Lisboa e o resto não é só paisagem

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Os preços das casas, mas também as lojas do cidadão que se deslocaram, levaram uma parte dos nossos vizinhos que vinham ao centro tratar dos assuntos da vidinha. Ainda assim, toda a gente vem cá parar. A cada um de vocês hei-de ver, pelo menos, mais uma vez na vida. Exactamente porque estou bem no centro. E assim, vamos saber coisas uns dos outros, porque continuamos próximos, nesta imensa cidade virtual, onde quase todos os amigos continuam juntos.

Mas eu não gosto de viver só a realidade dos que amo. Preciso muito de conhecer também a dos estranhos, compreendê-los, fotografá-los e escrevê-los, até não serem tão estranhos. Não me puxem para um grupo – “nós às sextas (…) tu vais fazer parte e vais gostar muito”. Isso não pode acontecer, porque sufoco só com a ideia.  Para fotografar, prefiro ir sozinha. Se estou a escrever preciso de silêncio. Gosto de ir a festas onde só conheço o dono da casa e lido muito bem com o desconhecido. Preciso desse desconhecido e uma cidade grande tem sempre tanto para nos surpreender.

No que importa, andamos todos ao mesmo. Resumidamente, em busca da felicidade. Um sorriso abre portas em todo o mundo e tem-me dado muitas alegrias. Quem viaja quer saber se é seguro. Quando me fazem esta pergunta, lembro-me de quando, durante as aulas de condução, me ensinaram a não mandar passar as pessoas na passadeira, pois o peão, reconhecendo “a autoridade” de quem vai ao volante não olha para mais nada, e precipita-se para a estrada. Nunca direi que uma viagem é segura, porque quero que olhem para os dois lados antes de atravessar. Mas não é no desconhecido ou nas diferenças culturais, que está o perigo. O perigo é igual em todo o mundo. O perigoso é o ladrão, o criminoso, a pessoa que tem o coração fechado e preconceituoso. Ou as estradas com buracos e sem proteções; as pontes sem manutenção; os barcos sem revisão; os carros mal tratados; o excesso de álcool, entre tantos outros, que podem estar à nossa porta. Na cidade grande ou na aldeia pacata na ponta extrema do nosso mundo.

Sou do género que vê e ouve tudo. Imagino que uma companhia útil em viagem é um descanso para os mais distraídos, e preciso tanto de viajar que me deveria ser prescrito com receita medica. Viaja com cuidados, mas não deixes de o fazer. O prejuízo que o medo causa é muito maior.

Viver no centro da cidade, mesmo com os desatinos que isso causa nas nossas vidas, é para os resistentes. Para os que se queixam do barulho, das casas velhas e pequenas, dos turistas (a quem por muitas vezes acidentalmente respondemos com simpatia), da falta de estacionamento, do lixo. Mas que por muito que se reclame, não conseguimos abrir mão da viagem longa que pode ser atravessar Lisboa em hora de ponta, com truques que só os desesperados e curiosos conhecem e que às vezes nos deixa presos atrás da camioneta do lixo. Não tem problema, até porque às vezes, nessas filas, vai a passar, mesmo ao lado, a pessoa que não vemos há tantos anos e que nos apetecia mesmo encontrar.

 

Por Marta Gonzaga

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