JAZZ – Marty Ehrlich Trio Exaltation

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QUI 27 ABRIL

Pequeno Auditório
21h30 · Duração: 1h
6€ (preço único)
M6

Ciclo “Isto é Jazz?” · Comissário: Pedro Costa

Saxofone alto e clarinetes Marty Ehrlich Contrabaixo John Hébert
Bateria
Nasheet Waits
Poucos músicos têm feito mais do que Marty Ehrlich para passar o legado de Julius Hemphill às novas gerações. Tem-no feito com o seu sexteto e mais recentemente em formato orquestral. Essa dedicação poderia dever-se simplesmente à sua admiração pelo mestre saxofonista, mas tem outra justificação de fundo, o seu entendimento de que o passado do jazz deve ser reequacionado no presente, só assim se podendo inventar o futuro deste género musical. Esse princípio surge confirmado com o seu novo projeto, o Trio Exaltation, desta vez recuperando a música de Andrew Hill (1931-2007; esteve com o seu quinteto na Culturgest em 2006). Fosse por escolha intencional ou por obra do acaso, os três membros deste grupo integraram as derradeiras bandas do seminal pianista e compositor, conhecendo bem as suas partituras e os seus processos. São testemunhos vivos das perspetivas transformadoras que deixou. O facto de Ehrlich, John Hébert e Nasheet Waits não tocarem apenas a música de Hill, mas também a sua própria, diz muito da atitude que têm em relação ao jazz: é possível levar Andrew Hill para mais longe do que o espaço que ocupava, disseminando-o por aí. E podem acreditar que nesta exaltação do génio continua a haver muito Hemphill à mistura…
Few musicians have done more than Marty Ehrlich to pass on the legacy of Julius Hemphill to new generations. This may be due to his admiration for the master saxophonist, but it’s also linked to his belief that only by bringing jazz music from the past into the present can we truly invent its future. This principle underlies his new project, Trio Exaltation, which recovers the music of Andrew Hill. Ehrlich, John Hébert and Nasheet Waits all played in Hill’s last bands, but they also make their own music. This way they can take Hill’s music further, with a lot of Hemphill also in the mix.

Para além de Andrew Hill (e de Julius Hemphill)

 

Ainda que nas quatro décadas de carreira que tem atrás de si Marty Ehrlich tenha contribuído de muitas outras maneiras para a arte do jazz, o seu nome está indelevelmente ligado ao do falecido Julius Hemphill. Poucos casos há de alguém que tanto se tenha dedicado a manter viva a obra de um terceiro, o que fez incluindo temas daquele saxofonista e compositor no alinhamento dos concertos e dos discos que protagoniza ou fundando um «coro de saxofones» – assim chamava ao The Julius Hemphill Sextet – para interpretar as peças deixadas por aquele seminal autor do século XX. Por isso mesmo, quando surgiram as primeiras notícias sobre o Trio Exaltation e a ligação deste a Andrew Hill, outra figura histórica do jazz, pensou-se que Ehrlich estaria a iniciar outra cruzada.

Se assim é, de facto, está a fazê-lo de outro modo, fruto de uma reflexão que vem desenvolvendo sobre a sua própria atividade e a identidade do jazz contemporâneo: «Como é que poderemos levar a música adiante? O trabalho dos artistas no campo do jazz e da música criativa caracteriza-se pela recriação ou pela inovação? Penso muito sobre este dilema. Ter as partituras de compositores como Hemphill e Hill publicadas e disponíveis para interpretação ajudaria a manter a sua música em circulação, mas desde que se seguisse um princípio: o de que as interpretações que lhes fizerem sejam abertas.»

