À conversa com Thomas Walgrave

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Diretor de Programação do Alkantara Festival (2008/2018)

É a celebração maior da Dança e das Artes Performativas no panorama nacional, que ocorre em Lisboa a cada dois anos. Concluída a edição de 2018 (maio-junho) surge-nos a oportunidade para um balanço e, aproveitado a ocasião, um debruçar sobre a rica história deste festival, dos seus protagonistas e de tudo o mais que viesse à baila, numa conversa com Thomas Walgrave. Local escolhido, o Chiado, por entre toda a sorte de miscigenações mais o trânsito e os seus elétricos em perpétuo movimento.
Mas antes, um pequeno enquadramento. A Associação Alkantara – responsável pelo festival de seu nome – resulta de um movimento que explodiu em 1993 com o “Danças na Cidade”. Entre 1993 e 2004, sucessivas edições deste festival, e de outros projetos colaborativos, desempenharam um papel fundamental para a afirmação de um “Movimento” e desenvolvimento de uma rede que permitiu a internacionalização dos valores emergentes daquela que se tornou conhecida como a “Nova Dança” portuguesa.
A tragédia que foi a prematura partida da sua fundadora, Mónica Lapa (1965-2001) só terá sido mitigada pelo facto o movimento lhe ter sobrevivido e daí ter nascido a Associação Alkantara, com Mark Deputter na liderança de um novo projeto que garantiu a continuidade do espírito original. Mas a falta de financiamento obrigou a uma reestruturação, e a entidade optou por realizar em 2004 um evento de menor dimensão intitulado Al Kantara (que significa “ponte”, no original em árabe) alargando-se então ao teatro e à música.
Dessa mudança de filosofia e âmbito do festival, cada vez mais voltado para a multidisciplinaridade e para o intercâmbio cultural, a entidade passou a designar-se Alkantara e a promover bianualmente um festival com o mesmo nome que foi ganhando uma notoriedade e importância cada vez maior. Com este sucesso, tornou a dar-se uma passagem de testemunho e Thomas Walgrave assumiu a programação geral, cuidando com desvelo de um modelo que foi maturando nas suas mãos. Até à maioridade.

«Quando estávamos à beira do abismo,
tomámos a decisão certa e demos um
passo em frente»
João Pinto, estrela do FCP, acerca do devir e dos deveres do artista performativo.

 

(Começámos de chofre, com um) Como foi a adaptação à realidade portuguesa. Que tipo de “choques culturais” sentiste?

O Portugal de 97 é muito diferente do Portugal de agora. Mas existem algumas características muito bonitas e interessantes que se mantêm, se bem que nem sempre sejam as mais práticas.

Por exemplo, enquanto que por toda a Europa existe uma ideia de “rendimento” [produtividade], quando cá cheguei precisei de ir comprar parafusos. E demorei quarenta e tal minutos! Não porque fiquei à espera de ser atendido mas porque esse foi o tempo necessário para processar a venda. Mesmo que se tratasse de um só saquinho de parafusos que acabaram por custar um euro e meio, ou menos. E fazia-me confusão… (e hesita, como se ainda fizesse) O senhor entendia que existia um protocolo a respeitar. E a ideia – uma certa ideia de resistência – de que fazer as coisas na ordem certa era mais importante do que se ser agradável ou mesmo do que o lucro e a produtividade, achei-a muito interessante. Economicamente reinava aqui uma certa anarquia, e eu estranhava-o, pois, a realidade belga era bastante mais pragmática.

Portanto, existiam algumas diferenças, mas, e ao mesmo tempo, no campo artístico… nem por isso. A relação que se estabeleceu entre nós, os “Stan” (conceituado grupo teatral belga do qual Thomas ainda faz oficialmente parte) e o Tiago Rodrigues, em ‘97, foi imediata e muito orgânica. Daí que não posso dizer que tenha sentido um “choque cultural” quando aqui cheguei.

Por outro lado, olha para uns “Praga”, para “um” Tiago Rodrigues ou para a Mónica Calle, só para dar três excelentes exemplos de Teatro Contemporâneo genuinamente português mas que não poderiam ser mais diferentes entre si. Então, prefiro não falar muito sobre as características da Arte, do Teatro ou da Dança portuguesa, pois eu poderia estar a passar uma ideia monolítica, coisa que na realidade não o é!

Na tua perspetiva, e desde então, o que se terá ganho e o que poderemos ter deixado para trás?

