LUZES, CÂMARAS…MÚSICA!

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A música teve sempre um papel primordial no mundo do cinema. Muito antes sequer de se ouvirem os protagonistas das películas, era a música que ditava o ritmo da acção e criava todo um ambiente ideal para melhor contextualizar o espectador.
No cinema mudo
, por exemplo, o princípio da arte, os intervenientes tinham de, dadas as limitações da época, confiar exclusivamente na sua capacidade mímica e na sua destreza física, para fazer passar a mensagem e cativar toda uma plateia, e uma sociedade, cada vez mais curiosa em relação ao novo fenómeno. Quanto à música que acompanharia o filme, na maior parte das vezes, ele era exibido numa tela, perante uma vasta plateia, e a música tocada ao vivo. Os artistas, compositores e maestros eram os responsáveis por organizar e manter a música de acordo com a narrativa do filme.
Uns anos mais tarde, a música passaria definitivamente para a tela
, e bandas sonoras próprias para os filmes seriam uma realidade constante. Talvez o primeiro exemplo disso terá sido em 1927, com o filme ‘O Cantor de Jazz’, de Alan Crosland, onde a fala e o canto foram incluídos. O mote estava dado. Pouco depois, Max Steiner, em 1933, elaborava todo o arranjo e a trilha sonora para o filme ‘King Kong’. Daí até aos dias de hoje, muito mudou: os protagonistas ganharam voz, os diálogos multiplicaram-se, a tecnologia evoluiu, a indústria floresceu… a música, essa, mantém-se, como desde o início, uma fiel, e inseparável, aliada da sétima arte.

Quer seja num filme, numa curta, num documentário, ou até numa simples publicidade, a música sempre esteve e estará presente nas mais variadas formas, desde a mais elaborada banda sonora até ao mais singelo jingle, qual metrónomo pautando o andamento do projecto. Nas palavras de Tarantino: “Para mim, filmes e música andam sempre de mãos dadas, são inseparáveis. Quando estou a escrever um guião, uma das primeiras coisas que faço é tentar encontrar a música ideal para a sequência inicial“. Ele, tal como tantos outros, necessita obrigatoriamente da sonoridade ideal que dê o mote para o resto da obra, como um farol que guia o barco a bom porto, porque sabe perfeitamente que é também aí que reside o segredo para um resultado final retumbante, para um senhor filme. Muitos chegam ao ponto de moldar os próprios enredos e personagens em função da banda sonora ou música escolhida. Essa sinergia é muitas vezes a chave para cativar as plateias e captar as tão desejadas reacções e emoções. Não deixa de ser curioso a maneira como, em muitas alturas, certas pessoas tendem a ignorar a presença da música nos filmes, dando-a por garantida, o que ironicamente significa, por regra, que o trabalho foi bem feito pelos artífices da obra em questão, tal a qualidade, enquadramento e subtileza com que foi incluída. Pode perfeitamente ser considerada uma beleza sob disfarce, que, sorrateira, mas eficazmente, transporta o público para todo o tipo de estado de espírito, seja para o riso, para o choro, para a reflexão, para a empatia, ou para a raiva.

A música é poderosa, ela comove, ela perturba, ela abala. Num filme, tem de ser quase inaudível. O seu objectivo é servir a narrativa com referenciais de emoção, acelerando-o e desacelerando-o consoante o ritmo, contribuindo assim decisivamente para a construção do projecto. A relação entre os sons e as imagens é tão forte que quando composições de vários filmes são interpretadas em concertos, ou mesmo executadas em rádios ou CD, mesmo quando possuem grande sucesso, são distintas da emoção e do impacto que causam ao serem apresentadas em conjunto com as imagens de um filme. Mais do que isso, ouvir uma música original de um filme tem um impacto diferente para aquela pessoa que assiste ao filme e para aquela que não assiste.
  
Grandes mestres do cinema dizem que é quase impossível fazer um filme sem música. Segundo eles, “a música é o cimento para o filme”. O conjunto de direcção de arte, actores, cenografia, fotografia, tudo o que envolve um filme
, necessita ser ‘cimentado’ pela música. Por essa mesma razão, esses grandes mestres do cinema não abdicam de ter a seu lado, sempre que podem, o melhor compositor que possam encontrar, de maneira a tirar o máximo proveito da sua obra cinematográfica.
Existem vários exemplos de parcerias de sucesso. O realizador Sergio Leone fez questão de pescar o génio do maestro e compositor Ennio Morricone (eu próprio
, um confesso admirador, devo acrescentar), quando realizou, em 1966, o mítico ‘O Bom, o Mau e o Vilão’, e o sustentou com o registo musical elaborado pelo maestro, registo musical esse que antecedeu a gravação do filme. Curiosamente, ao contrário do que normalmente acontece nestes casos, a coluna vertebral foi a trilha sonora. O grande compositor John Williams contribuiu decisivamente, em várias ocasiões, para eternizar grandes filmes, como a ‘Guerra das Estrelas’ ou o ‘Tubarão’, entre tantos outros, solidificando parcerias com realizadores de nomeada, como George Lucas e Steven Spielberg, que, à semelhança de Leone, viam, nestes compositores e nas suas valências, o complemento, ideal e essencial, para as suas obras, uma fórmula vencedora que arrebataria toda e qualquer plateia. O compositor alemão Hans Zimmer é outra referência nessa área. A sua vasta experiência e conhecimento musical foi fulcral para o cinema e suas obras. Foi também ele parceiro de referência para muitos realizadores, nomeadamente para Christopher Nolan, que em várias ocasiões não abdicou da sua excelência. Dei apenas alguns exemplos, estou certamente a esquecer-me de muitos, e mais haveria a mencionar, mas, por outro lado, a história já lhes fez a devida justiça e o público a devida vénia. Obras marcantes e intemporais nunca cairão no esquecimento, por mais que não sejam mencionadas por desconsideradores sem vergonha, como eu próprio (cue riso nervoso e amarelo).

Tudo isto serve para reforçar a essencial, e notória, cumplicidade entre a música e o cinema, dois mundos capazes de proporcionar a mais bela das experiências, de arrebatar as mais variadas emoções, de transformar uma expressão carrancuda num sorriso de orelha a orelha e vice-versa, numa questão de segundos, de provocar o choro compulsivo ou a gargalhada histérica, de nos deitar abaixo ou motivar para o nosso dia-a-dia, e de nos expor o mundo por outra perspectiva. Uma parceria revolucionária, uma dádiva sem preço.

Qual é a banda sonora das vossas vidas? Ouçam-na, as vezes que vos apetecer. Se forem várias, melhor ainda.

“If I make a movie that has a whole bunch of music in it, I get to listen to the music all day long, and I don’t have to say, ‘Well, I gotta go back to work and I gotta stop listening to the music.’… I get to listen to music and go to work.” – George Lucas

 

Por Gustavo Homem

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