Abyss & Habidecor Quando o melhor do mundo é português

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“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce…”

Fernando Pessoa, excerto do poema “O Infante”, in Mensagem

Há 40 anos ninguém acreditaria que numa cave situada no centro da cidade de Viseu se viriam a produzir as melhores toalhas do mundo. Ninguém, excepto Celso de Lemos, o visionário engenheiro químico formado na Bélgica, que sempre acreditou que a conjugação dos melhores linhos e algodões do mundo com a ancestral habilidade manual das mulheres da Beira, resultaria num produto único. De tal forma único, que a Abyss & Habidecor Super Pile Towal 700gr foi eleita, em 2007, pelo Wall Street Journal, a melhor toalha do mundo.

A aclamação internacional, que muito antes do Wall Street Journal já fora reconhecida pelas melhores boutiques do mundo e pelas mais conceituadas lojas de Londres, Paris e Nova Iorque, resultou do sonho do promissor jogador de futebol viseense, que abandonou os relvados de Alvalade para se dedicar ao têxtil. A sua capacidade de trabalho, a sua dedicação e o inexcedível amor pela sua terra fizeram da Abyss & Habidecor uma marca incontornável no têxtil mundial.

É isso mesmo que nos conta Pierre de Lemos, filho de Celso de Lemos e uma das caras da equipa familiar que gere os destinos da empresa.

“A Habidecor começou há 40 anos aqui em Viseu e surgiu do sonho do senhor Celso de Lemos, meu pai, que nasceu em Poives, uma pequena aldeia do Concelho, numa família de 7 irmãos. Viveu em Portugal até os 17 e depois apanhou um comboio e foi para a Bélgica estudar engenharia química. Foi para uma escola que, naquela época, era uma das escolas mais reconhecidas no têxtil na Europa e no Mundo. Nessa escola estudavam pessoas de mais de 61 nacionalidades… e uma mulher, que viria a ser a minha Mãe.

“Pierre fala com um forte sotaque francês que acentua a excentricidade da história que nos conta com um sorriso de orgulho no rosto.

“Depois começou a trabalhar aqui e ali, até ir para uma empresa têxtil onde encontrou uma espécie de mentor. Isso mudou a sua vida porque aprendeu tudo sobre a indústria e um dia fez-se um clique e ele disse – Agora acabou, tenho experiência que chegue, tenho um caminho bem traçado e vou voltar para a minha terra para fazer o melhor tapete de casa de banho do mundo. – Foi assim que surgiu a ideia. Trouxe as máquinas da Bélgica e instalou-as na cave dos Pais dele, aqui em Viseu, na avenida que dá para antiga estação. Começou na cave com duas pessoas: uma costureira e um senhor para fazer as entregas e compor máquinas. Era o senhor Aníbal e a senhora Isabel, que ficaram nesta empresa mais de 30 anos, até se reformarem. Com os primeiros tapetes prontos, ele pegou na mala e foi bater às portas.”

E como se faz o melhor tapete do mundo? Questionamos curiosos.

“Não há grande segredo. Como é que se faz? Temos de fazer mil para percebermos como se faz um realmente fabuloso. Primeiro é fazer com devoção, com paixão… nada se faz bem sem paixão e para fazer um bem, temos que fazer dez mal, quanto a isto não há dúvida nenhuma. Depois, a qualidade da matéria prima é fundamental e com isso nós não brincamos em serviço! Não há compromisso em relação à qualidade dos nossos fios. Compramos no Egipto, compramos na Índia, compramos na Bélgica. Tudo depende do tipo de tecido. Se é algodão do Egipto obviamente é do Egipto, se é algodão da Índia é da Índia, se é linho vem da Bélgica, mas a matéria prima é fundamental. Além da matéria prima, outro aspecto que é muito importante são as mãos, as mãos! É a qualidade do artesão, porque isto é artesanato. Hoje, quarenta anos mais tarde, temos aqui, na mesma cidade, no mesmo país, Viseu-Portugal já não duas, mas 200 pessoas a fazer artesanato. O importante para fazer o melhor tapete do mundo, além da matéria prima, é o savoir-faire, o saber fazer, e isso só com o tempo e experiência se consegue. Não foi logo à primeira que saiu o melhor tapete do mundo. Demorou 10 anos, 20 anos, 30 anos… Foi assim que começou a Habidecor, com o sonho de um viseense que quis mostrar ao mundo que a terra dele, o País dele pode fazer coisas, não vou dizer as melhor do mundo, mas com uma qualidade reconhecida a nível mundial”.

