Canal de comunicação

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O tema da revista é desta vez, como já se devem ter dado conta, a comunicação e, como em revistas anteriores e desejavelmente em números futuros, o que me proponho é relacionar o tema com o turismo. É minha convicção que, umas vezes encarado do ponto de vista de quem o pratica – a procura – ou de quem no destino cria as condições para a sua prática – a oferta – o turismo se pode relacionar com os mais diversos temas que possam aqui vir a ser propostos. O turismo é estudado nas mais diversas áreas do conhecimento. Reflete e é refletido no nosso quotidiano, particularmente naquele das sociedades capitalistas, de longe as mais envolvidas no processo. Se há nisso alguma dúvida, que o digam os chineses que, no seu estilo “um país dois sistemas”, se está mesmo a ver quais são os que visitam e são visitados.

Não me interessa tanto o papel da comunicação no turismo aceitando de bom grado que se ela é importantíssima em todas as áreas de negócios, no turismo é ainda mais relevante. No turismo, como é o caso de outras atividades do setor dos serviços, é óbvio que só já na viagem ou no destino é que experimentamos as nossas compras e concluímos se acertámos nas opções que fizemos ou se, pelo contrário, fizemos um bom disparate. Melhor dizendo, o assunto interessa-me, e imenso, mas não hoje.

Nos anos 90, Cuba, órfã da União Soviética com quem trocava petróleo por açúcar, mesmo troca por troca, fica a produzir o açúcar mais caro do mundo por larga margem. Na sua necessidade de obter divisas (nesse tempo divisas significavam dólares) para fazer compras, especialmente energia, procura atividades económicas que possa exportar. Desde o início, duas delas, a medicina e turismo, ou turismo de sol e mar e turismo médico, se quiserem, foram apostas do governo cubano. Cria então uma moeda com paridade ao dólar, os pesos convertibles-CUC, medida que, a par com a proibição de os cubanos usarem dólares e frequentarem hotéis, restaurantes e outras estruturas e equipamentos construídos para o turismo, pretendia separar, no limite do possível, turistas e cubanos. A proibição do uso do dólar não durou muito tempo. Não era possível evitar a criação de um mercado negro e não podiam propriamente prender os cubanos todos. Enquanto pôde, Fidel Castro justificou essa proibição alegando que se destinava a proteger os cubanos dos vícios do capitalismo. Não obstante haver riscos – o da prostituição saltava logo à vista – e eles se tenham vindo a confirmar, não era apenas isso que ele pretendia evitar. Pretendia limitar o convívio entre cubanos e estrangeiros. Pretendia evitar que com esse convívio confirmassem e ampliassem o relato dos dissidentes cubanos. Era inevitável que as pessoas quisessem satisfazer a sua curiosidade e o governo queria que se estabelecesse o mínimo de comunicação possível entre o seu povo e os estrangeiros.

Não foi só o governo Cubano que viu com bons olhos esta dificuldade do convívio de cubanos com estrangeiros. O embargo a Cuba, ou o bloqueo, como mais apropriadamente lhe chamam os cubanos, uma vez que é o maior óbice ao seu desenvolvimento, não tem só como consequência impedir a saída de mercadorias. Ao proibir as importações cubanas, os EUA proíbem consequentemente a visita de americanos à ilha pois assim estariam a importar turismo. O governo americano, conforme bem se viu nas reações ao filme Sicko do Michael Moore, também não está nada interessado em que os americanos saibam e constatem com os seus olhos alguns aspetos da realidade cubana, nomeadamente que até um país tão pobre como Cuba pode garantir cuidados de saúde aos seus cidadãos.

Não foram só os cubanos que beneficiaram do contacto com os turistas. Nós também. Exceção feita à música e a algum cinema, juntos no Buena Vista Social Club, e alguma televisão como a recente série policial Quatro Estações em Havana, da Netflix, e que os portugueses ainda puderam ver na RTP, seria preciso recuar ao filma Havana, do Sidney Pollack para ver imagens do Malecon (isto na distribuição mainstream, bem entendido). A série, do final de 2016, só possível pelo final do embargo resultante daquele aperto de mão ente Obama e Raúl Castro, permite ver a Havana de hoje. Foi no entanto sol de pouca dura. (Como os democratas deixaram que se fosse de Obama para Trump é algo que não consigo entender!) Com a reintrodução do embargo a cancelar os acordos que a Google já tinha feito para a melhorar a rede de Internet do país, e, portanto, uma internet má e censurada, quem por qualquer razão particular ou apenas curiosidade quiser saber sobre Cuba, depende quase exclusivamente dos relatos dos turistas que vão a Cuba para a receber informação sobre esse país.

No caso da Coreia do Norte é o Estado que promove a atividade turística. Precisa de receber as divisas (agora dólares ou euros) mas recusa-se a ter turistas à solta no país. É proibido andar sozinho, só se pode andar em grupo e com um guia de uma empresa que esteja credenciada para o efeito. Desta forma, o Estado pretende controlar a mensagem que os que os visitam venham a transmitir. Antes, apresenta uma encenação da política, da história e da sociedade que pretende projetar. Aqui não se trata da comunicação entre turistas e residentes, mas de comunicar internacionalmente uma determinada imagem de um país.

O Irão, por oposição, ainda que tenha viagens turísticas organizadas, começou a ser visitado pelos mais afoitos em viagens individuais e por eles nos chegavam relatos de uma população culta, hospitaleira, afável e educada. Mais uma vez são os turistas que trazem informação de uma outra cultura, de uma outra sociedade. Aqui, de novo, aparentemente, por capricho, a atual liderança americana resolveu fazer das suas, afetando também o turismo.

Os turistas não trazem só informação, também a levam, e estes não são exemplos únicos, mas ilustram bem como eles são um meio para a comunicação e esta é a parte indissociável da prática do turismo, da importância que pode ter para emissores e recetores, e do serviço que presta aos que se revêm no estilo de vida da sociedade ocidental.

Por João Pedro Costa

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