Esta abertura, a noção de que o jazz deve inovar(-se) mais do que recriar, numa perspetiva de reprodução, as glórias do passado, é o que justifica o grupo que formou com o contrabaixista John Hébert e o baterista Nasheet Waits. «O Trio Exaltation é muito diferente do que eu fiz com a música de Hemphill. Não é uma banda de repertório. A conexão está no facto de o John, o Nasheet e eu nos termos encontrado quando tocámos com Andrew Hill. Costumamos interpretar a peça Dusk nos nossos gigs, mais alguma composição do Andrew, mas são sobretudo temas meus que utilizamos, com improvisações à mistura», explica.

O mote pode ter sido a convergência destes três ilustres no universo musical de Andrew Hill, mas há muito mais a justificar o projeto do que esse fator. Uma “exaltação” não funciona necessariamente como um tributo, sabendo-se como se sabe que este rótulo se aplica regra geral a modelos sacratizados: «O que nos liga é bem mais do que essa experiência em comum. O John é como um segundo soprador, dados o seu som cheio e o fraseado forte. O Nasheet é empático e energético. Ambos gostam de tocar um com o outro, e têm uma boa vibração. Tento encontrar coisas que funcionem neste contexto, diferentes do que é habitual. Aquilo que seja mais direto e imediato. A maior parte da música do trio é minha, com algumas peças abertas. Queremos que tudo se mantenha simples, com suficiente material para nos lançarmos a situações gratificantes de improviso. Procuramos uma interação e é nisso que está a minha força. Gosto de improvisação coletiva, e mesmo com formatos de canção ou com grooves desejo sempre que haja muito “toma e dá-me”. Compor no momento é algo que, independentemente do idioma ou da linguagem, ouvimos em toda a história da música, mas excita-me, apesar de também me assustar, pelo difícil que é em muitos aspetos e pelo facto de não haver qualquer garantia de que funcione.»

Ou seja, Andrew Hill está lá, na música, mas não a limita. «Ele não tinha um tipo apenas de composição, e sim uma certa qualidade melódica – sendo eu próprio um músico melódico, essa característica atrai-me particularmente. De qualquer modo, as minhas composições não têm o Andrew como padrão. São outras as frases, os gestos, as ideias», insiste Ehrlich. «Julgo que o trabalho que fui desenvolvendo ao longo destes 40 anos tem sido consistente. Quase todos os discos que lancei contêm alguma peça de outro compositor, mas a fórmula “tocar a música de” nunca me interessou. Gravei três canções de Bob Dylan em três CDs distintos, e tive muito gosto em colocá-las ao lado de uma peça de Billy Strayhorn, de uma de Julius Hemphill ou de uma minha. Já com o Hemphill Sextet a história foi outra. Tratava-se de um grupo de trabalho. Tocava apenas a música dele, não a minha», acrescenta.

Muito provavelmente, Marty Ehrlich nunca teria chegado ao Trio Exaltation se não fosse essa devoção pela música do seu mestre. O Julius Hemphill Sextet permitiu-lhe continuar a estudá-la durante uma década após a morte de Hemphill, porque terá sentido que ainda não tinha resolvidos dentro de si os seus ensinamentos. A relação que teve com Andrew Hill foi outra, mais livre, chegando-lhe num momento de diversificação de parâmetros. «Sou um pan-estilista e tenho prazer nisso. Tenho prazer em lidar com um leque alargado de formas, linguagens e direções. Foi assim que fiz o meu percurso, é autobiográfico. A verdade é ampla, pode ser encontrada nas mais diversas áreas», diz. É esta a verdade de Marty Ehrlich, em jogo com as de John Hébert e Nasheet Waits, refletindo algo da verdade de Andrew Hill e obviamente da de Julius Hemphill, bem como as verdades de outros (Oliver Lake foi também seu professor), mais distantes, todas relativas, pessoais e deliciosamente subjetivas, intuitivas, improvisadas, inovadoras. É com desbravadores de caminhos como este que avança o jazz no século XXI…

 

Rui Eduardo Paes

(ensaísta, crítico de música, editor da revista online jazz.pt)

culturgest.pt

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