Houve coisas que se ganharam, sim, no geral. E também algumas que se poderão ter perdido. Mas isso nem sempre é consequência de escolhas conscientes. No nosso caso (Associação Alkantara) algumas dessas alterações tiveram mais que ver com fenómenos estruturais, dos quais não podemos assumir grande responsabilidade. Quando o Alkantara… o “Danças na Cidade” surgiu, nasceu de uma “comunidade” da Dança [plena de vitalismo e] bastante coerente. Considero mesmo que se tratou de um daqueles raros momentos, na história cultural, em que surge um “movimento”.

E essa é uma das questões que mais me fascina! A de “quando” é que um conjunto de artistas que trabalham no mesmo contexto geográfico, numa linguagem parecida, quando é que isso se torna um movimento? O que é que faz o clique, que, de repente… É que já ninguém vai falar de um movimento do Teatro português atual. Pois não é um movimento! Há muitos artistas interessantes trabalhando, mas sem essa coesão, sem essa mesma dinâmica na qual os artistas se desafiam entre si e da qual se alimentam.

Mas, voltando ao “Danças na Cidade”, que nasceu desse “movimento” que surgiu no contexto da “Nova Dança” portuguesa… À qual eu já tinha tido oportunidade de assistir, ainda na Bélgica, através de espetáculos da Vera Mantero e do Francisco Camacho. O “Danças na Cidade” resulta de uma iniciativa que partiu dos próprios artistas e – não querendo saltar muito na história – houve uma profissionalização (obviamente) pois houve um “mundo”, um contexto que muda radicalmente e onde – hoje – as Artes são muito mais internacionais do que aquilo que eram em ‘93. Uma abertura lógica muito natural, assim para teatro, da dança para o teatro entre outras combinações.

Dentro de isso tudo perdeu-se a ideia da “família”, da coesão, do espírito de grupo. Penso que foi muito importante a dança ter-se aberto para o Teatro mas, ao mesmo tempo perdeu-se um pouco do que a dança tinha – e ainda tem, acho – a de um discurso muito forte sobre o seu próprio trabalho, uma capacidade de desenvolver um pensamento sobre o que têm em mente, e isso é algo que se vê menos no Teatro.

Sim, mais do que se encontrarem para mostrar trabalho, recordo-me dessa geração se encontrar para discutirem os seus trabalhos. Mas falas numa via para a profissionalização que implicou a ruptura com “redes” de características mais familiares (“isso é inevitável”, comenta Walgrave) mas que consequências poderão ter resultado daí para o pensamento autoral na Dança?

Entre parentes, e só porque falei nisso há pouco, tive várias conversas com várias pessoas sobre a situação do “Movimento” e [sobre] o que é que faz com que um grupo de artistas se torne num “Movimento” e uma das respostas que sempre assim surgiram foi a da presença de pessoas com qualidades para poderem refletir sobre o trabalho.

Acho que a presença de um André Lepecki (teórico da Dança, figura internacional, n. Brasil 1965) em ‘93, no “Danças na cidade” foi essencial para essa ideia de um movimento, para alimentar todo o diálogo implícito a este “Movimento”. E, na altura, ele foi uma pessoa pivô, pois escreveu e refletiu muito sobre o que estava a acontecer.

Ainda em ‘93, é certo que não existia à época nada de semelhante dedicado às artes performativas no geral. Porém, este Movimento, que surge na Dança, rapidamente procurou estabelecer pontes com outras disciplinas das Artes Performativas. Estas iniciativas foram em crescendo e muito fizeram por divulgar a “Nova Dança” mas também outro tipo de propostas de carácter meramente performativo. Como avalias o papel do Alkantara Festival para a evolução do público português face a uma programação tão eclética quanto subversiva?

Há que compreender que essa programação resultava da vontade dos próprios artistas envolvidos, da Vera Mantero, do João Fiadeiro, etc.… todos se envolveram, ninguém ficou na “sua” Dança. E foram, de formas diferentes, olhar assim como que por cima da muralha, de forma a tentar perceber o que se estava a passar no Teatro e afins. Acho que esta abertura para as outras áreas performativas foi uma questão vulcânica, porque surgiu mesmo do interesse dos próprios artistas em querer conhecer, aprofundar e fazer mais.

E nesse momento, no momento em que – por imperativo dos próprios artistas – foi necessário fazer a transição do “Danças na Cidade” para um formato mais abrangente como o Alkantara Festival, o Mark Deputter foi a pessoa certa no momento certo?

