Casa Pau-Brasil

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Um intenso aroma carioca no coração de Lisboa

 

“A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étnica rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança. (…)”

 

Excerto do “Manifesto Pau Brasil” de Oswald de Andrade in “Correio da Manhã” 18-3-24

 

Quando publica, juntamente com a sua mulher Tarsilia do Amaral, o Manifesto da Poesia Pau Brasil, Oswald de Andrade já percorra a Europa, já organizara com Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Plínio Salgado, Menotti Del Picchia, entre outros, a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo e já antecipara as aspirações do futuro Movimento Antropofágico na Conferência “L’effort intellectuel du Brésil contemporain” que proferiu na Sorbonne em 23. Influenciado pela estética cubista da “Anti-tradição Futurista” de Guillaume Apollinaire, Oswald de Andrade abre com o Movimento e com o Livro Pau Brasil uma nova era nas artes brasileiras, marcada pela incorporação da “cor local” à dinâmica cultural do país. “Incorporados ao nosso meio, a nossa vida, é dever deles tirar dos recursos imensos do país, dos tesouros de cor, de luz, de bastidores que os circundam, a arte nossa que se afirma, ao lado do nosso intenso trabalho material de construção de cidades e desbravamento de terras, uma manifestação superior de nacionalidade”, escrevera já em 1915 para “O Pirralho”. Oswald acreditava que era possível exportar as artes brasileiras, em particular a poesia, como antes se exportara o pau-brasil, para tanto era necessário redescobrir o Brasil e regressar às origens ao primitivismo inicial, abolir as posturas solenes, as formas gastas, a escrita rebuscada e valorizar a invenção e a surpresa.

Foi ao espírito deste movimento cultural e artístico que Rui Araújo, que trabalha a representação de marcas brasileiras há mais de 6 anos, foi buscar inspiração para fundar a Casa Pau Brasil, um espaço que reúne muito do que de bom o Brasil tem para exportar.

“Portugal estava fora do radar do Brasil em termos de negócios. Era um local simpático, com uma matriz comum, mas não era estratégico para os brasileiros. Hoje, Portugal passou a ser olhado como um destino importante em muitos casos prioritário. Quando comecei a representar, a distribuir algumas marcas brasileiras importantes para a Europa, percebi que é muito difícil trabalhar um Brasil de grande qualidade quando a maioria dos europeus só conhece uma caricatura do Brasil, por isso senti a necessidade de encontrar um espaço que apresentasse esse Brasil diferente.”

O espaço de que fala, é um antigo palacete no número 42 da Rua da Escola Politécnica, ao Princípe Real, de pé direito alto e tectos trabalhados e uma vista sobre o Tejo que ganha contornos encantatórios ao final da tarde. Mas a presença portuguesa fica-se pela arquitectura do edifício, tudo o resto é Brasil. Dos cheiros, mescla de cacau e do suave frutado do aroma “Carioca” da Granado, a empresa de sabonetes com 150 anos de história e que fornecia a Casa Imperial, à música, passando pela decoração, tudo nos remete para o outro lado do Atlântico.

Começou com 17 marcas, hoje tem quase 30, da chocolataria ao design, passando pelas grifes paulistas e cariocas de maior sucesso, pela fotografia, pela música e pela literatura. Mas, a ambição do português do Norte, descendente de brasileiros que viveu durante 2 anos na capital paulista e um ano no Rio de Janeiro, é bem maior, é a de que a sua Casa Pau-Brasil venha a ser um clube de negócios para brasileiros a viver no nosso país. “Um ponto de confluência, uma curadoria de empresários e não apenas de produtos, o instrumento de referência para marcas e empresários, até porque hoje existe um movimento muito interessante de brasileiros a vir viver para Portugal e que começam a investir em diversas áreas de actividade.”

Falamos num jardim tropical que se estende ao longo da escadaria principal, ao som de Céu, no dia em que a Casa apresenta uma nova marca, a da conceituada estilista carioca Lenny Niemeyer. Os convidados começam a chegar recebidos por cocktails de frutos tropicais, enquanto deambulam pelas diversas divisões do velho palacete. Paramos numa sala onde Luís Braga, um dos maiores fotógrafos brasileiros expõe alguns dos seus últimos trabalhos. Essa é outra dimensão Rui quer entregar ao seu projecto, a de conciliar a óbvia vertente comercial com uma dinâmica cultural capaz de atrair os muitos brasileiros que vivem em Lisboa e os portugueses apaixonados pela especificidade cultural do Brasil.

