Por detrás desta fotografia está a água na Carretera Austral e Patagónia. Uma quantidade absurda de água, diga-se de passagem.
Muitas vezes apelidada de Terra do Fogo, a verdade é que a Patagónia poderia também ser conhecida como a Terra da Água. Tal nome não lhe cairia mal, de forma alguma. Em todo o lado, para onde quer que se olhe, vê-se e sente-se a presença da água a todo o momento.
Desde a neve que calmamente repousa nos cumes das montanhas, aos rios, riachos e ribeiras que rápida e apressadamente correm o seu curso por entre os altos picos montanhosos, há, por estes lados do mundo, água para todos os gostos e feitios. Há lagos e lagoas de perder de vista, de cor esverdeada e azulada, há braços de mar que rasgam a terra e se encontram com os sopés de colinas inclinadas, há uma humidade constante que se cola ao corpo de quem aqui se decida aventurar e que promete afastar o conforto do seu dia-a-dia. As cascatas e quedas de água que, desde cima, vão alimentando os mares e lagos com água doce, são também uma imagem de marca a rasgar as colinas que recorrentemente nos obrigam a olhar para cima em busca da sua origem. Há água por todo o lado, e parece que está cá para ficar.
A chuva cai incessantemente, apenas permitindo, a curtos intervalos, que o sol dê um desesperado ar da sua graça no sul do mundo. A precipitação pode muitas vezes demover as pessoas de agir e de se lançarem à estrada, de fazerem coisas. Retira a vontade de caminhar, de parar para tirar uma fotografia e respirar o ar fresco da montanha. Afinal de contas, o conforto proporcionado por uma lareira, ou mesmo pelo aquecimento do carro, falam muitas vezes mais alto. Mas por cá isso não pode acontecer, sob pena de sermos levados a não fazer nada. Há chuva, sim, quase sempre, mas como se diz por aí por entre os defensores da utilização da bicicleta como meio de transporte diário nas cidades europeias, “não há mau tempo, há sim mau equipamento”. E não é que têm toda a razão? De impermeáveis em riste, numa tentativa de impermeabilização máxima e com a vontade inabalável, atrevemo-nos a conquistar a Carretera Austral, dê por onde der. Não são umas meras pingas (muitas pingas, vá!) que nos vão impedir de o fazer.
Por cá há água até mais ver, e é também isso mesmo que faz deste um sítio tão especial. Tão verde, tão vivo e simultaneamente tão inóspito. Quem por cá habita há muito se habituou à água, e com ela aprendeu a viver e conviver. Barcos, pontes, impermeáveis, botas e a convicção de que a chuva não mata ninguém, todos aprendem desde cedo a lidar de perto com a água e até a valorizá-la, ela que tão preciosa é para tudo e todos nós.
A água na Patagónia, e em particular na Carretera Austral, faz parte da paisagem que quisemos vir explorar. Que alternativa resta, então, senão abraçá-la, mesmo quando bate forte e violentamente contra o vidro do carro, parecendo que nos quer impedir de aproveitar a zona de acordo com o que a mesma tem para oferecer? A água nas suas várias formas e aceções faz parte da viagem que nos propusemos fazer, faz parte da forma de viajar por aqui.
Enquanto escrevinho algumas linhas no meu caderno de bolso, recordando-me do quão húmido e molhado o meu corpo está, eis que surge diante de mim um arco-íris com algumas das cores mais vivas que alguma vez vi. Sem água, tal não seria possível. Afinal de contas, tanta água não é tão mau assim.
Por João Barros