(Mais uma) Opinião

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Portugal sempre foi um país muito diferente dos outros países Europeus.

Lidámos com uma crise financeira de uma forma absolutamente séria e ordeira quando todos esperavam de nós uma fuga para as trincheiras! Escrevi que íamos ficar mais rijos, mais espertos, mais imunes e mais fortes. E ficámos. Voltámos a interiorizar os genes dos antepassados, dos que cerravam os dentes e entravam mar adentro para enfrentar o cabo das tormentas. Carregados de medo do Adamastor, mas cheios de coragem para o enfrentar.

Ter medo é bom. Dá-nos lucidez e retira-nos “aventurismo”. O pior que um povo cobarde pode ter…é medo, mas o melhor que um povo corajoso pode ter, é uma enorme dose de medo! E nós sempre fomos corajosos! Portugal nunca terá os mesmos rácios para o COVID19 que nos apresenta uma Itália, uma França, uma Espanha, um Reino Unido. Tenho esta convicção de tal forma enraizada que ouso escrever sobre ela e selá-la na perpetuidade dos meios, neste caso, a Bica! O futuro julgará esta opinião, o futuro dirá se conheço o País tão bem como acho que conheço e se conheço as pessoas tão bem quanto conheço.

O sistema de saúde Português de tão débil que ficou desde a crise de 2008, construiu para si próprio uma mecânica especial de gestão de situações críticas. O COVID19 tem sido regido na maioria dos países por uma curva logarítmica que já todos nos fartámos de ver: infetados, internados, e mortes parecem um algoritmo matemático de exatidão indiscutível (chamam-lhe os especialistas de SIR). Não vale a pena sequer olharmos para ela. Para o bem e para o mal, Portugal nunca terá essa curva! Não sei se nos nossos hospitais impera a lei dos fractais, movimentos brownianos, estatística quântica ou qualquer teoria do caos. Sei que regressões lineares não funcionam como não funcionam as logarítmicas. São demasiado básicas para os Portugueses. Somos muito mais extraordinários (e complexos) do que isso!

O nosso corpo de profissionais de saúde (médicos, investigadores, enfermeiros, auxiliares, etc…) é de excelente nível e talvez dos melhores do mundo. São capazes de fazer um Hospital funcionar como um organismo vivo destinado a oferecer vida. A gritante  falta de recursos como espaço, camas, terapêuticas, etc…com que se deparam à anos levaram à constituição de uma singular orgânica natural com uma permanente gestão de caos que se mostra tão pouco confortável na comodidade do doente quanto eficaz na missão de curar.As nossas equipas não se assustam com falta de recursos, as nossas equipas multiplicam qualquer recurso de uma forma que talvez elas próprias não sejam capazes de explicar.  Existe uma obrigatoriedade resultante da necessidade de otimizarem o insuficiente que têm. O clima de sobrelotação nos nossos hospitais tem sido, infelizmente, permanente. A pandemia agravou uma falta latente, mas quem já gere com falta, sente menos a falta de uma maior falta, certo? Nunca houve camas para todos nos hospitais, ou medicamentos, ou equipamentos, ou enfermeiros, ou médicos…mas ninguém sai do hospital sem atendimento, sem cuidado, sem afeto, sem dedicação e muitas vezes sem uma dose de alternativas que as equipas competentes têm legitimidade de encontrar para suprimir cada falta. A nossa fraqueza do passado pode representar perante uma situação caótica como a do COVIO19 nossa maior força.

No final do dia o que conta não são os infetados, mas sim as mortes. O numero de infetados apenas aumenta a probabilidade de mortes…Ou não! Os profissionais de saúde farão grande diferença nos números que estão para vir com a pandemia, nomeadamente naquilo que serão as mortes decorrentes do vírus. Eu mantenho-me convicto de que vão ser muito, muito menos do que noutros lugares ao ponto de estar convicto de que seremos ainda um caso de estudo da forma como estamos a lidar com esta ameaça, mas há mais para sustentar a minha determinação em dizer que Portugal não vai ser Itália ou Espanha, e isso tem a ver com a nossa (desarranjada) estrutura demográfica. Mais uma fraqueza que será neste caso uma grande força na luta contra o COVID.