Segundo o Wall Street Journal, podes mesmo dizer “o melhor do mundo”, provocamos.

“Nesse caso não foi o tapete, foi a toalha, mas é verdade. Segundo uma jornalista do Wall Street Jornal The best of the world foi uma toalha feita aqui, em Tondela.”

A Habyss & Habidecor começou por produzir tapetes de casa de banho, mas teve tanto sucesso que, de repente, os seus clientes passaram a pedir outros produtos, outros tamanhos, outras cores.

“Muitos diziam: vocês têm um tapete excelente, mas não encontro uma toalha da mesma qualidade e com as mesmas cores. Então surgiu a ideia de criar uma empresa para fazer toalhas. Abrimos há 20 anos e chama-se Abyss e fica aqui perto de Viseu, em Tondela. É uma empresa com o mesmo espírito.

Nós temos poucas regras, mas que seguimos escrupulosamente: a primeira é made in, made by e made of Portugal. Made in Portugal é óbvio, Made by porque é feito por gente da nossa terra e Made of Portugal, porque tentamos que tudo o que é feito para a empresa seja feito em Portugal, os catálogos, as fotos o site é tudo feito por empresas nacionais; a segunda regra é a noção de que somos pequenos e não queremos ser grandes, por isso acreditamos na qualidade since day one. Qualidade é fundamental! Para fazer alguma coisa, fazemos bem. Preferimos esperar 2, 3, 4 ou 5 anos para colocar-mos um produto no mercado se não estiver dentro dos padrões de qualidade que exigimos; a terceira regra é de cariz humano, é a partilha. Tudo o que fazemos é para os outros não é para nós. Para receber 1 temos de dar 10. Estas são as regras fundamentais de tudo que fazemos hoje em dia.”

A conversa decorre nas instalações da Habidecor numa das saídas de Viseu, enquanto vamos percorrendo a fábrica e Pierre vai cumprimentando cada um dos funcionários. – Bom dia, como vão, tudo bem? – Todos respondem com um sorriso no rosto.

Maria Albertina acena-nos ao longe entusiasmada. Já está há alguns anos na empresa, embora não seja das mais antigas. Está no controlo de qualidade, um dos sectores mais importantes da produção. É muda, mas explica-nos com exactidão a sua função. Pega num tapete e vai conferindo a altura dos fios, o rigor dos acabamentos e sempre que encontra um erro gesticula para nos chamar a atenção. Perguntamos se gosta do que faz e um sorriso aberto e sincero antecipa o aceno de cabeça. Do outro lado do gigantesco pavilhão, Teresa Ribeiro, que trabalha com a família Lemos desde 1980, vai rematando toalhas a um ritmo avassalador. Pierre conversa mais demoradamente com ela, sem que isso a distraía da função. Ao seu lado, mais de 20 colegas de trabalho manuseiam as máquinas de costura com que rematam toalhas, tapetes e lençóis. Na zona de recepção das matérias primas pedimos que Pierre nos explique os tipos de fio que utilizam nos seus produtos.

