentrâncias desalumiadas, os olhos são-nos inúteis e guiamo-nos pela toada percorrendo trilhos sem garantia de ligação ou fim. Essa reverberação constante revela-nos um subsolo, lembrando uma estética de caos, prisão subterrânea ‘tão abaixo de Hades quanto a terra do céu’, que pode levar-nos a espaços tão próximos do coração da ilha onde, a toda a hora, bombeiam outras cores, a lava, o sangue. A iminência da escoada lávica e da matéria cuspida que outrora já avassalou a paisagem com obscuridade, eclipsando-a do sol, moldando-a e esculpindo-a, contraria a ideia idílica e predominante da natureza primitiva, do verde. Existem outras cores, outras texturas, outros limites, que circulam por túneis arteriais em constante mutação, e que a Humanidade, desde que aqui chegou, tentou explorar para além do que é visível”.


© Álvaro Miranda/Arquipélago

Uma viagem de Renato Cruz Santos e Duarte Ferreira por uma terra que treme e um mar que geme:

“No caminho lento, atento, parámos várias vezes para escutar, observar, ou simplesmente permanecer ali. Em algumas alturas nem as máquinas tirámos do saco. Nem os microfones, nem os cabos foram ligados. Era mais importante sentir o movimento oscilante da terra e do mar, e explorar um outro lugar. Seguimos um batimento murmurante e fomo-nos aproximando de falésias, afastando as urzes e, agachados nas pedras do calhau, vimos crescer vida nas poças da maré vazia. Subimos aos montes, embrenhámo-nos na floresta e desaparecemos em buracos das rochas. Como se à procura de alguma coisa perdida. Na verdade, não procurávamos senão aquilo que ainda não conhecíamos. Quando decidimos gravar estes momentos, o vento e a chuva eram ainda crianças, mas cedo rasgaram forte, fazendo gritar as criptomérias gigantes e batendo palmas nas copas dos inhames e das bananilhas. Como se de um espetáculo se tratasse, vejam só! Mas antes de ter sequer começado. Abrigámo-nos por uns momentos. Dentro daqueles buracos na rocha húmida pingante, os gritos chegavam tarde e repetiam-se em forma de estalos perpétuos. Uns longos e fundos, outros ténues e quase calados. Nenhuma pinga seria igual à outra e todas elas caem da mesma maneira. Sem medo!”

A exposição pode ser visitada no de terça a domingo, das 10:00 às 18:00 e a entrada custa 3€ e é gratuita ao domingo (ver descontos) e acontece no seguimento de uma exposição preliminar de Duarte Ferreira e Renato Cruz Santos, realizada em 2019, também no âmbito do Tremor.


© Álvaro Miranda/Arquipélago

Sobre Renato Cruz Santos

Renato Cruz Santos é um artista multidisciplinar natural das Caxinas, Portugal. No seu trabalho, Cruz Santos explora maioritariamente as temáticas da memória, imaginário ficcionado e desconstrução do real. Grande parte do seu trabalho é produzido na sua terra natal onde tem vários projectos, de longo termo, em desenvolvimento.Trabalha activamente em várias vertentes de fotografia como jornalismo, música, teatro, dança, cinema – dividindo-se maioritariamente entre o Porto e Lisboa. Tem feito regularmente fotografias para discos e publicado em diversos livros da Galeria Municipal do Porto e Coletivos Pláka.

Exposições
2023 – Sístole, com Duarte Ferreira, Arquipélago Centro de Artes Contemporâneas –  Ribeira Grande
2019 – Lúgubre, com Duarte Ferreira, no Via Aberta – Porto
2019 – Sístole, com Duarte Ferreira, Galeria Brui – Ponta Delgada

Publicações
2020 – Nortada

Residências
2022-2023 – Residência Artística no festival Tremor, Ponta Delgada
2022 – Residência Artística no festival Rádio Faneca, Ílhavo
2018 – Residência Artística no festival Tremor, Ponta Delgada

Site: www.renatocruzsantos.com
Instagram: renatocruzsantos + camembert.electrique
Facebook: renatocruzsantos

Sobre Duarte Ferreira

Duarte Ferreira nasceu no Funchal. É director de som, designer de som e artista sonoro. A sua actividade tem sido desenvolvida com maior expressão na área do som para cinema documental e de animação. É membro da equipa de audiovisual da unidade de Inovação Educativa da Universidade do Porto. É licenciado em Tecnologia da Comunicação Audiovisual pela ESMAE – Politécnico do Porto, em 2008. Vive e trabalha no Porto.

Exposições
2023 – Sístole, com Renato Cruz Santos, Arquipélago Centro de Artes Contemporâneas –  Ribeira Grande
2021/2022 – Língua Franca com Ian Carlo Mendonza, Arianna Casellas, Paddy Shine, Cecília de Fátima, Ece Canli, Henrique Apolinário, Mariya Nesvyetaylo, Marlene Ribeiro, Alex Morgan, Joaquim Durães, Luís Sobreiro e Pedro Monteiro. Alpendurada (Marco de Canaveses) e Paradela do Rio (Montalegre).
2019 – Sístole – instalação sonora/fotográfica de Duarte Ferreira e Renato Cruz Santos, Galeria Brui. Integrada e comissariada pelo Tremor Festival, Ponta Delgada, Açores, (2018- 2019). Curadoria de Joaquim Durães.
2019 – Lúgubre – instalação sonora/fotográfica de Duarte Ferreira e Renato Cruz Santos, integrada na exposição colectiva Via Aberta – Sonho De Uma Noite De Verão, C.C.Mota Galiza. Comissariada por Luisa Mota e com a curadoria de Rita Roque, Sonja Câmara e Ana Rocha.
2019 – Atmosferas Líticas – instalação colectiva de João Almeida, Helder Folgado e Duarte Ferreira, integrado no ILHÉSTICO, um roteiro de arte contemporânea para a cidade do Funchal. Uma exposição comissariada por Miguel Von Hafe Pérez e inaugurada a 6 de Setembro de 2019 no Forte de São João Baptista (Pico Rádio), no Funchal.
2019 – Água Dura – instalação sonora integrada no ILHÉSTICO, um roteiro de arte contemporânea para a cidade do Funchal. Uma exposição comissariada por Miguel Von Hafe Pérez e inaugurada a 7 de Setembro de 2019 na Galeria Porta 33, no Funchal.
2018 – Sístole, com Renato Cruz Santos no festival Tremor, Ponta Delgada.

Residências
2022-2023 – Residência Artística no festival Tremor, Ponta Delgada
2022 – Hidden Track (1a parte) com Sara Anjo, Espaço do Tempo, Montemor-o-Novo.
2022 – Hidden Track (2a parte) com Sara Anjo e Nadia Yracema, Le Grand Studio, Bruxelas

Créditos: Renato Cruz Santos

Fonte:speak.pt

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