Portugal é um país tão envelhecido quando desequilibrado na dispersão demográfica! As duas grandes cidades concentram a grande parte da população, sendo que o interior está cada vez mais isolado…e envelhecido. O nosso interior tem uma barreira sólida e invisível ao vírus que se chama isolamento natural e permanente. Temos em Portugal dois grandes grupos de idosos: Os que, estando nas grandes cidades, estão desagregados de uma vida social, e os do interior, que estando longe de tudo, nem sequer têm contacto com os seus familiares que vivem nas tais cidades maiores. Fazer chegar um vírus a certos idosos é tão difícil como encontrar a tal agulha num palheiro.

E o que se pede a todos no combate ao vírus? Que se isolem os de maior risco, ou seja, os idosos que infelizmente já deixamos isolados desde longa data. Ora neste momento o que de melhor podemos fazer…é mesmo deixar os idosos sossegados, “esquecidos” e “isolados”, prestando-lhes o apoio tão possível quanto distante.

E os números atuais sustentam tudo isto? Não…Sim…Talvez…

A curva logarítmica de 18 de Março está a ser cumprida na perfeição no que diz respeito a contágios : Deveríamos ter 650 e temos…650! A minha teoria está portanto a falhar nesta parte.

Por outro lado temos conseguido manter estável e abaixo de 20 o número de pessoas nos cuidados intensivos, e é aqui se começa a ver o trabalho médico que corrobora a minha convicção. É pouco, muito pouco! Com estes números Espanha e Itália já tinham 20 mortes e muitíssimos mais internamentos em CI! Os números de contágios tem aumentado, mas relativamente poucos têm chegado aos cuidados intensivos e, sobretudo, os falecimentos são um décimo dos que aconteceram noutros países com igual número de infetados! Hoje estão cerca de 80 infetados nos hospitais e o restante em internamento ao Domicílio! Que melhores indicadores precisaríamos de ter?

Em cima disto também temos outra grande diferença na faixa etária de pessoas infetadas e que faz toda a diferença no que está para vir: A maioria de casos em Portugal está abaixo dos 50 anos, ou seja, localizado na população activa que, não tendo doenças crónicas, tem muitas condições para atirar o vírus janela fora com relativa simplicidade. As estatísticas estão contra nós tanto menos do que os resultados verificados que estão a nosso favor. Capacidade de resposta médica e idosos “protegidos”. A fórmula que todos apregoam é natural em Portugal!

Todos temos uma opinião, sendo difícil perceber a fronteira entre o que é racional e o que é uma mera esperança cega. No meu caso, estou-me nas tintas quanto a ter razão ou quanto a ter esperança. Tenho medo, como todos têm e/ou deveriam ter, porque o medo nos torna lúcidos, responsáveis e nos dá uma gigantesca capacidade de resposta se lhe adicionarmos coragem.  Quero ter a certeza de que seremos diferentes, ou melhor, marcaremos mais uma vez a nossa diferença!

Nem consigo inumerar o que tantos já fizeram por todos e as tantas iniciativas impressionantes que se construíram para ajudar cada um de nós. Somos assim, um por todos e todos por um, comandados pela calma, racionalidade e união que o momento exige. Nem sempre uma estratégia é evidente a cada um dos soldados.

Esta luta não se vai extinguir com o vírus. Ficarão enormes efeitos colaterais pelo que a luta só acabará quando todos estivermos no nosso caminho de sempre, sem medo de adoecer, sem medo de perder a casa, sem medo do desemprego, sem medo de falir, sem medo de errar!  Entretanto, “des-isolamos” os idosos e damos ao nosso sistema de saúde o que realmente é necessário, porque a lição deve ser aprendida e apreendida.

Uma coisa é certa! Nada será como era dantes…ou pelo menos esperemos que assim seja!

O mundo precisa…e vai melhorar!

 

Bernardo Mota Veiga

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