“Tudo o que é para casa de banho, é feito 80% para não dizer 90 em algodão. Nas toalhas usamos o algodão do Egipto Giza 70. Hoje em dia o algodão do Egipto já não tem o prestígio que tinha, é como os carros alemães, tens o Porsche e tens o Opel, são ambos carros alemães, mas entre o Porsche e o Opel há uma grande diferença. No algodão do Egipto é igual. Existe o muito, muito bom e o bom. Nós só trabalhamos com o muito, muito bom que é o Giza 70. Giza é o nome do algodão e 70, o que é engraçado de perceber, é o ano. A árvore de algodão dá flores e depois da colheita é cortada, por isso é necessário replantar todos os anos e para replantar eles precisam de sementes, cada ano eles tiram a semente e replantam e por isso todos os anos são diferentes, a genética daquela flor é diferente, é uma questão de fibra, uma questão de quantidade de fibra e do tamanho dela; são pequenas, grandes ou médias e o ano 1970 foi um ano extraordinário que deu uma enorme quantidade de fibra. Os próximos que vamos utilizar serão o Giza 88, e depois o 91, mas o melhor algodão do mundo e que já custa uma fortuna, é o Giza 45, que vamos utilizar para fazer uma colecção muito especial. Tudo em Giza 45. Esta colecção vai ser a Abyss da Abyss; a Celso de Lemos da Celso de Lemos; a Habidecor da Habidecor, porque nós não podemos dormir, temos de estar sempre a evoluir, sempre a evoluir, sempre, sempre… E sempre a ouvir o que o mercado procura!”

Embora a Habidecor esteja cheia de máquinas de alta tecnologia, o trabalho manual continua a ser o factor decisivo para o reconhecimento da qualidade dos seus produtos. São, de facto, as mãos das mulheres beirãs que controlam a produção, os acabamentos e até a dobragem e o embalamento. Este handmade é que faz a diferença, esclarece-nos Pierre.

“No mundo têxtil há poucas empresas a fabricar os próprios produtos. O que é que eles fazem? Vão a países como a China, a Turquia, a Índia, a Itália e mesmo Portugal (80% da produção portuguesa não é para marca própria) e mandam produzir o que pretendem. Nós não! Nós somos especialistas. Há poucos na Europa, há poucos no Mundo, há mesmo poucos… que só compram o fio e transformam. Eu posso dizer que aqui na Europa somos os únicos e isso é uma diferença enorme. Um viés, uma etiqueta, parecem detalhes, mas não são. Essas pequenas coisas é que fazem com que estas nossas toalhas durem 20 anos. Somos especialistas e todos os especialistas têm de atentar pormenores, porque todos os pormenores contam para que o produto final seja perfeito.”

Pelo que percebemos, a hipótese de deslocalização da empresa está fora de questão?

“Deslocalização para nós é uma palavra que não existe. Eram precisos 50 anos para fazer o que estamos a fazer aqui num em outro local. Foi nesta terra que é a melhor terra do mundo, com esta gente que aqui vive que é a melhor gente do mundo que conseguimos fazer a Habidecor e esta experiência não tem preço.

Mudar para onde? Para a China? A China não tem experiência, não tem este saber, não têm os Viseenses (risos), não têm os Portugueses. Eles têm Chineses, nós temos Portugueses… e isso é a nossa força. É a nossa primeira regra made in, may by, made of Portugal e no dia que mudarmos isto, perdemos tudo.”

Já sentados no gabinete de Pierre conversamos sobre os mais famosos clientes da Abyss & Habidecor, de Obama a Putin, passando por Cristiano Ronaldo ou por hotéis como o Burj Al Arab no Dubai, ou o Grand Hyatt, em Hong Kong e sobre a importância que Pierre dá às pequenas boutiques espalhadas pelo mundo e que acredita serem o futuro.

“O que aparece nos media, nem sempre é o que nós dizemos. – Risos. – É como na política! Só aparece o que chama mais a atenção!!! Nós vendemos alguma coisa para grandes cadeias de hotéis, mas não é o nosso mercado. O nosso mercado são as boutiques. É aquela senhora, ou aquele senhor que tem uma loja pequenina, numa cidade talvez não tão conhecida como as capitais. Esses é que são os nossos clientes de sempre. Sim, vendemos para o Harrods, sim vendemos para Bloomingdale’s, sim vendemos para o El Corte Inglés na Península Ibérica, mas o nosso mercado não são só eles. Claro que são clientes importantes, mas o nosso cliente típico não é esse, o nosso cliente típico são as pequenas boutiques, são os retalhistas que estão em Bruxelas, que estão nos recônditos da Austrália e que encomendam 4 tapetes ao ano. Esses é que andamos a trabalhar há anos. É sempre bom ter um Harrods, porque traz números, quantidades, traz notoriedade, mas não é só para eles o nosso trabalho diário.”