Não só foi a pessoa certa nesse momento como em outros. O Mark era uma pessoa que já tinha uma grande experiência, mesmo em questões estruturais e de gestão. Foi o Mark que iniciou uma associação sem fins lucrativos, alguém que deu uma base legal a uma identidade coletiva. O mérito do Mark é enorme, não poderia ter havido uma pessoa mais indicada.

Voltando aos públicos. Generalizando, existia uma certa cultura de que “iam à Dança as pessoas da “esfera” da dança, ao Teatro os do teatro… tal e qual como nas artes plásticas. Eram mundinhos compartimentados. Ora este “movimento” fez questão de demolir barreiras. E então começou a assistirse a uma contaminação de “públicos” e as áreas deixar de estar tão impermeabilizadas. Com o Teatro a ver mais Dança e vice-versa. Sem contar com o “Grande Público” frequentador genérico das propostas mais consensuais que a cultura possa oferecer. Que comentários te merecem esta receptividade geral ao modelo proposto pelo Festival Alkantara?

Eu não estava cá nos primórdios. Mas sempre achei que a principal função de um Festival tem a haver com “públicos” – eu acho mais interessante usar o plural – e com fazer por alargar-se para além dos públicos mais previsíveis. E o formato, mais festivo, facilita e abre essas possibilidades. É que é importante assumir a diversidade! Depois será um trabalho de comunicação, de tentar abrir os códigos, algo que será sempre um processo de aprendizagem. As testemunhas vão aprendendo.

Aliás, considero mesmo que existe um mal-entendido muito sério sobre a Arte Contemporânea. Dizem que é difícil de entender, quando deveria ser precisamente o contrário! Se o discurso contemporâneo é aquele que fala sobre o “aqui” e o “agora” acho que deveria ser mais fácil. Seria preciso menos… [informação, para o descodificar].

Já sobre o sectarismo dos públicos nos anos 90 não me consigo pronunciar.

É justo, mas então, e sobre a evolução dos públicos a partir do Alkantara Festival de 2008? Pode-se falar de uma progressiva fidelização dos públicos?

Mas falamos de públicos em termos quantitativos ou qualitativos? É que se tende sempre a pensar em quantidade. Quando a qualidade dos públicos também é muito importante. Acho que, hoje em dia, os públicos lisboetas são muito interessados, familiarizados com os códigos e as linguagens. Penso que resulta de uma interação com a “oferta”, pois qualquer espectador fala com os protagonistas. Há que entender que para o artista o show é o público! E o público “fala” com eles de uma forma inteligente e isso é-lhes muito gratificante.

E que dizer sobre esta última edição do Alkantara Festival, que é, também, por sinal, a tua última à frente da programação. O teu “Editorial” apresenta ideias muito fortes. E há duas que se destacam. A ideia da importância do “abismo” e da “vertigem”… Através das quais estabeleces o paralelismo com os primeiros anos do “Danças na Cidade” e alertas para a importância de manter essa mesma precariedade, os mesmos riscos, como se fosse esse o combustível necessário para manter viva a chama da revolução que aí se iniciou há já 25 anos.

Para esta edição, como imagem de fundo, peguei nos textos (e nos autores) destes últimos 25 anos, e mergulhei intensivamente em todo esse material. Achei muito interessante que o André Lepecki tivesse escrito em ‘93 sobre a “vertigem” e que, 25 anos depois, a Christiane Jatahy (“Artista na Cidade 2018”) fale, numa entrevista (jornal Público, 2018/01/18) sobre a importância das Artes se manterem próximas do «abismo [(“tanto para quem faz como para quem vê”), porque só no abismo podem “acontecer” coisas.]» Nos dois casos, como imagem… como é que as Artes em primeiro lugar, interagem com o público? No caso da Christiane a ligação [ao público] é óbvia, e no caso do André é implícita.

Mas a imagem que dás é muito bonita, porque referes-te explicitamente à “boca do palco” como o precipício que o artista se deve procurar, uma e outra vez, ou todas as que forem necessárias.

É pela importância de manter a ideia do “risco”. E que seja um verdadeiro risco! Porque se se repetir um “risco” por 25 anos este deixa de o ser. Mas manter a ideia de “risco” como des-central, no diálogo com os artistas e entre estes e o público, pareceme essencial.  E para mim serviu como uma espécie de guia para a programação, pois pareceu-me muito importante.

