Revista Bica nº2 – Ebook

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Descrição

“… tinha uns olhos de mar.
Não eram azuis, nem esverdeados
Eram da cor das ondas em dias de tormenta
E foi ela que me deu forças para continuar…”

Enquanto escrevo Portugal vai ardendo. Há décadas que é assim. Anualmente, o fogo destrói hectares e hectares de matas e de campos cultivados, aterroriza aldeias e mata pessoas. Desta vez matou um número anormalmente grande de pessoas e por isso parámos estupefactos e horrorizados perante o inimaginável, mas esquecidos de que quase todos os anos morrem bombeiros a combater os milhares de incêndios que lentamente vão consumindo uma das nossas maiores riquezas: a floresta. Indignados, erguemo-nos colectivamente numa avalanche arrepiante de solidariedade, mas cumprida a missão e aliviada a consciência, regressámos à nossa vida, desvalorizando um drama que parece não ter fim – a destruição sistemática do nosso património colectivo.

Isto acontece com a floresta, mas estende-se à agricultura que sobrevive exclusivamente à custa do esforço de uns quantos heróis que insistem em acreditar que é possível produzir o que consumimos; às pescas a cuja morte anunciada assistimos incrédulos enquanto, inchados de orgulho, degustávamos as nossas sardinhas, os nossos robalos e os nossos mariscos; à indústria naval que já foi das mais importantes do mundo e de que hoje sobram edifícios fechados e destruídos que nos deveriam envergonhar; ao património edificado que vai ruindo pelo país fora sob o olhar condescendente das autoridades à cultura que, na ausência do mais leve laivo de estratégia política e de meios financeiros, vai definhando diariamente. Alheados a tudo isto, regozijamo-nos com os turistas que nos entram aos magotes pela porta dentro buscando exactamente o que anualmente permitimos que se destrua: as nossas belezas naturais, a variedade dos nossos produtos agrícolas, a qualidade e frescura dos nossos peixes e mariscos, a monumentalidade da nossa arquitectura, a genuinidade das nossas aldeias e cidades, a diversidade das nossas tradições.

Seremos ainda capazes de nos erguermos na defesa do nosso património comum? Percorremos o país para conversar com os muitos portugueses que ainda vão fazendo a diferença na defesa intransigente da nossa matriz identitária.

Portugueses como o historiador Francisco Silva que do Centro Arqueológico de Almada moveu mundos e fundos para garantir a continuidade da Arte-Xávega e a sobrevivência de centenas de famílias da Costa da Caparica; portugueses como o Mestre Mário, pescador de uma vida e verdadeiro artista na arte de preparar redes; portugueses como o Professor Raimundo Mendes da Silva que se dedica há décadas ao estudo da recuperação do nosso património histórico edificado, como forma de garantir uma reabilitação equilibrada e coerente das nossas cidades; portugueses como o Mestre Zé Rito, apaixonado pelos moliceiros da sua Ria, que constrói com as próprias mãos e cuja arte já passou aos netos; portugueses como Domingos Teixeira que o Paulo Moura foi encontrar nos abandonados Estaleiros de S. Jacinto e que se recusa a aceitar o fim de uma empresa onde trabalhou uma vida e que era o seu orgulho; portugueses como o Rodrigo Francisco, Director Artístico do Teatro Municipal de Almada, que apesar das dificuldades mantém vivo o sonho de Joaquim Benite de levar o teatro para a rua transformando anualmente a cidade num enorme palco; portugueses como o Zeferino Coelho, entrevistado pelo Fernando Madaíl, que acreditou nos méritos de um escritor desconhecido e editou o primeiro Nobel da Literatura português.

Nesta edição da BICA trazemos histórias de determinação, de coragem, de motivação e, quase sempre, de fé. Histórias de pessoas que fazem a diferença. Esperemos que vos inspirem. A nós inspiraram.

PS – Num país tão pouco dado a agradecimentos, não queríamos deixar de reconhecer o inexcedível apoio que três jornalistas de excepção têm dado a este  projecto: o Fernando Madaíl, o Paulo Moura de quem temos o orgulho de publicar uma reportagem exclusiva de Erbil no Iraque, a Alexandra Lucas Coelho, entretanto nomeada como finalista para o Grande Prémio de Romance e Novela da APE com o seu último romance “Deus-dará”.

por João Moreira