A fidelização tem sido muito importante para o negócio da empresa e isso percebe-se nas palavras do filho de Celso de Lemos.

“O essencial é o lado humano, como disse há pouco. É a terceira regra, o factor humano. Nós não trabalhamos para nós. Eu quando vou visitar clientes, vou apresentar um produto de Portugal e vou essencialmente dizer: nós estamos aqui para trabalhar pelos vossos clientes. Não é para vocês nem para nós. É para que os vossos clientes fiquem felizes ao encontrarem um produto de alta qualidade e regressem às vossas lojas. Isto é o nosso trabalho diário! Sim, agora vendemos para algumas cadeias de hotéis aqui e acolá, mas o nosso trabalho são os retalhistas, são as boutiques.”

Indagamos se também vendem em Portugal para lojas como a Paris em Lisboa.

“A Paris em Lisboa é um bom exemplo. É o tipo de loja com que trabalhamos! É com esta gente que trabalhamos, é esta gente que defendemos. Neste momento estamos a querer defender muito as boutiques porque sabemos a pressão a que estão sujeitas. No futuro existirão muito menos. Hoje em dia vendemos para 61 países e 1200 lojas. O nosso futuro não é vender para 2 mil lojas, talvez seja vender para apenas 500, mas com este tipo de clientes fidelizados e que conheçam os nossos produtos. Para conseguirmos isto, temos que ter mais produtos. Daí a criação de uma linha de cama, a colecção que chamámos Celso de Lemos, vamos também apostar numa colecção para cozinha, fazemos vinho, fazemos azeite. Isto é o next step. O nosso caminho não são as grandes cadeias, embora eu esteja muito feliz de trabalhar com a Harrods com quem temos uma relação fantástica, mas o nosso caminho são as boutiques, são as lojas.”

Pierre fala como se toda a vida se tivesse dedicado ao negócio de família, por isso perguntamos quando começou a trabalhar na empresa.

“Ontem. Aahahah! Inconscientemente, eu entrei no projecto desde pequeno. Eu não era bom na escola e sempre gostei de Portugal e o meu pai foi esperto e mandou-me trabalhar para aqui uma ou duas vezes no verão, a tratar do lixo, a regar as plantas. Então, step by step foi-me integrando. Fui aprender a vender com um agente, a perceber a qualidade dos produtos e quando ele decidiu fazer a Abyss, em Tondela, foi assertivo e perguntou- me: queres vir trabalhar para a Abyss ou não? Eu disse que sim. Fui com o meu primo Nuno Rodrigues que é o filho do nosso director da produção aqui, na Habidecor. O meu pai desafiou-nos aos dois – Tenho aqui um novo projecto para fazer toalhas, o Nuno fica responsável pela produção e o Pierre pelo comercial… pronto foi assim, já lá vão 17 anos. Naquele momento estava a fazer música.”

Pierre solta uma gargalhada quando comentamos que passou de líder de uma banda de metal para a liderança da empresa.

“Não! Não, estou nada à frente da empresa. Quem está à frente da empresa é uma equipa. Somos uma empresa de cariz familiar, mas à frente está uma equipa. Temos um coach que é o Celso de Lemos e temos uma equipa. Nós trabalhamos em família. Eu defendo os valores desta família, os valores desta empresa. Acho que o faria da mesma forma mesmo que não fosse filho de Celso de Lemos. Eu gosto desta empresa, gosto de Portugal, gosto de vender, gosto de partilhar Portugal no mundo, gosto do meu trabalho diário, mas à frente da empresa, nem pensar. Ainda bem que o meu pai está cá. No futuro eu vou dar tudo para que esta empresa funcione nesta linha e que estas regras se mantenham. Se vou ter capacidade ou não, francamente não sei.”

Quais são os caminhos do futuro da Abyss & Habidecor?

