“Povo que lavas no rio” e “Fado da Saudade” são duas canções da voz que deu novos mundos ao fado e fado ao mundo.
O Fado e a Saudade são património do nosso Povo, estão no âmago de cada português. Um povo que “terá de pagar o preço, cedo ou tarde, o preço que a aparência exige para ter um mínimo de realidade. (…) o povo que efetivamente trabalha e para quem, como escrevia Goethe, a maioria das revoluções que se fazem em seu nome não significam mais que a possibilidade de mudar de ombro para suportar a costumada canga.”. Eduardo Lourenço, na sua obra O Labirinto da Saudade (Gradiva, 2000) deixa claro que é o povo quem, não raras vezes, tem de pagar a fatura da aparência e recorda a “imprevidência histórica de que várias vezes demos provas desde Alcácer Quibir à descolonização, a eterna surpresa que sublinha as catástrofes mais evitáveis, o nacional grito de «pouca sorte» com que comentamos os desastres que nós próprios elaboramos por inércia ou confiança infinita nas boas disposições da Providência (…)
Vivemos uma crise sanitária, económica e social provocada por um inimigo invisível, mas poderoso, que tem dizimado milhões de vidas humanas por esse mundo fora. Citei o saudoso mestre, filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço, “gigante do pensamento português”, para nos ajudar a compreender um pouco melhor a ideia que foi transmitida, em junho de 2020, pelo senhor primeiro ministro António Costa: “A final da Champions em Lisboa é um prémio aos profissionais de saúde”. Um claro exemplo das muitas imprevidências que poderão ter contribuído para o desenrolar de uma catástrofe putativamente evitável.
Depois de termos desconfinado, governantes e governados deixaram-se impregnar por uma falsa e letal sensação de segurança – “vai ficar tudo bem”. Sentimo-nos vencedores antecipados, na luta contra o inimigo invisível, negligenciando-o. Mais uma vitória moral…
Não é bom pronúncio celebrar antes da hora, até ao apito final, o jogo não termina. Não há vencedores, nem heróis antecipados. O baixar da guarda, deu tréguas ao adversário que nos está a massacrar e a ceifar vidas todos os dias.
Portugal já é o país do mundo que regista mais casos diários de covid-19 por milhão de habitantes. Tudo isto é triste, tudo isto é fado. O fado de um povo a quem não compram a vida, assim cantou a diva:
Povo que lavas no rio
Que talhas com o teu machado As tábuas do meu caixão
Pode haver quem te defenda Quem compre o teu chão sagrado Mas a tua vida não
Temos, todos nós, saudades: dos nossos familiares; dos nossos amigos; dos abraços; dos afetos; das nossas vidas.
A vida não tem preço!
Por José Carreira
Ilustração Luciano Martins