Porém, a escolha das palavras (“precipício”, “abismo”) também dá um tom grave. (risos da parte de Walgrave) que contribui para uma certa ambiguidade. E, apesar, de o texto ser claríssimo. transparece dali uma certa dor. E a minha pergunta é, como é que se viram as costas a uma coisa destas, a um projecto que é, em parte, também filho teu. É que agora está a ocorrer uma transição, uma transferência de testemunho. E, dez anos depois, com que ânimo é que se vira as costas a uma vida destas?

Ah… é muito complexo falar disso. É uma mistura de muita coisa. De saudades [antecipadas], de, assim… a comparação é um bocado falsa, até porque eu não quero passar por paternalista (e nem tenho filhos) mas, é a sensação como que daquele dia em que os teus filhos saem de casa. E… então, a mistura entre o deixar ir e o largar – quem é que fala que o deixar ir é a maior prova de amor que se pode dar?? – causa tanto um certo orgulho como uma certa tristeza. Mas, e ao mesmo tempo, uma enorme vontade em me dedicar aquilo que eu já estava, há um ano e meio, a desenvolver com a “Chris” (Christiane Jatahy) e, no meio disto tudo, tive muito pouco tempo para me perder nas melancolias. A vida estava lá, logo, no dia 1, e agora estamos já a trabalhar como loucos, para poder responder a tudo quanto o futuro, que se aproxima muito rápido, nos está a oferecer.

Também há um cansaço. Um cansaço da luta que foi necessária. É, portanto, uma mistura com muitos sentimentos e elementos.

Falamos sobre a urgência do risco, e na precariedade. E tu referiste uma série de gente, pessoas como o Jorge Silva Melo, a Mónica Calle, o João Fiadeiro… que tornam a estar, neste momento, a enfrentar dificuldades e condições de trabalho inadmissíveis. O que se estará a passar, que impressão isso te faz?

Acho que essa é uma questão que vai para além das Artes.  Isso depende que uma vontade política, com questões técnicas, pois existe um orçamento de Estado e esse orçamento tem sido sucessivamente votado de uma maneira um pouco retrógrada. Eu venho de uma cultura em que também existem candidaturas de financiamento às Artes por apoio estatal. Escrevi muitas candidaturas, quando ainda estava na Bélgica. Mas na nossa cultura, quando há uma decisão sobre 2018 e o quadriênio que começa em 2018, terás uma resposta o mais tardar em meados de 2017. O que permite um planeamento, mas, sobretudo e também, se pretendes cortar numa estrutura, e essa estrutura tem de despedir pessoas há prazos legais para que possa despedir alguém. Então, para se poderem respeitar esses prazos precisas dessa antecedência. Mas isto somos nós. E nunca percebi porque é que isso não era possível em Portugal.

Para um país que tem tanto património, acho que há uma subvalorização da Cultura. Acho-o absolutamente. Há também uma subvalorização da cultura de agora, que se faz agora, e isso percebes através das verbas disponíveis, que são sempre muito abaixo do que o que seria expectável. Nas reuniões europeias, em que te encontras com os colegas, somos sempre o patinho feio, aquele que tem menos de metade da parte que o segundo mais pobre de entre todos. É a nossa sina. Mesmo assim conseguem-se fazer coisas e isso é mesmo português.

Mas revela também uma falta de pensamento sobre o papel desta Arte Contemporânea na sociedade. “Como é que possível investir nisto?” Para além disso, existe também uma enorme dificuldade em dialogar com o sector independente. [Assiste-se a] uma espécie de combate, entre um sector oficial e um sector independente e há assim como que um pêndulo que vai oscilando ora para um lado, ora para outro, muito à francesa, com um olhar muito totalizante e hierárquico. E isso implica que não haja uma valorização dos atores emergentes [pois ainda não ocupam lugar]. Olhemos para as “revoluções” nos últimos 20, 30 anos, o “motor” são sempre os autores independentes. Sempre! E não se consegue recompensar esse esforço. É por isso que falo numa subvalorização.

Só para aproveitar o exemplo do Alkantara Festival, eu nunca percebi como é que uma Câmara não aproveitou para – agora com todos estes pequenos festivais que surgem – sentar todas essas pessoas à volta de uma mesa e dizer: “Olhem, vamos fazer assim… um Festival da cidade, a sério e à séria!” Temos todo o potencial para isso. Mas sempre senti da parte da Câmara, apesar de todos os apoios que nos têm dado, um medo de entrar num diálogo mais profundo connosco ou outros interlocutores.

Há uma nova geração de programadores que irão assumir a responsabilidade na condução da próxima edição do Alkantara Festival (2020). Que poderemos esperar? Daquilo que possas antecipar?