“O futuro desta empresa é ser como até aqui, partilhar Portugal, talvez de outra forma. Estamos a pensar em ter lojas próprias. Isso será um sucesso. Estou a falar da geração dos meus filhos, dos filhos da equipa que está aqui. O futuro é ter boutiques próprias. Boutiques Celso de Lemos espalhadas pelo mundo inteiro, que vendam Portugal, que vendam tudo o que é feito em Portugal. Tudo o que tem o nosso espírito que se baseia na qualidade, produzido de acordo com aqueles valores simples da vida: não gastar mais o que se tem no e respeitar o outro. Acho que temos uma equipe que pode fornecer boutiques nossas espalhadas pelo mundo e podemos juntar o vinho, o azeite, sapatos, pois Portugal é um grande produtor de sapatos. O futuro é isso. É trabalhar pelos outros, pelas boutiques que são nossas clientes no mundo, abrirmos as nossas boutiques próprias e proteger o mercado. Por exemplo, hoje em dia existe uma ferramenta que é a internet com a venda online e nós estamos a começar a dar alguma atenção a isso, mas começámos com uma política muito cuidada. A nossa venda online não pode ser para toda gente. Nós vamos diminuir ou controlar as vendas online, porque vendendo online deixamos de poder acompanhar a forma como as toalhas estão dobradas na loja, se foi colocado o perfume, se a apresentação está como pretendemos. São dois mundos diferentes para o mesmo resultado. Por isso temos que ter cuidado com a internet. Hoje posso confirmar que a marca Celso de Lemos vai surgir como uma colecção de roupas de cama de prestígio, por isso não vamos vender pela internet. Temos que proteger o produto.”

Queremos conhecer a opinião de Pierre sobre a aposta do Pai na Quinta de Lemos, que produz excelentes e já premiados vinhos do Dão e na Mesa de Lemos que é uma referência gastronómica nacional e se entende essa diversificação como uma estratégia de marketing para cativar os clientes da Abyss & Habidecor.

“Não. Não foi uma estratégia de marketing. Foi um sonho fantástico de um puto de 17 anos tornado realidade! Ele fez a Quinta para acolher e para receber os amigos e a família. Foi uma espécie de homenagem a Portugal, uma homenagem à terra dele! Mas, claro que também se tornou um factor de marketing para os nossos clientes. Por exemplo, temos um cliente do Dubai, uma miúda que nasceu no Afeganistão e estudou nos Estados Unidos e trabalha para uma empresa no Dubai. Convidei-a para vir visitar a Quinta e ver os nossos produtos no local e percebi que ela estava meio sem vontade. Fora de Paris, fora de Milão, sabes como é… Mas acabou por vir e aí entendeu o percurso deste homem, o percurso do sonho deste homem que queria partilhar com ela o que é Portugal. Então ela volta, e volta e volta, e criamos uma melhor relação, uma relação mais humana. Isso também traz uma nova energia à nossa relação comercial. Mas, na verdade, foi o sonho deste homem em querer mostrar aos seus amigos e clientes o quão bela é esta região, o quão belo é o seu país! É amor à terra!”

A mesma opinião tem a filha Geraldine de Lemos, mas já lá iremos. Geraldine tem um olhar profundo, com um je ne sais quoi de provocador que nos fita de forma intensa e penetrante. Nascida na Bélgica, “com uma educação muito rígida. A educação de um Pai emigrante que queria que os filhos seguissem o caminho dos estudos.” Geraldine cedo descobriu a sua vocação para as artes. “Queria desenhar. O desenho era a única coisa que me agradava.”

A opção criou alguma discórdia entre Pai e Filha, mas mesmo assim conseguiu ir estudar para a Escola Superior de Artes Saint-Luc em Bruxelas. No início não foi fácil, para uma menina de uma família tradicional de emigrantes Portugueses, habituada a ser controlada e a obedecer, ver-se sozinha no meio artístico de Bruxelas, onde se estimulava os alunos a exprimirem-se, a transporem para as artes as suas ansiedades, os seus desejos, as suas emoções, o seu eu, tudo o que sempre fora habituada a reprimir. Não foi fácil, mas como era teimosa e queria provar ao pai que conseguia, lá acabou o curso.