Rui Araújo tem a exacta noção de estar a “surfar em cima de novas tendências de luxo, que passam por viver experiências muito mais do que vender produtos exclusivos de elevada qualidade, por exemplo, estar a 8000 km de distância e sentir a envolvência de uma fazenda de cacau.” – Explica enquanto nos encaminha para um recanto onde se expoem as diversas variedades dos Chocolates Q produzidos artesanalmente com o cacau de uma fazenda baiana. – “Portanto, sendo nós uma concept store, cabendo nessa etiqueta, o nosso conceito é um conceito de terroir, de apresentar um país, um território, da forma mais diversa e genuína possível.” Rui sempre se sentiu atraído pela estética brasileira e quando foi viver para o Brasil descobriu um país com enorme potencial comercial que não era trabalhado de forma profissional no exterior. Essa foi a sua aposta. No ano que tem de vida a Casa Pau-Brasil afirmou-se como a referência comercial e cultural que Rui ambicionava. “Em termos gerais está a superar aquilo que era a nossa expectativa, mas estamos, sobretudo, muito encantados com o poder de atracção que a casa está a ter junto de muitos brasileiros e a capacidade de atrair gente muito interessante. Claro que aí não temos mérito nenhum, pois resulta da realidade que hoje se vive em Lisboa e que nos traz todos os dias gente muito interessante que nos abre portas em várias frentes. Daí termos acrescentado o outro negócio que não estava pensado no início, da relação empresarial com brasileiros interessados em investir no nosso país.”

Enquanto falamos, a casa decorada por Joana Astolfi vai enchendo de convidados. Dois músicos brasileiros interpretam sambas de Cartola com um pôr-de-sol no Tejo de cortar a respiração como pano de fundo. Avançamos para o espaço ocupado pela Quarto e Sala e dedicado integralmente a designers brasileiros. O “mestre do design” Sérgio Rodrigues ocupa grande parte dos dois salões, onde também é possível encontrar peças do arquitecto Paulo Mendes da Rocha, dos irmãos Campana de Maurício Klabin e de Jader Almeida.

Pedro d’Orey, um dos fundadores da empresa que desde 95 se dedica a projectos de arquitectura de interiores e em 2006 se aventurou no negócio da representação de marcas europeias de design, explica-nos o motivo pelo qual decidiram apostar no design do lado de lá do Atlântico. “Nós fazemos arquitectura de interiores e, portanto, deparamo-nos com arquitectos que têm necessidades completamente diferentes e o nosso papel é satisfazer as suas necessidades, trazer novidades, ser um radar de tendências. Por vezes somos confrontados com projectos mais exigentes, em que o grau de diferenciação exigida pelo arquitecto é muito maior e num desses trabalhos propusemos fazer o projecto com peças de Jarder Almeida e resultou de tal forma que acabou por ser surpreendente porque em Portugal não existia uma tradição de reconhecimento do design brasileiro. Esse foi o momento em que decidimos apostar na importação de mobiliário do Brasil. Por outro lado, desde 2012 que temos uma empresa aberta em São Paulo com a qual fazemos um trabalho inverso de mostrar o que existe de interessante no mobiliário europeu aos brasileiros.”

“Entretanto, a Casa Pau-Brasil abriu e o Rui desafiou-nos a fazer a curadoria das marcas brasileiras de design e a estabelecer uma estratégia de divulgação. Para a Quarto e Sala fez todo o sentindo unir forças e investir num espaço que garante, por si, um fluxo de clientes que vem com a expectativa de descobrir produtos do Brasil e que nos permite uma presença numa zona nobre da cidade. Ainda estamos no início e esperamos que esta seja ponta de um icebergue porque realmente há muito trabalho a ser feito, mas estamos muito entusiasmados porque começámos de forma extraordinária com o grande Sérgio Rodrigues e com o Jader Almeida a que se seguiram os Irmãos Campana e a que fomos acrescentando novos talentos e peças isoladas mas muito representativas do design brasileiro.”

Pedro d’Orey fala de forma entusiasmada enquanto nos guia por algumas das mais icónicas peças de mobiliário brasileiro: a célebre Poltrona Mole de Sérgio Rodrigues, a Cadeira Paulistano de Paulo Mendes da Rocha, a Luminária Eclipse de Maurício Klabin, a Cadeira FDC1 de Flávio de Carvalho. A sala enche-se e as solicitações impedem a continuação da conversa.

Lenny Niemeyer que, entretanto chegou passa a ser o centro das atenções. Na janela aberta ao Tejo, o sol baixou e uma levíssima tonalidade alaranjada tinge o horizonte. “As Bachianas” de Heitor Villa Lobos inundam o palacete numa espécie de regresso à estética modernista que inspirou Rui Gomes de Araújo a fazer da Casa Pau-Brasil o espaço mais carioca de Lisboa.

 

por: João Moreira

Foto: Hugo Macedo

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