PETRA KAMMEREVERT

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Presidente da Comissão de Cultura e Educação do Parlamento Europeu

No passado dia 4 de Abril chegava a Portugal uma delegação de nove deputados da Comissão de Cultura e Educação do Parlamento Europeu, entre eles, Liliana Rodrigues, a única deputada portuguesa que integra a Comissão, para um périplo por diversas instituições públicas e privadas ligadas ao sector, dois dias antes de artistas e agentes culturais saírem à rua, numa manifestação de protesto contra os parcos recursos orçamentais do Ministério que os tutela e exigindo um reforço orçamental imediato para a cultura de 25 milhões de euros e a dotação de pelo menos 1% do Orçamento de Estado para o próximo ano. A implicação imediata desta contestação foi o cancelamento do encontro previsto para a manhã de dia 6 entre a delegação europeia e o Ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, empenhado em suster o descontentamento generalizado dos agentes do sector.

Alheios à contestação, os deputados europeus visitaram a Fundação Calouste Gulbenkian, as instalações da Nova School of Business and Economics, o MAAT da Fundação EDP e um projecto de integração social da Fundação Aga Khan. Pelo meio, reuniram com autarcas de Lisboa, Sintra e Cascais e com os presidentes das Comissões Parlamentares de Educação, Ciência, Cultura, Comunicação e Desporto.

No ano que a Europa decidiu dedicar ao Património Cultural, foi o exactamente a riqueza e diversidade do nosso património que mais impressionou Petra KAMMEREVERT, Presidente da Comissão, com quem conversamos no Centro Jean Monet sobre os desafios que se levantam à cultura europeia.

Durante estes três dias de visita ao nosso país fez diversas referências à relevância do património cultural, tanto arquitectónico como imaterial, e à transformação que sentiu na cidade de Lisboa desde a sua última visita em 2005 e que passa em muito, pelo crescimento exponencial do turismo cultural que, se por um lado, arrasta consigo os riscos da gentrificação, para que bem alertou, por outro, tem sido o grande motor da recuperação económica do País. Ora, se o motor da nossa recuperação económica advém de um factor cultural, por que é que no nosso Orçamento de Estado, isto não é reflectido? Não seria natural, e isto é válido para muitos outros países europeus, uma aposta maior na cultura e na defesa do património, se estes se revelam factores fundamentais para o desenvolvimento económico? E já agora, de que forma é que o Parlamento pode pressionar uma maior dotação orçamental para a cultura?

Petra KAMMEREVERT: Tem toda a razão. O património cultural pode contribuir para promover o desenvolvimento e o crescimento económicos. Toda a área da cultura e das indústrias criativas representa uma parte importante da economia de um país. Mas eu penso que há muitos Estados-Membros que já reconheceram que a cultura e a economia criativa representam realmente um factor económico que pode trazer rendimentos às pessoas e contribuir para um desenvolvimento económico positivo.

Uma das razões pelas quais decidimos estabelecer o Ano Europeu do Património Cultural esteve ligada à esperança que temos de através dele promovermos a protecção do património cultural, mas também a utilização da cultura e da arte, atribuindo-lhes uma maior importância, para que nos Estados-Membros também lhes seja atribuída uma maior importância e, desse modo, que o património possa contribuir mais significativamente para o desenvolvimento económico. Isto, por um lado. Por outro, é preciso ter em conta que não se trata apenas de economia, mas também de pessoas. Eu penso, antes de mais, que só seremos capazes de preparar um bom futuro se conhecermos o nosso passado e também o passado da Europa.

Nós temos muitas semelhanças, temos raízes históricas comuns, vivemos juntos crises e guerras na Europa que soubemos ultrapassar. E penso que é necessário sabermos extrair lições para o futuro dessas crises e catástrofes. É por isso que é importante não nos focarmos apenas no património cultural edificado, mas também darmos a conhecer a história e reconhecer os erros que foram cometidos e quando e onde, para não os repetirmos.

Nessa medida, esperamos que com este Ano Europeu do Património Cultural em que estamos muito empenhados, seja possível dar um impulso, por um lado, no sentido de acordar a mosca identidade europeia e reforçarmos as ligações na União Europeia e, por outro, sublinhar a importância da arte e da cultura como factores económicos, para que todos os Estados-Membros invistam mais em arte e cultura.

