Segundo Jean Paul Sartre, não somos resultado do que o passado fez de nós, mas do que fazemos com esse passado.
O futuro vai ser digital, as compras vão ser quase todas online e a ecologia vai ser sobretudo marinha. O combate ao CO2 e aquecimento global será feito no mar e não em terra.
Olhar o futuro sem desconstruir o passado é tão oco quanto vão. O passado não é uma construção de nós, mas a desconstrução do que nos parece infalível. É tão insensato atirar as culpas do que somos para o passado quanto achar que o futuro é o X do resultado de uma “regra de três simples” dos resultados passados.
Sartre está certo. Somos o que somos pela forma como lidamos com o passado e não pelo passado em si. Posso ter passado fome no passado, mas isso não é pré-condição para a fome que vou passar no futuro. Posso ter sido feliz no passado, mas isso não implica que o venha a ser no futuro. Posso ter sido injusto no passado e ser o mais justo de todos no futuro. É por isso que é sempre mais difícil lidar com o passado do que lidar com o futuro. O passado já nos correu nas veias e o futuro talvez ainda vá correr. O passado já nos fez colher emoções enquanto o futuro apenas nos oferece suposições.
A vida é feita de emoções. Triste e apático é aquele que não se emociona e que, portanto, não consegue apreender nem uma ponta do esplendor que a vida representa. É quase sempre mais fácil cobardemente assumirmos que somos consequência do nosso passado e que, portanto, nada podemos fazer pelo futuro. Não. Não existe nem uma linha de regressão linear, nem uma outra qualquer estatística que nos projete um destino só por que o ponto de partida foi mais ou menos turbulento.
O futuro pode causar ansiedade e medo pelo desconhecido, o passado causa muito mais do que isso sobretudo porque é algo que não podemos mudar e com o qual temos que aprender a viver. A única virtude do passado é poder-nos mudar a nós!
Na minha tese de Bioética defendi a “Teoria de correlação aplicada ao princípio da vida infinita”. De forma muito resumida: Extrapolei de que forma o ser humano foi “construído” com uma fórmula infinita em que o passado de cada um interfere com o passado de todos os outros o mesmo acontecendo com o futuro de cada um que advém da soma do passado de todos. Fui ainda mais longe ao tecer considerandos quanto à forma como a própria não existência condiciona toda a existência.
Em suma: Estamos ligados. Estamos todos demasiado interligados ainda que mais fortemente conectados a uns do que a outros, o que faz com que cada um dos outros seja uma consequência dos uns! Existe uma correlação entre a vida de um Malawi e a minha que a distância não consegue apagar.
No futuro a energia vai ser o hidrogénio e posteriormente os muões, vai ser implementada a democracia digital e a comunicação vai ser não só instantânea como auto destrutível.
Os futuristas são iguais a todos os outros com a diferença de conseguirem juntar as variáveis do passado de uma forma tão harmoniosamente perfeita que o futuro acaba por lhes parecer óbvio. Não são muitos os que chegam a este nível de consciência inconsciente que carece de experiência, atenção ao detalhe, acutilância, perspicácia, humildade, e de um pacote muito equilibrado de tudo e de atenção a todos… Prever o futuro é para especiais, porque só consegue ver o futuro quem tem muito bem arrumado o seu passado. Afinal de contas é o passado que torna o futuro infinito e portanto só na morte que se começa efetivamente a construir o futuro. Os grandes futuristas só foram efetivamente “premonitórios” após a sua morte, porque de tão especiais que são, os seus olhos veem o que outros nem veem, nem compreendem. Ironicamente é na morte de uns que o passado se fecha para cada um e que o futuro se abre a todos os outros e é por isso mesmo que a morte dói tanto.
Quando tudo parece acabar é afinal quando tudo começa e lá vem outra vez a questão da vida infinita que para além de infinita é também quântica já que passado e futuro não se ligam pela mesma linha mas sim por um “salto”. De forma binária podemos dizer que a vida é infinita e binária, em que ora está em zero, ora está em um.
O mercado de ações vai desaparecer para dar início ao financiamento cooperativo e a economia global deixará de se gerir por PIBs (Produto Interno Bruto-contas passadas) mas por PHB (Potencial Humano Bruto-potencial futuro).
A proximidade é a chave para todos nós já que todos estamos ligados, mas todos estamos ainda muito longe uns dos outros. O mundo só será verdadeiramente justo nos direitos e nos deveres quando os sapatos de uns servirem aos outros e quando conseguirmos acumular em nós o passado, presente e futuro dos outros. Não quero ser catastrofista e assumir que o mundo está perdido, mas assusta-me o mundo estar tão dividido. A doentia defesa na individualidade de cada um distanciou-nos daquilo que constrói a vida: A sociedade. Somos indivíduos sim, mas não devemos nem podemos ser individuais.
O mundo passa por uma crise global que, talvez pela primeira vez, afetará efetivamente todos os indivíduos. Ricos, pobres, católicos, protestantes, altos, baixos, homens, mulheres… Esta pandemia (talvez uma de muitas, ou até mesmo muitas em uma) veio para nos tocar a todos e para nos mostrar o quão próximos estamos apesar da distância. Vai-nos tocar a todos, mais cedo ou mais tarde e de forma mais direta ou indireta. Não foi a pandemia que mudou o futuro, porque o futuro não se muda. Esta pandemia revelou-nos o futuro, o tal que não quisemos ver, mas que foi construído lá longe na tal individualidade em que o mundo se transformou. Se não fosse COVID era outra coisa qualquer a deixar patente o mal que fazemos ao planeta, o mal que fazemos ao próximo, e a selvática e egoísta forma como muitas vezes ignoramos os outros só porque calhou estarem longe, nascerem longe, viverem longe. Só boas pessoas podem desenhar um futuro melhor, construindo no presente o passado do futuro.
Precisamos de gente boa em maior número do que de gente má. Precisamos de confiar antes de desconfiar. Precisamos de entregar aos bons corações as boas ações, mas precisamos também de dar força aos agregadores e encaixotar os desagregadores.
O momento é oportuno para ânsias e revoltas, para oportunistas agregadores, para políticas selváticas, e para ganâncias desmedidas. Mas se os bons forem mais do que os maus, no final do dia, tudo se transformará numa perceção integradora da vida humana, numa real aceitação da diferença, do fim da individualidade e do começo de uma nova geração movida por outros meios e por outros valores.
A televisão acabará imediatamente após os jornais, o ensino será mais genérico e menos especializado, e o crime acabará por desaparecer.
A morte faz-nos ficar mais perto dos que amamos. Faz-nos encontrar o nosso espaço dentro deles e guardá-los no espaço que lhes dedicamos. Seguir a sua obra não é uma opção, mas sim uma inevitabilidade, porque a morte dos que amamos é simplesmente uma mudança para o quarto do lado e não nos retira a capacidade de nos falarmos e ouvirmos e de evoluir numa relação que muda mas não se altera. A morte é afinal a constatação da proximidade ou a derradeira oportunidade de aproximação. A morte é afinal um dom que se pode e deve celebrar com um bom rum, e ao som dos The Doors, porque aqueles que nos atravessam a vida e que temos oportunidade de amar, mudam-nos e, ao morrerem, deixam-nos abertas as portas do futuro. Só a nós nos cabe decidir o que fazer com o passado que tivemos oportunidade de ter vivido com aqueles com quem vivemos.
O mundo vai ser melhor!