Jonathan Coe – “O Coração de Inglaterra”

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Jonathan Coe nasceu no interior de Inglaterra, em 1961, mas vive em Londres há cinquenta anos e, como afirma, quase começa a entender a cidade. Europeísta convicto, acordou chocado com a notícia da vitória do Brexit, no dia seguinte ao referendo que abalou a política europeia. Decidiu que o seu próximo livro seria sobre o tema. O Coração de Inglaterra, que acaba de ser editado em Portugal pela Porto Editora, recupera as personagens de Rotters Club, devolvendo-as a uma Inglaterra dividida.

Conversámos com o autor de Exposição e Que Grande Banquete! sobre o seu mais recente livro, sobre o Brexit e sobre o humor britânico, na Livraria Déjà Lu, na Cidadela de Cascais, onde acabou de chegar para dois meses de residência literária.

 

Em Middle England, o seu mais recente romance, debruça-se sobre a grande questão política, do momento, no Reino Unido e na Europa, o Brexit.

O livro acaba em Setembro de 2018, há mais de um ano, e, sinceramente, nessa altura estava mais optimista do que estou agora, porque me parecia que, então, iríamos abandonar a EU em condições razoáveis, que estavam a ser negociadas por Theresa May, mas com a ascensão de Boris Johnson, parece que as posições se extremaram, que os ingleses estão ainda mais divididos, talvez por Boris se ter rodeado de políticos neoliberais, que têm contribuído para uma viragem à direita da política britânica e isso implicou um extremar de posições.

Para o Jonathan, que é um europeísta convicto, porque é que o Leave venceu?

De facto, eu não quero abandonar a EU. Acho que a Grã-Bretanha devia permanecer na União, no entanto, já não há nada a fazer. Agora, porque é que aconteceu? Por todo a Europa, há pessoas chateadas com a União Europeia e movimentos radicais a crescer de forma preocupante. Mesmo em Portugal, segundo sei, pela primeira vez, a extrema direita chegou ao Parlamento. Felizmente elegeu só um deputado. Na Grã-Bretanha, as pessoas também estão descontentes com o sistema político, porque não lhes trás prosperidade, não promove uma repartição igualitária dos recursos, sentem-se negligenciadas, frustradas e o que a campanha pelo Leave, inteligentemente fez, foi pegar neste sentimento de descontentamento e direccioná-lo para Bruxelas. “Se sairmos da EU, tudo ficará bem.” Esta foi a grande mentira da campanha pela saída, mas foi uma mentira muito eficiente.

A eficiência dessa campanha resultou, sobretudo, na provícia, porque as grandes cidades votaram pela continuidade.

Resultou, desde logo, em Inglaterra, porque na Escócia, na Irlanda do Norte e, penso que em Gales, o Remain venceu. Depois, Londres votou pela manutenção por larga maio- ria, 75%, se não me engano, por isso sim, foi um problema das pequenas cidades e vilas da província, que é exactamente onde focalizo o meu livro.

Revisitando as personagens de Rotters Club.

Revisitando, antes de mais, uma região onde já não vivo, mas que continuo a conhecer muito bem, porque tenho lá família. No fundo, senti que estava numa óptima posição para escrever este livro, porque me considero um londrino, vivo em Londres há cinquenta anos, começo a entender Londres (risos), mas nasci nos Midlands, por isso senti-me confortável a escrever um livro que retrata essas duas Inglaterras muito diversas.

Eu já andava há bastante tempo com a vontade de escrever um livro que recuperasse as personagens de Rotters Club, mostrando como seria a sua evolução até ao presente, entretanto, aconteceu o Brexit e senti uma urgência enorme de escrever sobre isso. Ainda hesitei, mas pensei, “porquê não misturar?”. Foi o que aconteceu, até porque, para escrever sobre algo tão recente, era confortável ter personagens que já conhecia bem.

Uma das características particulares da sua escrita é aquilo a que nós, continentais, chamamos british sense of humor, de que gostamos muito e que foi imagem de marca de alguns dos mais importantes escritores ingleses do século passado, Evelyn Waugh, Wodehouse, Mitford, David Lodge. Como está o humor na Inglaterra nos tempos que correm?

Felizmente o humor britânico não mudou muito nos últimos 100 anos, embora tema que o humor utilizado por todos esses autores de que fala e talvez por mim próprio, hoje, em Inglaterra, seja considerado antiquado. Costuma dizer-se que as nuances do humor se perdem na tradução, mas, curiosamente, os meus leitores franceses, italianos, portugueses, entendem melhor esse humor do que os britânicos, que preferem os aspectos mais sérios da minha escrita. Estranho, não é? (Risos).

Talvez não (risos).

Há uma história que define isso muito bem. Na Alemanha, todos os natais, passa na televisão uma comédia inglesa chamada Dinner for One, que todos os alemães sabem de cor, porque acham que é a súmula do humor britânico. Em Inglaterra ninguém faz ideia do que seja. (Gargalhada).

Já tem na cabeça o romance que se prepara para começar a escrever aqui, em Cascais?

Sim, já tenho, mas não gosto de falar no trabalho que estou a desenvolver, embora possa revelar que é algo completamente diferente do que já fiz anteriormente e, pela primeira vez, desde há muito, me questiono se serei capaz de escrever este romance. É um livro sobre humor e sobre como o humor e a literatura são intemporais. Não sei mesmo se serei capaz, mas estou muito feliz por estar aqui, e por poder começar este trabalho neste local maravilhoso e inspirador.

 

Por João Moreira  

Fotografia: Bruno Esteves

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