Revista Bica nº10 – Ebook

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Descrição

“Assim nos tornamos os «analfabetos emocionais» que somos, resumia o cineasta Ingmar Bergman. Não será tempo de voltarmos aos sentidos?”

José Tolentino de Mendonça, in A Mística do Instante

 

Lá por casa havia um telefone, daqueles antigos, pretos, com um disco central com dez obliterações circulares, correspondentes aos números de 0 a 9, e um pequeno círculo interior, onde, sob o belíssimo logotipo dos CTT, se anunciava, em números muito bem desenhados à mão, o conjunto de cinco algarismos que nos ligava ao mundo. Confesso que durante a infância, o telefone lá de casa, era, para mim, apenas um brinquedo igual a tantos outros, com a mágica particularidade de só com ele poder brincar às escondidas, normalmente simulando grandes conversas com destinatários imaginários, até porque, no meu tempo de infância, ainda havia rua. E a rua, como escreve Mia Couto, “era tanto nossa, que ali inventávamos terreiros, estádios de futebol, universos para não ter tempo nem tamanho.” Por isso, a rua era o meu mundo, que dispensava objectos estranhos para comunicar.

Quando chegou a adolescência e, com ela, a urgência da privacidade, o telefone ganhou outra importância na minha vida. De tal forma que não descansei enquanto não convenci os meus pais da necessidade de substituir o cabo que levava as palavras, demasiado curto para me permitir conversas inadequadas aos sensíveis ouvidos dos adultos, por outro, grande o suficiente para chegar a um escritório contíguo, que se transformou rapidamente na minha nova rua nocturna. Mas, mal a idade mo permitiu, troquei, de bom grado, a distância pela proximidade, com enormes vantagens pessoais e, convém dizê-lo, no orçamento familiar. Talvez por tudo isto, tenha resistido tanto ao advento das transformações tecnológicas que estilhaçaram distâncias e configuraram novas geografias e, embora reconhecendo a importância e até o conforto que os telemóveis, a internet e, de certa forma, as redes sociais trouxeram às nossas vidas, continuo a preferir-lhes as palavras, os sorrisos e o toque. Até porque só, olhos nos olhos, conseguimos perceber como a palavra pode ter o tamanho de um sentimento.

Foi sobre a entrega emocional, que dá dimensão às palavras em forma de canto, que falámos com Aldina Duarte, a fadista que busca incessantemente cantar-se a si própria, numa edição em que conversámos, ainda, com Rodrigo Leão sobre o seu novo álbum, “O Método” e sobre as influências musicais que foram desenhando a sonoridade mística que construiu ao longo dos seus invejáveis 25 anos de carreira. Tendo como pano de fundo a forma como se comunica nas mais diversas áreas, convidámos o Professor Carlos Fiolhais a escrever sobre comunicação e ciência; o psicólogo Eduardo Sá a avaliar o impacto das redes sociais na vida das famílias; o jornalista Pedro Santos Guerreiro a analisar a voragem mediática em que vivemos; o psiquiatra Júlio Machado Vaz a explicar o que mudou nas relações afectivas dos portugueses, nas últimas décadas e o director-adjunto da TSF, Ricardo Alexandre, a contar-nos as histórias de uma vida dedicada a partilhar o mundo através do olhar dos outros.

Com esta edição, a BICA chega ao nº10. Durante os últimos três anos, cumprimos o propósito de tentar fazer chegar aos leitores o nosso olhar sobre o país e o mundo. Quase nunca da forma que gostaríamos, mas sempre da melhor forma que nos foi possível. Por isso, é da mais elementar justiça agradecer, em primeiro lugar aos nossos leitores, que fizeram esgotar quase todas as edições da BICA e foram o factor decisivo de incentivo para a continuidade do projecto. Depois, a todos os que, acreditando na BICA, se disponibilizaram para ajudar, escrevendo, ilustrando, fotografando, desenhando. São os nossos Bicaenses, sem os quais esta revista não seria possível. Ainda, a todos os que aceitaram o desafio de se perderem em longas conversas connosco enriquecendo cada edição com as suas histórias de vida. Finalmente, ao círculo mais restrito dos que, com o seu trabalho, com as suas opiniões, sugestões e, sobretudo, incentivo, garantem a sua publicação.

A todos, muito obrigado.

João Moreira