Do Irão à Portugal: Aida Sigharian conta sobre trajetória como pianista clássica na europa
Aida Sigharian é natural de Teerão, capital iraniana. Nascida em 1983, após 4 anos da Revolução Iraniana, se mudou para a Holanda em 2001 com o objetivo de seguir estudando e construir uma carreira como pianista e “nadar no curso contrário à corrente”. Inspirada por artistas como Radu Lupu e Arthur Rubinstein, a musicista atua no Conservatório de Música do Porto, e se apresenta em locais como Palácio da Bolsa, no Porto, e o Centro Cultural Belém, em Lisboa. E também desempenha um papel social, tendo sido uma das organizadoras de um ato em memória a Mahsa Amini, no Porto. A jovem curdo-iraniana foi assassinada há um ano no Irão e abalou o mundo. Acompanhem a entrevista na íntegra:
– Aida, você chegou a Europa em 2001, certo?
Aida: Sim. Eu saí do Irã para estudar na Holanda. Mas não tinha visto de estudante. No caso, entrei com visto de turista. Consegui fazer a prova prática de acesso na universidade, e passei. Fiquei apta, e voltei para fazer o pedido de visto de estudante.
– A sua relação com a música começou há quanto tempo?
Aida: Desde a infância. Comecei quando eu tinha 6 anos. Comecei no piano e depois sempre tive aulas em escolas de coro, aprendi a compor. Com 11 anos eu entrei no Conservatório em Teerã, como aqui, e quando acabei o secundário de música, fui a Holanda.
– Na sua família já tinha alguém com alguma ligação com a música ou você foi a primeira?
Aida: Sim, mas não como profissional. O meu primo cresceu comigo, ele começou mais cedo, e eu gostei do piano. Minha mãe sempre gostou de música, mas não chegou a fazer.
Minha mãe sempre respondia às pessoas quando perguntavam a razão de ter deixado eu estudar música, e ela diz que é como nadar contra a corrente da água. Pois no Irão quase tudo é político e o governo não queria músicos. Impuseram algumas regras e no início da Revolução destruíram alguns instrumentos na frente de uma das principais emissoras de TV no Irão. Então minha mãe sempre pensou que era uma forma de ir contra.
– Já que você entrou nesta questão [do Irão], você enxerga a música como resistência?
Aida: Acho que a arte pode passar mensagens muito fortes. E a maneira que as coisas estão, pode influenciar as pessoas, e levar coragem e esperança. Pode mexer com a emoção das pessoas. Por isso que a arte pode ajudar muito as pessoas a se sentirem melhor ou sentir mais coragem. A arte é revolução.
– E com quantos anos você percebeu que você estava “nadando contra a corrente”?
Aida: Iranianos geralmente estudam medicina ou engenharia. E na Holanda, quando não consegui me comunicar tanto assim com iranianos, entendi que eu sou muito diferente [risos]. Alguns possuíam diferentes mentalidades e eu era a única musicista.
Usar a música como instrumento é muito forte. A música é muito forte e passar mensagens.
– Você compõe?
Aida: Sou pianista clássica. Então estou sempre tocando música de outras pessoas. Toco músicas desde o século XVII, XVIII… Até o XXI.
– Mas você já se aventurou em compor algo? Talvez em algum momento você sentiu isso?
Aida: Quando eu era mais jovem, sim. Quando eu saí do Irão, eu queria ser compositora. Mas não tenho como fazer tudo [risos].
– Voltando um pouco para 2001. Você terminou o secundário e saiu imediatamente para a Europa?
Aida: Sim. Eu acabei no final de 2000. E saí quase logo.
– A razão da sua saída do Irão foi 100% pela música ou tiveram outras razões?
Aida: Sim, foi pela música mesmo. No Irão pode estudar na universidade e tem tudo para ser músico, mas o nível não era muito alto. A altura, quando comecei no Conservatório [de Teerão], meus pais já tinham decidido que eu iria para a Europa depois.
– E por que você escolheu a Holanda?
Aida: Meu tio vivia lá. Foi a única maneira que minha mãe conseguiu me deixar sair de casa. Pois tinha alguém lá para me receber.
– Em relação a Holanda, tem algum músico lá que você admira? Quais são suas influências?
Aida: Na música? Há muitos! [risos] Estes dias que estou mais conectada com o Irão, estou muito inspirada com músicos iranianos.
– Quando você chegou a Portugal, sentiu diferença em relação a Holanda?
Aida: Eu acabei os estudos na Holanda e depois cheguei aqui para trabalhar. Foi bem diferente. Na Holanda eu tive que me adaptar a cultura e a sociedade… Eu estive em Amsterdam, e lá tem muito movimento. E vim de Teerã, que também tem muito movimento. Tem muitos movimentos culturais nas capitais. E quando cheguei a Portugal foi na altura da crise [de 2008], então a adaptação foi um pouco mais complicada. Mas gosto muito daqui agora e me sinto em casa.