Isso é incontestável, mas nós também conhecemos as limitações e os problemas que existem. Conhecemos a situação no nosso próprio orçamento comunitário e sabemos que há necessidade de definir prioridades. Infelizmente acontece, por vezes, que a cultura não está no topo da agenda. Mas devemos continuar a esforçar-nos para combater essa situação, continuar a trabalhar para alterá-la. Para criar uma maior consciência dessa realidade. Para não sermos confrontados com situações como aquela para a qual alertou um antigo Presidente da República Federal Alemã, Johannes Rau, quando disse que a arte e a cultura não são o creme em cima do bolo, mas o fermento na massa. E esta parece-me ser uma imagem particularmente sugestiva.

Referiu algumas vezes a necessidade de acordar a identidade europeia. Existe, de facto, uma identidade cultural europeia? E, se existe, como é que se deve conciliar – e é importante que se concilie – com uma diversidade cultural, regional e nacional que, de certa forma, acaba por ser o grande motor cultural da Europa?

Antes de mais, penso que ter uma identidade europeia e ter uma identidade regional ou nacional não representa uma contradição.Posso sentir-me uma habitante de Dusseldorf, a minha cidade-natal, posso sentir-me alemã, mas posso sentir-me também europeia. Eu acredito que não há nisso qualquer contradição. Não se trata de alcançar uma identidade para descartar outras identidades, mas, como disse, a Europa viver da sua diversidade. E a diversidade de identidades culturais faz parte dessa Europa, constitui uma riqueza que a Europa tem e que se exprime naturalmente também nos modos de vida das pessoas.

Não tenho a certeza de que já exista algo como uma identidade europeia. E penso também que é algo que não se pode ordenar a partir de cima. As coisas não funcionam assim. Não podemos decidir no Parlamento Europeu que, a partir de amanhã, todos têm uma identidade europeia que consta do seu documento de identidade. Não é assim.

Por isso, penso que a identidade europeia tem de crescer a partir de baixo. Na Comissão da Cultura e Educação do Parlamento Europeu reputamos os programas de intercâmbio de jovens particularmente importantes porque acreditamos que, através dos intercâmbios, se desenvolve um conhecimento recíproco, se juntam pessoas com origens culturais distintas e que, desse modo, pode surgir uma identidade comum. E é por isso que, para nós, é tão importante que esses programas continuem a ser promovidos e alargados. E é por isso também que o nosso programa CULTURA nos é tão caro porque, precisamente, procuramos através dele, não promover projectos culturais nacionais, mas projectos culturais europeus. O que significa que procuramos promover o intercâmbio cultural na Europa. E eu acho que só assim é que pode ser.

Considera que essa nova geração de jovens europeus que pela primeira vez pôde passear pela Europa sem passaporte, que já conheceu uma Europa sem fronteiras e que talvez por isso, se sinta tão europeia como portuguesa ou tão europeia como alemã, será a grande incentivadora do aprofundamento dessa identidade cultural europeia?

Sim, claro. As viagens sem passaporte na Europa, o facto de já não existirem fronteiras, de se poder chegar praticamente a todo o lado sem problemas, é algo que pode contribuir para criar essa identidade europeia. Essa identidade não pode ser imposta e, por isso, a mobilidade e a possibilidade de viajar sem fronteiras são tão importantes.

O problema é que, precisamente porque os jovens, actualmente e felizmente, não têm experiências de guerras, nem conhecem fronteiras nem cancelas e, praticamente, usam todos uma moeda única, sentem todas essas conquistas como naturais, evidentes, como um dado adquirido.E, quando algo se torna natural e é dado por adquirido, começamos a procurar os aspectos negativos e a concentrar-mo-nos, sobretudo, neles (em alemão: das Haar in der Suppe zu suchen, literalmente procurar o cabelo na sopa). E disso resulta não nos limitarmos a tirar o cabelo da sopa, mas pormos tudo em questão, dizermos que está tudo mal e que é melhor regressarmos ao âmbito nacional, onde podemos resolver tudo melhor, porque resolvemos sozinhos. E isto deriva do facto de tudo aquilo que fazemos e que hoje temos, se ter tornado tão natural e evidente.

Mas eu falo com muitos jovens e penso que os jovens reconhecem o valor da União Europeia especialmente quando já circularam um pouco pela Europa. E há muitos que se preocupam com o futuro dessa União Europeia, não por a considerarem uma instituição fantástica, mas porque sabem que tem a ver com as suas vidas. E que, espera-se, não desejem viver de novo em ambientes mais isolados e acreditem que os problemas podem ser mais bem resolvidos em conjunto do que em isolamento.

Por :João Moreira

Foto :FKPH

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