Ou aprendemos a escrever o futuro com as mesmas letras com que escrevemos a esperança ou, face ao presente, não é possível vislumbrar um qualquer amanhã risonho.
Hoje, agora, quando escrevo este texto, os tempos são sombrios.
Não bastavam já à humanidade todos os erros, defeitos e pecados, os de antanho e os contemporâneos.
Voltamos a ser fustigado pela peste, uma nova peste que, se se prolongar muito mais, vai mergulhar-nos numa idade das trevas 2.1, para usar terminologia de agora.
Pelo mundo, ganham protagonismo e raio de acção os demagogos e populistas.
Nós ajudamos, porque cavamos cada vez mais fundo os fossos que nos dividem e as trincheiras em que nos refugiamos.
Erguem-se cada vez mais altas, por todo o lado no espaço público, as barricadas ao pensamento livre e ao exercício de todas as demais liberdades e afirmações das diferenças.
Destruímos o meio ambiente, esgotamos os recursos naturais, condenamos a prazo o planeta e todos os seres vivos que o habitam.
Amamos menos. O próximo. Nós próprios.
Hoje, tudo isto acontece. A maior parte, parece, lá longe e pela TV. Mas já chegou à nossa rua.
É no meio de toda esta sombra que temos de encarar de frente o caminho que queremos percorrer e a luz que o ilumina, mas sem deixar que esta nos encadeie pois, se isso acontecer, podemos ver ainda menos, podemos cegar para o mundo.
Temos de aprender a escrever o futuro com as mesmas letras com que escrevemos a esperança.
Mas a esperança não pode ser um salto de fé. A esperança só se revela na verdade, no conhecimento, em saber dos factos antes de cuidar dos argumentos.
Cada vez mais pessoas no mundo escapam à pobreza extrema. Cada vez mais pessoas no mundo têm acesso a cuidados de saúde, a alimentos e a água potável. Cada vez mais pessoas têm acesso a maiores níveis de escolaridade.
Nós, regra geral, vivemos melhor que os nossos pais, que viveram melhor que os pais deles.
Isto são factos, e tem de ser disto que a esperança se alimenta.
Esta é, tem sido, a marcha da humanidade.
Não se trata de um olhar benevolente, menos ainda ideológico.
Trata-se de olhar os números. Os verdadeiros, não os que nos são martelados de forma descontextualizada pelos media, em doses massivas e constantes, com as convenientes roupagens trágicas e dramáticas que garantem audiências.
A mente humana tem uma propensão subconsciente para prestar maior atenção e recordar-se mais do mau e do negativo. Porque é isso que povoa os nossos medos e é isso que, paradoxalmente, acaba por balizar o nosso bem-estar.
Conhecendo o mal dos outros, talvez consigamos exorcizar e livrar-nos do nosso próprio mal.
É este o mecanismo.
Mas este não é o caminho da esperança. É o caminho do medo. É a vitória final das trevas.
Para não permitirmos essa vitória, temos de olhar a vida como ela é. E temos de saber viver.
Viver de acordo e em respeito por aquilo em que acreditamos não é tanto um caminho de rejeição do mal, tem de ser sobretudo um percurso de tolerância, diálogo, resiliência e aprendizagem.
Um caminho de busca incessante do bem.
O futuro que queremos é a forma como o construímos.
Como o soletramos todos os dias. Sem medo. Com muita esperança.
Por André Serpa Soares