A pergunta deveria ser colocada à Carla Nobre Sousa e ao David Cabecinha. Mas haverá obrigatoriamente o repensar de uma fórmula. Em termos específicos existe um núcleo que assegura continuação do espírito [a própria associação que organiza o festival] e que irá acompanhar mais esta transição. Tem de existir a preocupação de acompanhar as “alterações dos movimentos dos tempos”, da mesma forma que eu também o fiz, e tal como o Mark o fez antes. Imagino que a ideia do “risco” e da “vertigem” continue, tal como escrevi no tal editorial. Imagino que daqui a 25 anos torne a surgir alguém a falar dessas mesmas ideias. Ao mesmo tempo, quero deixar-lhes a maior das liberdades, de modo a que eles possam encher [o programa] da forma que eles acharem que é necessário. Acho que… de propósito saltei uma geração!

Devo dizê-lo, quando eu pensei sobre quem vem a seguir, quem devo convidar [para prosseguir o meu trabalho], resolvi-me mesmo pela ideia de saltar uma geração. Coisa que não era a mais óbvia. Seria de supor uma pessoa com 40 anos, que fez a sua carreira e… Mas, enfim, procurei mesmo alguém nos inícios dos trinta anos. E a escolha recaiu sobre pessoas que eu conheço bem. A Carla muito bem, porque acompanhou o Festival Alkantara durante muitos anos e o David um pouco porque acompanhei o trabalho que ele fez com o Tony Vezich (Temps D’Image, 2017) que foi um trabalho incrível.

Foi mesmo… wow, o que é que aconteceu?!? É alguém que não tem medo de muita coisa e isso é uma boa qualidade. E acho que pode ser uma dupla super interessante. Acho que é bom que seja uma dupla. Sei o que foi chegar em 2008 e assumir [a programação geral do] Alkantara, uma posição tão estranha e estratégica, dentro de uma paisagem muito particular. Daí que ache que é bom serem dois, e poderem dividir [essa gestão].

Vais continuar a viver, ou, de algum modo, ligado a Portugal?

Ah, essa é a “the million dollar question”. Neste momento temos – Thomas e a sua companheira de longa data, a já citada Christiane Jatahy – duas casas. Uma cá, no Estoril, e outra no Rio de Janeiro. E (tratando aqui da nossa roupa suja) devo dizer que passamos a maior parte do ano em Paris, ou em Hamburgo, ou seja, no sítio onde estejamos a fazer uma criação. Nunca fiz as contas, mas quando olho para 2017… foram duas criações em Hamburgo, mais uma em Paris, e ainda houve a apresentação do “A Regra do Jogo”, também em Paris, acho que passamos 75% do tempo fora de casa, e depois uns 15% por aqui e uns 10% no Rio.

E o que levas daqui e o que é que nos deixas? Sem modéstias!

Ah… estou muito orgulhoso. Em primeiro lugar estou orgulhoso porque sobrevivemos! As pessoas nem sonham o quão perto o Alkantara, e provavelmente muitas outras estruturas, também, o quão perto estivemos de um fim trágico. Estamos a falar de 2011, ‘12, ‘13. E acho que a forma como lutámos, eu e várias pessoas da associação, sem querer esquecer outros colegas, foram todos muito importantes para que isso não acontecesse. E o ter feito parte desse esforço coletivo deixa-me muito orgulhoso.

A dada altura foram os próprios teatros e outros equipamentos da cidade de Lisboa que decidiram salvar o Alkantara. Então, criou-se… é na “guerra” que se fazem os melhores amigos, uma ligação muito forte. Relações que são pessoais, que não irão desaparecer com a minha mudança de vida.

E foi um encontro com uma cidade que eu acho incrível. Fazer um festival para uma cidade é um encontro muito íntimo. … não imagino, por exemplo, fazer um festival para uma cidade com a qual não tenha esta afinidade. E, fazer dez anos de um festival para uma cidade, com todos esses encontros [que se promoveram] com as escolas, as mercearias, as Instituições, mas também, se é necessária uma planta, e então vais para um Jardim Botânico, depois de dez anos há uma conexão que é muito forte.

E alguma coisa mais que tu leves, alguma coisa que tenhas adquirido por aqui, que não tivesses antes de cá chegar?

Sim! Eu hoje em dia sei fazer um festival. Há dez anos atrás, quando cheguei, não sabia tudo o quanto sei hoje. Agora é diferente (ou mais ou menos) é que eu nunca tinha programado nada!

 

Por: André Gonzaga; Duarte Bénard da Costa
Foto: Bruno Simão

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