Brexit

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Quando a jornalista inglesa, no ecrã, se dirigiu para mim, e a câmara me revelou esse fragmento de joelho entre a bota e a saia, na tarde cinzenta de Bruxelas, percebi o motivo do voto contra a união. Se a jornalista, no movimento breve que a câmara apanhou, tivesse sido captada num grande plano do rosto, o olhar não se distrairia com a visão do fragmento de joelho, entre a bota e a saia, num fragmento de tempo tão curto como esse intervalo de perna. Nessa distracção, em que se perdeu a plena percepção da angústia objectiva que transparecia nos seus olhos, a câmara transmitiu não um fragmento de espírito mas um fragmento de corpo. E foi a analogia entre o fragmento de Europa que se perdia e o fragmento de perna, entre a bota e a saia, que a câmara me fez perder, que me obrigou a colocar esta questão: de que serve à Europa ter um corpo sem a articulação de um joelho para poder andar? Ou antes: como se pode descalçar uma bota, e fazer cair uma saia, para recuperar na plenitude o corpo da questão, se a câmara se desvia do objecto, levando para longe dos olhos um joelho que, na tarde cinzenta de Bruxelas, foi o sol efémero de uma pergunta para a qual só houve uma resposta: Não?

Por:Nuno Júdice

“O Mito de Europa”
Edições D.Quixote

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