“Para mim foi importante esta experiência, até para dominar a técnica. Aprendi a contornar o que não sabia ou não dominava tão bem. Por exemplo, o retratismo que definitivamente não me atraía. Eu não queria pintar certinho, bonitino, queria exprimir o que sentia no momento.”

Com 18 anos precisou escolher uma área específica e foi pedir opinião a um professor que a aconselhou a ir para o têxtil e foi. “Sabes como é. O professor disse para ir, sem ter nada a ver com imposição familiar, fui e adorei.”

Tinha tudo a ver com ela. Os tecidos, o toque, o volume e o facto de poder exprimir-se através da matéria. Era tudo o que sonhara e acabou por revelar-se uma descoberta transformadora. “Foram três anos muito bons. Depois fui fazer um estágio que odiei, porque foi passado em frente ao computador a produzir, produzir e eu queria produzir, mas no tecido, então decidi ir viajar durante um ano a fazer voluntariado para Cabo Verde e para a Índia.”

Entretanto regressou a Bruxelas e foi estudar floricultura durante 3 anos, atraída pela natureza e pelo desejo da criação efémera permanente com uma vertente muito prática de poder vender as suas criações. “Eu fazia e ia vender para uma loja, em contacto com os clientes. Foi muito bom! Infelizmente, no último ano apanhei uma alergia que me impediu de continuar. Como já tinha estudado e viajado, então decidi ter filhos! Conta Geraldine com uma gargalhada contagiante.” E teve dois, antes de cumprir outro sonho de infância e vir morar para Portugal. “Eu tinha lembranças muito boas das férias em Portugal. Em Santa Cruz tive as primeiras experiências amorosas e sempre que vinha, um pedacinho de coração ficava aqui.” Regressou com o intuito de abrir uma florista, mas o Pai, sempre protector, ofereceu-lhe a possibilidade de ir para a quinta e com dois filhos pequenos para cuidar, acabou por aceitar.

“Foi uma fase muito boa. Aprendi muito sobre vinhos, embora não seja apreciadora (risos) e aprendi a respeitar a forma como o meu Pai encarou o desafio da Quinta de Lemos, que foi uma aposta muito mais emocional e filosófica, do que racional e empresarial.”

Talvez, nada antes como essa experiência na Quinta de Lemos a tenha ajudado tanto a compreender a paixão do pai pela terra, pelo vinho, pelo estar à mesa, pelo receber amigos. De tal forma o entendeu, que se apaixonou, ela própria por essa terra que não era sua, mas que aprendera a amar. Quase ao lado da quinta, construiu a sua casa, exactamente como sonhara e com uma vista de cortar a respiração para a Serra da Estrela. Passou a organizar diversos eventos nos espaços da quinta, de exposições (sempre a arte!) a actividades para crianças, enquanto se imiscuía nos detalhes de decoração e arquitectura das obras que iam decorrendo. Mas, foi o cuidado e a originalidade com que decorava as mesas para os jantares que o seu pai oferecia a amigos e clientes que a foram empurrando para a empresa de família. Escolhia os tecidos, fazia os arranjos de flores, fazia os guardanapos, tratava de tudo e recebia muitos elogios. Aí o meu pai foi percebendo que as minhas mesas eram uma montra da Abyss & Habidecor, porque os clientes eram clientes do têxtil e gostavam muito do que viam e podiam experimentar. Depois decidi montar um pequeno showroom na adega da Quinta onde preparei diversos quartos e foi assim que me aproximei da empresa.

Hoje, é Geraldine quem prepara os eventos, os catálogos e as fotografias da Abyss & Habidecor. Continua a adorar montar cenários ousados, que transmitam as emoções que sentimos quando tocamos nos tecidos ou olhamos as cores dos produtos da empresa. As ideias fluem-lhe com a naturalidade de quem sempre viveu no meio artístico e com muito trabalho e persistência acaba por colocá-las em prática.

Celso de Lemos cumpriu o seu sonho de fazer em Portugal os melhores produtos têxteis do mundo e hoje tem os filhos ao seu lado, também eles apaixonados pelo país e pela terra que o viu nascer e empenhados na perpetuação desse sonho. É obra!

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