– E você chegou direto no Porto?
Aida: Não. Vivi um ano em uma aldeia. Depois 3 anos em Braga. Depois me mudei para o Porto. Quando eu estava a viver em Braga e pensava em sair de Portugal, mas queria tentar ficar mais um pouco. Então pensei em me mudar para Porto ou Lisboa. Em Lisboa não conhecia nada, e em Porto eu conhecia mais gente. E no Porto tudo acabou correndo melhor.
– Quando você chegou ao Porto, o seu primeiro trabalho foi no Conservatório?
Aida: Trabalhei em diferentes escolas. Trabalhei em Braga, depois Viana do Castelo, e depois cheguei ao Porto, e um tempo depois entrei no Conservatório. E hoje só atuo no Conservatório.
– Tem algum lugar em Teerã que você mais sente falta no que se refere a cultura?
Aida: Tenho saudades da nossa escola. O Conservatório [Teerã] e a Sala Vahdat. Ela é muito grande. É como o coliseu. É muito grande, muito bonito. Desde criança eu ia lá assistir concertos e foi muito especial. Tenho boas imagens, mas também é um pouco estranho, porque no Irã tudo é política… Então as coisas eram um pouco estranhas nessa sala. Mas eu tenho memórias melhores do Conservatório.
Meus pais me levavam ao Vahdat, e o Conservatório arranjava para ver concertos. Mas depois de certa idade nós escolhemos o que queríamos assistir e eu ia com amigos.
– Havia uma tensão nestes locais, relacionado ao governo? Era um ambiente mais livre?
Aida: Não são livres. Os músicos são mesmo heróis. Eu tenho que “tirar o chapéu”. Não é fácil. Para fazer concertos é necessário pedir autorização ao governo, e não ao administrador da sala, por exemplo. E tem que provar que não há nada contra o governo, nada político, e sempre tem que ter autorização. E é necessário tomar cuidado com as roupas, o cabelo… E até a relação entre homens e mulheres é difícil. Somos amigos, famílias, mas não pode haver nenhum contato físico. Não podemos cumprimentar tocando com as mãos. Essas coisas geram alguma tensão pois não sabes se está fazendo certo ou não. Há câmeras em todo lado.
– E no que se refere às apresentações. Aqui na Europa você já se apresentou em muitos lugares? Como foi o início da jornada nos concertos? Você se apresentou no Palácio da Bolsa do Porto, certo?
Aida: Tenho alguns concertos e normalmente em Portugal eu toco em Lisboa, no Centro Cultural de Belém. Fora de Portugal também tenho alguns concertos. E o concerto no Palácio da Bolsa foi especial. Foi uma homenagem a um amigo que nós perdemos, há perdemos. Um rapaz de 37 anos que era pianista. Dia 15 de Setembro ele faria anos, então decidimos homenagear ele no dia 17. Ele era português, aqui do Porto, e foi meu melhor amigo.
– Tem algum país que você tem um sonho de se apresentar?
Aida: Há muitos! [risos]. Mas um sítio que tenho muitas saudades de tocar é a Holanda, Amsterdam. Gosto muito e sinto ainda como se fosse minha casa. Gostaria de ter mais relação profissional com a Holanda.
Mas acredito que com as mídias sociais o mundo está menor. Muitos amigos músicos saíram e estudaram fora. E agora por causa do Instagram e do Facebook estamos mais ligados. Então estamos a tentar trabalhar juntos, mesmo de longe. Então é como se estivéssemos braços grande e conseguimos nos manter próximos.
– E falando de tecnologias, e redes sociais. Você aqui no Porto foi uma das organizadores do ato em memória da Mahsa Amini. Desde que você chegou aqui está a atuar com este ativismo, ou as redes sociais ajudaram?
Aida: Como eu disse, tudo no Irã é um pouco político… E minha mãe sempre diz que estou estudando música para ir na direção reversa. Mas quando eu saí de lá era só pela música mesmo. Não tinha ideia de ser uma ativista. Penso que o mundo está nas mãos de poucas pessoas e fora das mãos do povo… Não participamos. Então creio que as redes sociais nos ajudam a insistir até alguém nos ouvir.
– A sua primeira manifestação foi por conta do que ocorreu com a Mahsa?
Aida: Antes eu já tinha participado, mas nunca organizado. A Mahsa foi algo mais espontâneo. Juntamo-nos, constituímos um grupo, e começamos a organizar os atos.

Entrevista por: Lucas Neves.
Créditos Fotográficos: Lucas Neves.